Lacas e avalanche de pedras no Brasil

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Diversas vezes são difundidos nos meio de comunicação do montanhismo diversas comunicados avisando o desmoronamento de lacas, que causam avalanches de pedra nos locais de escalada no Brasil. Saiba o que são e como são formadas estas lacas?

Lacas gigantes, é bom ou ruim?

Em 2009 um grande alarde foi dado no Rio de Janeiro por causa de uma “bolha” na face norte do Pão de Açúcar que estava prestes à cair, derrubando uma laca grande e pesada.

Esta não foi a única vez que “bolhas” nas rochas são motivos de preocupação e é até comum a existência de desmoronamentos de rocha em montanhas do Brasil. Estas lacas são, nada mais nada menos, do que o resultado da dilatação da rocha na superfície por conta da amplitude térmica entre dia e noite. Como o Granito e Gnais, rochas comuns na borda atlântica do Brasil, têm a característica de sofrer erosão por “esfoliação esferoidal”, ou seja erodir como casca de cebola, isso ocorre com uma certa típicidade de Norte à Sul Brasil.

Para ilustrar o fenômeno, estou postando umas fotos sobre isso. Veja esta bolha aberta na base do Morro do Elefante em Andradas, MG:

Uma bolha em Andradas MG

Esta bolha ilustra bem o que acontece em nossa montanhas. O frio da madrugada faz que a superfície da rocha sofra uma contração, em oposição, o calor do meio dia faz com que esta mesma rocha se dilate e isso forma uma “bolha interna”.

Várias vezes quando escalamos sentimos bolhas internas na rocha que só são perceptíveis quando a gente bate nela e vê que a pedra está oca.

Muitas vezes a bolha se rompe e forma aqueles patacões enormes que são a salvação em vias difíceis. Isso explica por que há em nossas montanhas muitas escaladas de aderência e regletes e de repente aparecem estes patacões, muitos com fendas atrás que dá pra proteger em móvel, muito normal em Andradas, como na via Zênite (abaixo) que tem a primeira enfiada toda protegida desta forma.

Proteções móveis em fendas de laca na via Zênite em Andradas – MG

Há diversos tamanhos destas lacas e bolhas e a tendência natural delas é cair! No começa da Pista Claudio Coutinho no Rio, há uma lacona enorme caída, eis a foto dela:

Quando estas lacas caem, fica no local a marca de que ali tinha algo que despencou. Veja esta foto e perceba que a agarra onde eu estou segurando é o resto de uma laca que caiu e que ali teve uma bolha:

Apesar de ser um fenômeno normal, é difícil estar na pedra e observar isso. Eu mesmo, em anos de escalada nunca tinha presenciado algo parecido, até que certa vez pude ver com meus olhos isto acontecer.

Ceta vez, estava começando a escalar a via “Homem Pássaro” no Bauzinho em São Bento do Sapucaí -SP, quando de repente caiu perto de  mim vários pedaços de rocha. Como o Bauzinho é acessado por trilha fácil pelo cume, achei que alguém visitante sem noção estava jogando pedra para baixo. Xinguei pra caramba o suposto maluco que poderia ter derrubado aquilo tudo, na hora nem me veio à ficha que aquilo poderia ter ocorrido de maneira natural.

Quando cheguei na quarta parada da via, estava me preparando para dar segurança para meu parceiro, quando ouvi um estalo vindo de uma grande laca e fumaça por lá. Foi quando percebi a origem daquela avalanche.

A grande laca de onde veio a avalanche é esta ao lado. Reparem que na parte inferior fora da laca há uma parte branca na superfície que mostra bem onde estava o pedaço dela que quase caiu em cima de nós!

Foi a primeira vez que pude observar insitu a ocorrência de fenômeno geomorfogenético. Isso mostra bem que em região de mares de morros onde prevalece a pedogênese podemos ter sim fenômenos genéticos típicos de climas secos e não é por pouco que muitos geomorfólogos criticam as teorias clássicas de Walther Penck.

A combinação de alguns processos à longo prazo (em termos geológicos) dão origem à evolução de alguns tipos de relevo. Se um clima muito úmido, com muita vegetação fica atuando por muito tempo, os solos evoluem e o relevo fica suavizado formando “mares de morros”. Ao contrário, se há erosão mecânica a longo prazo em climas secos sem vegetação, a rocha fica exposta na superfície e o acumulo dos detritos da erosão são depositados gravimétricamente formando pedimentos que se ao se coalescerem, formam “pediplanos”.

Obviamente que estes modelos são simplificados e no Brasil, esta experiência mostra que em uma área como a Mantiqueira ocorrem diversos processos e é complicado fazer explicações à longo prazo, embora eu acredite e postulo: O Modelado clássico é verdade. Porém, as coisas não são tão simples como um modelado…

Recentemente escrevi um texto interessante sobre este assunto, falando das montanhas do sertão nordestino. Quem quiser saber mais é só ler em minha coluna no Altamontanha.

Mas quem quiser ir mais a fundo, recomendo que comecem com este texto simples sobre a Origem e Evolução da Serra do Mar.

A tempo! Em 2016 aconteceu um evento de grande desplacamento numa montanha no Espírito Santo. Assista o vídeo abaixo que flagrou este acontecendo. É impressionante!

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Sobre o autor

Pedro Hauck natural de Itatiba-SP, desde 2007 vive em Curitiba-PR onde se tornou um ilustre conhecido. É formado em Geografia pela Unesp Rio Claro, possui mestrado em Geografia Física pela UFPR. Atualmente é sócio da Loja AltaMontanha, uma das mais conhecidas lojas especializadas em montanhismo no Brasil. É sócio da Soul Outdoor, agência especializada em ascensão em montanhas, trekking e cursos na área de montanhismo. Ele também é guia de montanha profissional e instrutor de escalada pela AGUIPERJ, única associação de guias de escalada profissional do Brasil. Ao longo de mais de 25 anos dedicados ao montanhismo, já escalou mais 140 montanhas com mais de 4 mil metros, destas, mais da metade com 6 mil metros e um 8 mil do Himalaia. Siga ele no Instagram @pehauck

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