Julio Campanella e Ricardo Baltazar escalam o Fitz Roy

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Dupla brasileira ascende o imponente Fitz Roy, e outros cumes na Patagonia argentina.


O carioca Julio Campanela e o gaúcho Ricardo Baltazar, mais conhecido como “Rato”, regressaram da Argentina onde protagonizaram as principais ascensões brasileiras nas gigantes torres de granito de El Chaltén – Patagônia.

A dupla ascendeu juntos a Agulha Media Luna pela via Rubio e Azul 400 m 6c (A1), O El Mocho, pela via Salvaterra 400 m 6c e também o Fitz Roy pela via Franco Argentina 6c (A1). Rato escalou também a Agulha Guillamet pela via Founrouge (600 m 6b) junto com Rodrigo Maike.

A via Franco argentina, fica na face Sudeste do Fitz Roy, ela tem 650 metros de altura e foi conquistada no dia 2 de Fevereiro de 1952 por Lionel Terray e Guido Magnone. As dificuldades de ascensão desta via não são apenas técnicas, como relata Ricardo “Rato”.

Saímos eu o Julio no sábado pro passo superior (alta caminhada alpina) e nos instalamos no bivac la pelas 4 da tarde. Engolimos o bivac gelado só no saquinho e as 11 hs da noite nos levantamos pra comer e ir atacar a famigerada brecha dos italianos. Pela 1h da manhã de domingo estávamos em marcha cruzando o glaciar do passo superior cheio de greta sinistras (íamos encordados eu na frente abrindo caminho e seguindo três argentinos que saíram antes nós). Saltei varias gretas e entrei com uma perna dentro de uma pequena.

Sobe, sobe chegamos ao pé da brecha lá pelas 3 da manhã e ai nos preparamos pra trepar a rymaia (sinistra) e escalar os 300 metros de misto e 5 grau. Demoramos um pouco porque logo encostou um espanhol e um argentino e nos embolamos um pouco, mas tiramos pra arriba. Chegamos no topo da silla dos franceses (pè da rocha) lá pelas 9 da manhã e ae tava uma muvuca!!!!

Tinha um casal logo na segunda cordada (que não se moviam) uma cordada de Bariloche logo por baixo na primeira cordada, os três argentinos no pé da via esperando pra entrar e nós, que chegamos seguidos de um espanhol e um outro argentino. Os três argentinos entraram na 1 cordada (um 6a), mas não se moviam. Julio começou falar em descer, desistir, pois começou a ficar tarde (já era quase meio dia!!!), sendo que o normal é começar a parte de rocha as 7 hs!!!!!

Foi quando o argentino que estava com o espanhol resolveu desistir. O espanhol (se chama Ino) então nos perguntou se o aceitávamos na cordada. Dissemos que sim. Tinha que ver o loco, tava quase chorando pra escalar.

Bom, peguei a ponta da corda e comecei o baile. Passei voando pelo 6a. O Julio e o Ino vinham escalando juntos limpando. Na 3 cordada pedi licença pros três argentinos pra passar, pois eles iam igual tartaruga e a parede jorrava água das fendas, pois o verglas tava derretendo com o calor que fazia.

Passei os argentinos e comi um 6b+ molhado, frio e de 50 metros em um diedro. Dale friends. Depois guiei uma cordada a mais e passei a bola pro Julio. Ele guiou umas 5 cordadas e passou pra mim de novo. (o espanhol não escalava muito bem em rocha) Fiz um par de cordadas e encarei a ultima pra sair na rampa de neve que dá acesso ao cume, um 6c (francês) duro e gelado (já eram umas 9 hs).

Artificializei o passo de 6c e meti o restante em livre. Subiram os loco e daí começou a epopéia!!!

A tal rampa final não tem nada de fácil, maior roubada!!!! De noite de lanterna, um frio ducaralho. Eu tava com todas as roupas e cagado de frio, nunca passei tanto frio em minha vida (estou com os dois dedão do pé insensíveis, dormentes, ainda). Foram
300 metros de misto a 50º graus um gelo petrificado pelo vento, que nem os crampons agarravam direito.

Nesse tramo passamos a bola pro espanhol como forma dele pagar o arrego que demos pra ele. O bixo foi bem, de piqueta e crampom foi encontrando o caminho mais demorava muitíssimo!!! Essa parte final do Fitz é enorme e ruim de orientar. Eu assegurava e às vezes o Julio assegurava enquanto eu tentava dormir batendo queixo. Já eram as 2 da madrugada de segunda e nada de cume e a moral baixando, desidratados com fome, e perdidos.

Aumentou o vento e então chegamos ao pé de uma trepada de rocha e gelo onde decidimos parar, tava muito sinistro, eu não conseguia parar acordado, dormia até escalando de segundo.

Engolimos aquele bivac famoso quase no cume. Eu construí uma espécie de taipa, pirca de pedra pra me proteger do vento e organizei a favela brasileira (plástico, manta térmica, mochila pra entrar dentro e essas coisas) o Ino entrou para dentro da bolsinha de bivac de maricon da North Face!!! E o Julio, bem, acho que nem dormiu. Ficou derretendo neve com o jetboil. Disse que dormiu um pouco até que ferveu a água e derramou entre as pernas dele.

Sonhei um pouco aqueles sonhos quando se esta em casa quentinho com a galera. Acorda-te e tem que encarar a dura realidade, na puta que pariu, gelado, fudido, cansado, exposto e como uma formiga pronta pra ser varrida da face da terra.

Acordamos com o sol nascendo engolimos um liofilizado e olhamos a parede final,Não era mais tão feia quão parecia de noite. Era uma trepindanga entre blocos e gelo. Dale pra arriba, 30 minutos e finalmente cume do fitz Roy com o sol nascendo.

O trio ficou uma hora no cume tirando fotos e comemorando a escalada antes de voltar as dezenas de rapéis até a base.

Esta foi a primeira temporada de Patagônia de Rato, mas não de Julio, que já esteve relatando outras experiências patagônicas aqui no AltaMontanha.

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Sobre o autor

Texto publicado pela própria redação do Portal.

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