Observe as fotos abaixo. Você acha que estas formas de relevo são montanhas?
Acima temos paisagens montanhosas com relevos evoluídos em diversas situações climáticas e tectônicas. De fato, paisagens montanhosas podem ser muito diferentes e isso sucinta que muitas pessoas possam afirmar que apenas aquelas montanhas cujos cumes atingem grandes altitude e são recobertas por gelo e neve, ou seja, as altas montanhas, são montanhas, o que na verdade não ocorre.
Na Geomorfologia, a ciência do relevo, o conceito de montanha é qualquer massa terrestre com desnível topográfica acima de 300 metros. Como desnível topográfico ou Proeminência, entendemos a distancia altimétrica entre o cume e o colo mais alto que separa essa montanha de uma adjacente. Quando o desnível topográfico for menor que 300 metros, ele é considerado um morro, quando estiver isolado e um subcume, quando este estiver ligeiramente próximo ao cume mais alto de um maciço (que é uma montanha com muitos cumes).
Proeminência = distancia altimétrica entre o cume e o colo mais alto que separa essa montanha de uma adjacente.
Notem que neste conceito, ignora-se os processos que dão origem à montanhas. Logo, a genética das montanhas é algo pouco levado em conta até mesmo na Geomorfologia, apesar de em alguns casos é facilmente diferenciável um cume de outro quando se trata de uma forma de relevo evoluível em episódios distintos. Isso é visível em alguns vulcões onde existem dois edifícios vulcânicos ou mais, resultantes de diferentes episódios de erupção. Na foto 3, que é uma imagem de satélite com o modelo digital de elevação referenciado pelo Google isso é bastante visível. Em preto, vemos o edifício vulcânico, de cor negra, de um cume do Sierra Nevada chamado de “cumbre del Laudo” e exatamente ao lado dele, ao norte, está o cume principal deste complexo vulcânico que é o ponto mais alto.
A questão é: O cume do Laudo é uma montanha ou um sub cume do Sierra Nevada?
O cume principal do Sierra Nevada tem 6140 metros, o Laudo tem 6104. O colo entre eles tem uma altitude de 5868 metros. Portanto no critério geomorfológico o Laudo não é uma montanha, pois tem um desnível topográfico, ou seja uma proeminência inferior a 300 metros. Geologicamente se nota que são topografias diferentes, produto de diferentes eventos vulcânicos, mas mesmo assim, este critério serve para distinguir duas montanhas?
Na minha opinião não. Como uma montanha é uma forma terrestre, pouco importa o processo no critério de definição.
Em 1994, a União Internacional das Associações de Alpinismo (UIAA) publicou uma lista mostrando quais eram as montanhas com altitude superior aos 4 mil metros nos Alpes. Levando em consideração critérios históricos e topográficos, esta respeitada instituição consideração que na grande cordilheira européia há 82 montanhas acima desta cota altimétrica. Em resumo, A UIAA considerou montanhas que não tem proeminência como montanhas apenas por que historicamente os montanhistas as consideram como tal. Como é o caso do Maciço do Monte Rosa, que seu cume principal, o Dufourpitze é a montanha mais alta da Suíça e que apresenta diversos sub cumes, dentre eles o Nordend (proeminência de 94 metros, Zumsteinspitze (proeminência de 110 metros), Signalkuppe (proeminência de 102 metros), Parrotspitze (proeminência de 132 metros), Ludwigshöhe (proeminência de 58 metros) e Schwarzhorn (proeminência de 42 metros) entre outros.
Comparando com o Brasil, considerar estes cumes secundários do Maciço do Monte Rosa como montanhas, seria o mesmo que considerar no Maciço do Marumbi, cumes como o Abrolhos, Ponta do Tigre, Gigante, Olimpo, Gigante, etc… Seria isso justo?
Para quem conhece os Andes, uma boa comparação seria o que ocorre no Cordón del Plata, onde temos o Plata como a montanha principal e várias outras acessórias, como o Vallecitos, Rincón, Lomas Amarillas, Franke, e outros. Seria cada um deles uma montanha?
Sempre escalei montanhas independente de “conceitos”, mas sim pela escalada e pela experiência em si. No entanto esta problemática não tardou em ser um problema para mim. Em 2011 meu parceiro de montanha desde a adolescência, Maximo Kausch, estava a busca de um projeto de montanhismo. Sua ideia era escalar as 50 montanhas mais altas dos Andes e deu de cara com esta problemática. Esta ideia evoluiu para o projeto Andes 6k, onde ele pretende ascender todas as montanhas acima de 6 mil metros, o que é um grande desafio do montanhismo.
Escalar as montanhas é apenas uma parte do problema. A partir deste momento, ele mergulhou em pesquisas e descobriu o critério do Índice de Dominância, proposto pelo alemão Eberhard Jurgalski que ao invés de ser uma medida absoluta como a proeminência, é uma medida relativa e medida em porcentagem.
Para calcular o Índice de Dominância, divide-se a altitude da montanha em questão pela proeminência e multiplica-se por 100. O resultado é a porcentagem de dominância da montanha.
Índice de Dominância(%) = proeminência / altitude x 100
Jurgalski calculou a Dominância de centenas de montanhas que são indubitavelmente montanhas. Foi excluída a dominância das mais altas de cada continente, como o Aconcágua, Everest etc, pois estas são 100% dominantes, mas levado em consideração outras montanhas importantes. Notou-se que em média, a mínima porcentagem de Dominância destas montanhas é 7%. Desta forma, por convenção, foi definido que uma montanha é considerada uma montanha independente apenas quando ela tem uma dominância superior à esta porcentagem.
Uma montanha independente precisa ter Índice de Dominância superior a 7%
Com este critério, e com os dados topográficos SRTM e ASTER da NASA, rodados em um super computador em um programa feita pela cientista inglesa Suzie Imber, da Universidade de Leicester no Reino Unido, Maximo Kausch estabeleceu quais são as montanhas andinas com mais de 6 mil metros e também as com mais de 5 mil metros.
A lista não é conclusiva, pois os dados topográficos são cheios de problemas e eles podem ser aprimorados com a melhora tecnológica tanto de sensores remotos, quanto pela possibilidade destas montanhas serem medidas através de GPS do tipo L1 L2 de alta precisão.
Aplicamos o Índice a um famoso caso brasileiro, o relativo ao Pico das Agulhas Negras (cume do livro) com 2791 metros de altitude e o Pico das Prateleiras de 2539 metros. Considero a altitude do colo entre as montanhas, a altitude de 2350 metros, que é a altitude do Abrigo Rebouças. Ao lado deste refúgio de montanha ( o mais alto do Brasil), fica uma represa e como a água ocupa o lugar mais baixo no relevo, este é sem dúvida a altitude do colo chave (aliás, descobrir esta altitude nas pesquisas das montanhas é sempre um grande desafio). No entanto, Prateleiras fica em um espigão muito pouco movimentado que se conecta com o Morro do Couto, que é o segundo pico mais alto de Itatiaia. A proeminência de Prateleiras com o colo que a conecta com o Couto é de apenas 106 metros e por isso, Prateleiras não tem independência, pois sua Dominância é de apenas 4,15%.
Note que pelo critério topográfico, apenas o Pico das Agulhas Negras seria considerado uma montanha. De fato, Agulhas Negras é uma montanha incrível de grande destaque na paisagem. Ela tem 15,8% de Dominância. Já Prateleiras, topograficamente não seria uma montanha, pois tem apenas 189 metros de proeminência, mas tem 8,09% de Dominância. É portanto uma montanha de acordo com este critério.
No começo deste artigo cito o Cono de Arita, um jovem vulcão que emergiu no meio do Salar de Arizaro na Puna do Atacama da Argentina. Seu cume atinge a altitude de 3811 metros, mas o salar, de onde ele emerge está numa altitude de 3689 metros, uma proeminência de apenas 122 metros. O Cono de Arita é um exemplo que altitude não importa para definir o que é uma montanha, pois mesmo sendo muito mais alto que qualquer montanha no Brasil, ela não tem nem proeminência e nem Dominância para ser considerada como tal (apenas 3.2%).
Note que o Índice de Dominância é mais justo. Em grandes altitudes, como no Himalaia, é muito fácil picos que não se destacam na paisagem terem proeminência superior a 300 metros. No entanto em locais de montanhas com baixas e médias altitudes, o critério topográfico acaba sendo injusto. Por isso o Índice de Dominância acaba sendo um critério interessante.
Sobre as montanhas das fotos que abrem este artigo, se alguém ficou com dúvida, todas são montanhas. Aliás, muito bom finalizar este artigo negando a afirmação que no Brasil não existe montanhas.
:: Confira a lista com todas as montanhas acima de 5 mil metros de altitude nos Andes.
14 Comentários
Salve Pedro!
Excelente artigo!
Dois dias atrás, ou seja, na véspera desta publicação, estávamos na casa do Vita debatendo exatamente sobre critérios que poderíamos adotar para, fugindo do tradicional critério topográfico, determinar melhor certos cumes que não se enquadram nesta regra, pois estamos elaborando uma lista com atualizações de altitudes e toponímias de nossas montanhas.
Entendemos, seguindo uma ideia defendida pelo ilustre mestre Vitamina, que podemos também trabalhar com critérios próprios, atrelados à nossa cultura montanhista brasileira, já que nossas montanhas possuem peculiaridades que as diferenciam das grandes montanhas de outras regiões do mundo, numa linha muito próxima do que fez a UIAA nos Alpes para definir as montanhas acima de 4 mil metros.
Um dos critérios que pensamos, nesta linha, é identificar na paisagem e tradição local, quais os pontos os nossos montanhistas enxergam como interessantes, seja pelo destaque na paisagem – como referência visual (como faziam os índios, no passado), seja pela beleza ou mesmo desafio proporcionado, independentemente de critérios mais “científicos”, digamos assim, como a proeminência ou a dominância, ainda que este último possa se apresentar como alternativa mais justa de classificação partindo de preceitos mais técnicos.
Pedro. Gostei desta abordagem e de sua explicação. Fiquei com uma dúvida quanto a Prateleiras. No critério de Dominância ela somente pode ser considerada como uma montanha quando comparada com o colo definido para Agulhas a 2350m, conforme seu artigo. Mas quando comparada ao Morro do Couto a dominância fica abaixo dos 7%, sendo considerado então um subcume do Couto. Assim fiquei em dúvida o critério de escolha do colo. Está dúvida, para mim, vai além das questões de montanhismo, uma vez que a legislação ambiental (código florestal) determina os “topos de morros” como áreas de preservação permanente, com uma definição que indica a medição de altura referente a base do morro ou o ponto de sela. Valeu, Abraço.
Olá Guilherme,
Neste caso, o que é levado em consideração é a altitude da sela mais alta. Ela será a base para ser considerado a proeminência topográfica da montanha.
Ok,
Valeu!
Pedro, bom texto mas fique confuso com relação à classificação do Prateleiras. Se comparado com o Morro do Couto, não seria considerada uma montanha por ambos os critérios (Proeminência = 106 m; Dominância = 4,17%). Mas se comparada com o Agulhas Negras, seria considerada montanha apenas pelo índice de dominância. Mas, como vc mesmo disse, a sela mais alta é a de cota 2433 m, situada no espigão entre o Couto e o Prateleiras; o abrigo do Rebouças estaria a 2350 m. Logo ela não seria montanha por nenhum dos critérios. Me corrija aí se eu estiver errado.
No vídeo fica claro que o Prateleiras não é montanha por nenhum dos critérios. Acho, então, que o problema está no texto.
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Adorei 👏👏👏
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É interessante. Eu vou mudar o meu conceito de subir morros ou montanhas para subir cumes, pois esses conceitos “técnicos” são relativos. Assim, teríamos menos montanhas para serem subidas. O que é gostoso é chegar a cada cume, independente de estar “grudado” com um um outro, como seria o caso do União com o Pico Paraná. Aliás, como ficaria a situação do complexo Ibitiquire? Uma única montanha. Tem gente que só vai no cume do Pico Paraná e sequer chega nos outros dois cumes, o que é uma aventura mais completa, considerando também a questão dos panoramas a serem vistos.
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