Maratona até a Pedra da Esplanada

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A Pedra da Esplanada é um enorme domo rochoso cuja longa e abaulada crista se espicha no sentido leste-oeste 1050m acima do nível do mar, elevando-se acima das encostas verdejantes da Serra do Mar ao sul de Biritiba-Mirim, limite municipal de Mogi das Cruzes. Pouco conhecida e com belíssimo visual, alcançar seu cume não demanda nem uma hora de pernada tranqüila. Contudo, chegar à base da montanha é relativamente complicado por se situar dentro do emaranhado de &ldquo,estradas-de-chão&ldquo, do enorme reflorestamento pertencente à Suzano Papel & Celulose, onde raramente circula alguém e mto menos há transporte publico.


Foi lá onde nos embrenhamos neste último sábado pra levar somente 40min pra atingir o topo da pedra, após andar 30km em 6hrs ate o inicio da picada, sem contar a volta. Distância percorrida de bike. E a pé. “Quanto pior, melhor”. Este era o lema q nos seguiria aquele dia.

Já ouvira superficialmente sobre a Pedra da Esplanada, mas nada sabia de seu verdadeiro acesso. Mas bastou comentar sobre ela com o animado pessoal da “T2 Aventura” – q conhece aquelas bandas de Mogi como ninguém – q marcamos um bate-volta ate a dita cuja. Os mesmos já haviam me alertado do longo trecho de chão (10km, só a ida!) até a base da pedra e do tedioso (e demorado) q seria fazer isso a pé, razão de realizar o tal trecho de bike. Ok. Apenas um problema: eu não tenho bike e não consegui arrumar uma de ultima hora. Dane-se! Resolvi assumir o perrengue acompanhando-os à pé ou correndo. Eu q não ia deixar de conhecer a tal pedra somente por causa desse pequeno “detalhe”. Decisão esta q depois mostrou não ser mto sensata e pela qual minhas pernas não falam mais comigo ate hoje.

Enfim, saímos cedo de Sampa eu, Dom, Fernando e Abade e tomamos o asfalto da Mogi-Bertioga sob um dia prometendo céu azul e muito sol! As 9:30 fizemos uma breve parada na “Balança” pra tomar um rápido desjejum e ouvir os causos do folclórico Seu Geraldo e de um clone do “Marquito”, q certamente entraria em combustão se acendessem um isqueiro perto dele. Voltamos então um pouco na rodovia e adentramos na discreta (e precária) estrada de terra q logo nos leva ao pacato bairro de Manoel Ferreira, composto apenas por um punhado de casas dispersas. Lá deixamos o veiculo na frente do boteco da simpática Laís q sempre nos recebe mto bem, principalmente qdo consumimos cerveja e petiscos à montante na volta!

Dessa forma, enqto os meninos arrumavam suas bikes eu já me adiantava tomando ainda a estrada principal, sentido nordeste, sempre acompanhando os enormes e enferrujados canos de uma antiga adutora. Não tarda a deixar Manoel Ferreira pra trás q a estrada serpenteia pequenos morrotes e passa por alguns sítios através de suave sobe-desce. Após tomar uma bifurcação errada (q me levou num pomar de deliciosos caquis) e retornar à mesma, na qual deveria acompanhar a suposta estrada principal e passar por baixo dos dutos, reencontro os meninos resolvendo um pepino. Arrebentara o banco da bike do Dom, mas ainda assim segui em frente, pois o problema não era tão grave e logo eles dariam um jeito de prosseguir a trip e me alcançar.

Dito e feito, num dos sítios próximos conseguiram serrar o cano do banco fazendo uma gambiarra q permitiu o Dom dar continuidade ao pedal sem precisar empurrar sua magrela. Enqto isso, minha pernada pela estrada se alternava em corrida (nos trechos planos e descidas) e caminhada (nas subidas), q ate aquele momento tava ate agradável, acompanhado pelo belo visu à minha direita (sul) do maciço rochoso se elevando acima da verde serra q compõe a Pedra do Sapo.

A pernada se mantém nesse mesmo compasso durante um bom tempo, acompanhando o duto ora de um lado ora do outro, e sempre nos mantendo na estrada principal, atravessando trechos no aberto e outros onde o frescor da mata ou de bosques de eucaliptos nos protegiam do forte sol daquela manhã. Felizmente o som de água em volta é constante e em mais de uma ocasião pude abastecer meu cantil sem problemas.

Mas antes do meio-dia caímos numa bifurcação q foi nossa (minha, principalmente!) danação daquele dia. A profusão de placas alertando precaução na estrada misturava-se à dos destinos de ambos os sentidos, o q pode ter causado confusão na decisão de q rumo seguir. O correto era prosseguir reto, sentido Sitio São Pedro, e ignorar o ramo da esquerda q levava a um tal Sitio Boa Vista. O Dom e Fernando até entraram em discordância, mas quem deu o veto final foi o GPS, q apontou seguir pela esquerda apesar de naquele momento faltarem apenas quase 2km ate o inicio da picada.

Após um breve descanso na tal bifurcação, retomamos à trip tomando então (equivocadamente) o ramo da esquerda q seguiu através de bosques intermináveis de eucaliptos, serpenteando indefinidamente em suaves sobe-desces encostas de morros, onde as vezes os meninos eram obrigados a empurrar as magrelas estrada acima. Com os dutos deixados pra trás faz tempo, tomamos a esquerda numa 2ª bifurcação, passamos por uma ponte pra em seguida subir forte a montanha sgte.

Numa 3ª bifurcação tomamos à direita e por ai vai, sempre nos mantendo na principal. E eu acompanhando os meninos ora andando ou correndo, tal qual um Zequinha Barbosa de mochila, suando em bicas e arfando feito camelo. Foi qdo passou um veiculo (milagre!) e peguei carona por 5km ate um pto em comum onde deveria prosseguir supostamente com o pessoal até o nosso destino. O motorista era um tiozinho funcionário da Suzano q me contou algumas curiosidades dali, como por exemplo, da freqüência de caçadores de anta no meio da mata. Saltei então numa casinha q representava o escritório da Suzano naquele setor, onde uma meia-dúzia de funcionários faziam um churrasco.

Qdo o pessoal de bike chegou q me informaram estarmos no caminho errado, e q deveríamos ter pego à esquerda na 1ª bifurcação! Deveríamos voltar um bom trecho. “Puta merda, fudeu!”, pensei, “Demos uma volta por td o reflorestamento à toa!” Ate ali já havíamos rodado 18km e eram já 13:30, horário relativamente tarde. Cansados, resolvemos dar um tempo pra relaxar, comer algo e decidir o q fazer. Pergunta aqui e ali, ainda tínhamos tempo pra salvar o dia, mas não sem camelar mais um pouco, pelo menos no meu caso. Foi ai q comecei a repensar se havia sido boa idéia ter ido ate ali sem bike. Paciência.

Voltamos então pela mesma estrada durante um tempão, ate q após passar um pequeno sitio no meio do nada deixamos a estrada principal (no caso, Estrada Municipal do Itapanhaú ou BRM 352) em favor do ramo q seguia pra esquerda, agora sentido sudoeste. Sempre acompanhando a direção apontada pelo GPS, subimos e descemos vales, contornamos reflorestamentos até voltar a tropeçar com os dutos, dos quais nunca deveríamos ter nos afastado. Eu não era o único a sentir o peso da caminhada/corrida ao me arrastar com a língua no chão, os meninos tb estavam camelando mesmo de bike, onde o Fernando e Dom tiveram até q parar numa ocasião por conta de cãibras na coxa!

Mas td perrengue ate ali se desvaneceu imediatamente qdo numa curva da estrada pudemos vislumbrar, em meio ao arvoredo de eucaliptos rangendo ao vento, o domo azulado reluzindo à luz da tarde da Pedra da Esplanada, cada vez mais próxima!! Uhúúú!!! A bela e imponente visão nos deu um fôlego extra e revigorou o espírito completamente, tanto q apressamos o passo em direção à dita cuja! No caminho, topamos tb com o 2º veiculo do dia, um taxi (!?) perdido naquele labirinto de estradas circulando no sentido contrario.

Assim, descendo a encosta da morraria fomos de encontro à base da enorme serra q servia de base ao nosso destino, ate q chegamos finalmente na pequena propriedade de onde sai a picada almejada, às 15:30, na cota dos 840m!! Ate ali havíamos rodado quase 28km, estávamos cansados, mas ainda assim estávamos resolutos q concluir nosso objetivo: subir ao alto da Pedra! A tal propriedade faz parte da Faz. Casa Verde e pode ser reconhecida por uma Igreja Pentecostal em seu interior. Ali conversamos com um dos simpáticos proprietários, entre eles Seu Rodrigues, q alem de nos mostrar seu tucano de estimação, o Guilherme, fez questão de nos oferecer deliciosas bananas e um refrescante gole de suco de limão natureba! Claro q depois compramos mel natural como agradecimento pela gentil hospitalidade.

Na seqüência nos lançamos de fato à subida à pedra, tomando uma picada atrás da casa q mergulha na mata e logo dá numa estrada de terra maior, na qual vamos durante pouco tempo pela direita. Prestando bem atenção, percebemos uma vereda subindo suavemente a encosta através da floresta de eucaliptos, e é por ali q vamos através de largos ziguezagues sem gde declividade. Mas após uns 10min ganhando altura, ao invés de seguir em nível pela picada um pouco mais acima, tomamos outra q sai discretamente pela direita em meio a arbustos maiores repletos de carrapichos q se agarram à roupa, subindo forte até uma crista florestada. Uma vez lá a trilha torna a subir num ritmo respeitável, alternando baixadas q atravessam córregos, bosques escuros e úmidos, algumas gretas escondidas em blocos desmoronados de rochas e inclusive o q deve ter sido outrora uma antiga ponte sobre um mini-córrego.

Ganhando altitude imperceptivelmente, após um breve trecho íngreme e outro repleto de bambuzinhos dos quais basta desviar, já nos vemos rodeados de vegetação cada vez menor, típica de altitude. Liquens, arbustos medianos e pequenas arvores cujas raízes se agarram à pedra pela falta de terra denunciam estarmos já praticamente no cume, num piscar de olhos. E assim palmilhamos o restante do amplo e extenso topo rochoso durante um tempão, prestando atenção de não deixar escapar a picada q agora se mostra levemente confusa, porém “farejável”. Saídas laterais levam a pequenas lajotas expostas ornadas de enormes bromélias q servem de mirantes e permitem um preview das panorâmicas parciais q se seguiriam.

Prosseguindo pela crista sempre sentido nordeste, não demora a desembocar no extremo norte do cume, onde uma extensa e íngreme pedra assinala final de topo e mirante definitivo, com visu de 180 graus do quadrante norte do mar-de-morros verdejantes q abraçam a região, recortados por um céu azul no horizonte. De certa forma, o visu lembrava o limite das Serras do Araçatuba e do Quiriri (divisa PR-SC), onde emaranhados estradas de terra atravessam morros de reflorestamentos, no caso, de pinus.

Apenas à sudeste q temos o visu privilegiado do enorme e imponente rochoso do Pico do Garrafão, cujo topo se esconde em pequenas nuvens e parece nos convidar numa próxima empreitada à região. Ao sul, por sua vez, o inconfundível vale esmeralda do Rio Sertãozinho. Era incrível o quão rápido (40min) gastamos pra vencer os 200m da fazenda ate o cume, em comparação do tempão q tardamos pra chegar ao inicio da trilha. Bem, eram 16:20 e nos presenteamos um tempo jogados ao relento da suave brisa, contemplando o visual inspirador ou simplesmente beliscando alguma coisa, com direito até a chá quente preparado pelo Dom! O GPS marcava 1050m de altitude e exatos 30km percorridos ate ali! Um esforço recompensado, diga-se de passagem!

Retornamos antes do sol se debruçar no horizonte não apenas pra evitar descer no escuro, mas pq começou a ventar frio e o tempo aparentava fechar, com eventuais brumas encobrindo o visu à nossa volta. A descida durou meia hora exata, ainda conversamos rapidamente com o pessoal da fazenda e logo depois iniciamos a longa jornada dos 8km de volta à Manoel Ferreira, por volta das 18:10hrs. Enqto o visu do firmamento à oeste tingia-se de tons alaranjados ate ficar no mais puro breu, nosso passo pela estrada era cada vez mais cauteloso – à luz de headlamps – principalmente nos trechos cascalhados de descida.

Cansado e já com as pernas reclamando, desta vez voltei andando e não correndo, mas pelo menos tive a companhia do Abade, cujo pneu da bike estourara inutilizando a dita cuja. O Fernando e o Dom por sua vez aceleraram na tentativa de chegar antes no carro e depois vir nos buscar, embora a distancia entre eles e a gente não fosse gde.

Enfim, antes de chegar a Manuel Ferreira não nos fizemos de rogados e aceitamos a carona numa picape q poupou o ultimo quilômetro na sola, pois àquela altura já nos arrastávamos por inércia. Eram quase 19:40 e havíamos percorrido 39,5km ao total, segundo o GPS!!! Mas acima de tudo havíamos concluído nosso objetivo e isso era o q importava. Claro q isso merecia comemoração, q foi regada a cerveja e refrigerante no bar da Laís. Na seqüência nos lançamos ao asfalto e, embalado nos braços de Morpheus, cheguei em casa por volta da meia-noite, detonado por ter completado quase q involuntariamente uma “maratona” em trilha. Minhas pernas, claro, entraram em greve o dia sgte e recusaram-se a dar sequer um passo, nem por ordens expressas do alto comando.

É verdade q quem for visitar agora a Pedra da Esplanada não necessita dar td essa volta pelo reflorestamento da Suzano, basta não cometer o mesmo equivoco na bifurcação mencionada. E de ir já devidamente calçado pra empreitada indo de bike ou chegando à base da pedra devidamente motorizado, embora não seja qq veículo q encare aquela estrada de terra pra lá de precária. E assim fica a dica de mais uma montanha de fácil ascensão pelas bandas de Mogi, assim como o Pico do Garrafão, cujos acessos prometem interessantes aventuras vindouras. Claro q são montanhas e serras de fácil subida, porém de difícil acesso. Mas este é apenas mais ingrediente q dá o “tempero” ao bate-volta, q montanheiro q se preze irá considerar apenas mais um detalhe. Assim como fazer despreocupadamente td esse percurso a pé.

Texto e Fotos: Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
http://jorgebeer.multiply.com/photos

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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