Montanhas esquecidas no Itatiaia

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Montanhas esquecidas do PNI: Um final de semana de cunho exploratório no primeiro Parque Nacional do Brasil.


Desde 18:00h que estou no Terminal Rodoviário Tietê, acabei chegando cedo novamente e tenho quase cinco horas para “matar tempo” aqui.
Ando feito barata tonta para um lado e para o outro desenvolvendo reflexões mil. É engraçado como as pessoas me olham, basta ter duas mochilas nas costas para despertar os olhares dos curiosos, e quão curiosos eles podem ser!

Recebi duas ligações da Lili e falamos alguns minutos, ela me contou que ganhou de cortesia dois ingressos com lanche e tudo mais para o cinema! A próxima semana tem divertimento garantido!

Sentei um pouco em uma cadeira e como são as coisas…Sempre acreditei que mochileiro atrai mochileiro. Por acaso havia um casal de mochileiros ingleses (Londres) sentados ao meu lado, aparentemente sentei-me sem notar (ouvindo música – orquestrada – me desligo do mundo e procuro navegar no incrível imaginário que a sonoridade me proporciona). Batemos um rápido papo e eles partiram rumo ao Rio de Janeiro.

Mudo minha atenção à leitura me desligando um pouco da música. Um “gps de pobre” que organizo antes de viajar, alguns textos sobre as montanhas que eu gostaria de visitar neste final de semana, algumas folhas impressas de relatos sobre os locais. Alguns dos objetivos, mesmo que seja somente para fotografá-los, só encontrei um único e curtíssimo registro. Foi-me indicado pelo Nilton Ueda (GPM) que consultou um pequeno apanhado de fotos feitas pelo pessoal do CEU em 2004!

Noto que uma senhora me olha atentamente reparando a bandeira da Bolívia em meu Fleece. Pergunta-me em espanhol se sou boliviano. Respondo negativamente, e que a bandeira estar em meu peito é uma pequena demonstração de adoração ao país vizinho. Isto parece cortar o interesse pelo papo e ela encerra por ali mesmo.

Estes desejos de montanha pesquisados são quatro cumes conhecidos (ou não) como Serrilha dos Cristais, ou Agulhas do Couto.

Durante a última visita ao Itatiaia (quando fomos eu, Edson, Victor, Tácio e Paulinha) vimos estas formações (que são as mais pontiagudas de todo o parque) da estrada para Engenheiro Passos e ficamos bastante curiosos. São lindos, e esquecidos pela comunidade montanhista. Ninguém os visita, pesquisei por horas e de fato o único registro que encontrei online foi o do CEU. Sequer sei sobre a necessidade de equipos de escalada para chegar aos cumes, ficarei satisfeito apenas em poder fotografá-los.

Algumas pessoas me observam com olhares que, em certas ocasiões, transparecem precisamente o que pensam! Pode ser que eu esteja enganado, mas um homem de seus 40 ou 45 anos me olhou e pensou “Tem doido pra tudo mesmo”. Por que será que eu concordo plenamente?!
Blá blá bla, chega de enrolação, vou subir no ônibus e tentar dormir um pouco até meu destino…

Dia 1: Sábado, 29AGO2009.

Um amigo do Toninho Baiano me deixa na portaria do Parque as 05:55h da matina. Ainda é bem cedo, olho para o relógio da portaria e a temperatura marcada é de -0,7°C. Quando tiro a máquina para fotografar já havia subido um pouquinho, -0,4°C. Noto que há geada no mato e começo a fazer fotos. O campo de altitude a esquerda da estrada estava lindo, todo branco! Me ocupei fazendo fotos por um bom tempo, então chegou um carro com 2 amigos mineiros, e começamos a papear. Pediram-me informações sobre o AN e ajudei como pude. Dei também algumas dicas de outras montanhas e ficamos lá proseando até o guarda-parque chegar, quase sete da manhã.

Me registrei, papeei mais um pouco, deixei a mochila maior na portaria e entrei no parque as 07:10h. Logo no começo da caminhada vi bastante gelo no charco a direita, pareciam mini penitentes (risos), cristais de gelo com 3 a 5 cm de altura um ao lado do outro, formando uma verdadeira sinfonia branca reluzente! Fiz um vídeo, algumas fotos, voltei a andar.

Meu primeiro objetivo seria a montanha de 2.600 metros exatamente a frente do Abrigo Rebouças. Peguei a trilha pro Agulhas, entrei na bifurcação da extrema esquerda (a do meio segue para a Asa de Hermes) e depois de mais um tempo saí dela para fazer um ataque ao cume esquecido e imponente. Cheguei ao cume facilmente, meu suunto marcou 2.620 metros, ajustei para a altitude correta. Retornei a trilha principal rumo ao Altar, segundo objetivo do dia.

Fiquei curioso do motivo pelo qual várias montanhas no Parque Nacional do Itatiaia com mais de 2.500 metros nem sequer são nomeadas! Justiça seja feita para elas, meu objetivo é prestigiar estes cumes deixados de lado.

Meia hora depois e cheguei ao cume da Pedra do Altar e seus 2.665 metros. Suas paredes impressionam pela beleza, e a vista, tira o fôlego!

Fiz algumas fotos e pronto, não fiquei nem quinze minutos no cume, pensava quase que exclusivamente no próximo objetivo e mais complicado de todos, a Pedra do Sino de Itatiaia.

Do topo da Pedra do Altar é possível ver a Pedra do Sino claramente logo após a montanha sem nome (2.650 metros) que eu e o Edson subimos ano passado. Já cheguei ao parque sabendo que o único jeito é contornar esta montanha chegando então na base da pedra, iniciando o ataque pelas rampas.

Pois bem, o teimoso aqui resolveu traçar uma linha reta entre o Altar e o Sino e segui-la, uma travessia. Teoricamente funcionaria e me pouparia preciosas horas de caminhada. Lá fui eu. Desci do cume do Altar em linha reta pro Sino, observando que o trepa-pedra da montanha sem nome faz uma espécie de ponte entre as duas (Sem nome &lt,-&gt, Sino).

Desci todo o vale com 180 metros de profundidade e, cerca de 30 minutos após estava nas pedras da montanha sem nome. Se a travessia funcionasse, eu sequer precisaria chegar em seu cume. A ligação dela com a Pedra do Sino me deixaria já na metade da subida da montanha.

Cheguei no “V” de pedras que me daria visão ao outro lado do vale que separa as duas montanhas, passei, me adiantei um pouco e BUM: PAREDÃO. Que inesperado…Assim, resolvi ir mais lateralmente (sentido Asa de Hermes) para ver se o elo existia por lá. Várias dezenas de minutos depois e BUM: PAREDÃO. Mas que xxxxx!

Resolvi tentar mais uma vez. Observei atentamente e tinha quase certeza, do cume da montanha havia uma descida e fui, chegando assim ao terceiro cume do dia, a montanha de 2.650 metros, pela segunda vez, esta em plena tentativa de ataque a Pedra do Sino.

Comecei a descer por trás do cume, a Pedra do Sino praticamente piscava pra mim de tão próxima até que de repente: BUM: MAIS UM ABISMO!!!

Um é pouco, dois é bom, três é demais. Desisti. Minha decisão de tentar cortar caminho fazendo uma travessia foi completamente infeliz, gastei muita energia e durante a descida do vale rolei uns 5 ou 7 metros depois de pisar em falso. Decidi voltar para o outro objetivo do dia sem sucesso na Pedra do Sino (pelo menos agora tenho certeza do caminho), o Morro da Antena.

Esta viagem ao Itatiaia tem como objetivo montanhas esquecidas ou ignoradas certo? Ninguém sobe o morro da antena só porquê ele tem uma antena no topo e uma estrada que leva até lá. Aliás, é a estrada mais alta do país.

Qual foi a minha idéia? Subir a montanha como manda a conduta montanhista, mato a dentro. Da estrada do parque entrei no mato para um ataque meio que frontal. Quando estava no meio da montanha fui tendenciando para a esquerda e deu certo, em quarenta minutos cheguei ao cume do Morro da Antena, com 2.585 metros.

Aí já estava cansado, tanto sobe e desce no mesmo dia não é mole não. Uma pausa para fotos: Pensei que seria possível observar a Serrilha dos Cristais de lá, me enganei. Entretanto, a visão da Serra Fina é “animal!”, próprio Massena Noroeste e o Massena ficam bem mais atrativos vistos de lá de cima. Pausa também para o almoço: Uma lata de atum, suco de uva, dois prestígios e 4 ou 5 bananadas, vinte minutos depois e comecei a caminhada de descida, agora sim pela estrada.

Cheguei na portaria do parque as 14:30h! Super cedo pra tanta atividade. Me despedi dos guardas e comecei a descer pela trilha que corta caminho até quase o Alsene. Quando saí da trilha me dei conta que havia esquecido a mochila maior na portaria! Que banho de água fria…Comecei a subir de novo, já bem cansado e com o joelho doendo. O sol estava implacável e meu relógio marcava 32°C.

De volta a portaria peguei a mochila, e o guarda (que já me conhece faz tempo) me ofereceu carona de moto até o Alsene, nossa, que alívio! Em 3 minutos me deixou lá. Cansado, esfomeado, tratei de montar a barraca no mesmo bat-local, e colocar um risoto no fogo, precisava muito de um prato de comida!

Tudo pronto, alimentado, cochilei por meia hora. Acordei com meu vizinho (o único lá atrás) desmontando sua barraca. Não sei o que houve neste final de semana, o Alsene estava surpreendentemente vazio. Com a minha barraca eram somente 3 no camping inteiro! Depois da saída deste vizinho, fiquei completamente só lá no fundo.

O sol começou a se por então subi o Camelo, quinta montanha do dia, para fazer algumas fotos do pôr do sol, foram só umas cinco mas valeu! Fiquei lá por uns vinte minutos curtindo o frio bem fraco, depois voltei a minha barraca me ocupando em escrever este relato. As horas foram passando, voando, bateu um tédio, uma nostalgia…Acho que de vez em quando o ser humano precisa da presença de ser humano. O frio que foi bem forte na noite anterior decepcionou novamente, a mínima que registrei foi de 5°C positivos, sequer fechei meu saco. Foi um dia quente demais, queimei os lábios…de novo!

As 20:00h olhei para a lata de 850 gramas de feijoada swift e não resisti. Fogareiro trabalhando e dez minutos depois me deliciei com a lata inteira! Bebi suco de uva, e de sobremesa mais 2 prestígios. Este final de semana definitivamente fui uma formiga! Depois desta comilança toda, apaguei por volta de 21:00h.

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Sobre o autor

Parofes, Paulo Roberto Felipe Schmidt (In Memorian) era nascido no Rio, mas morava em São Paulo desde 2007, Historiador por formação. Praticava montanhismo há 8 anos e sua predileção é por montanhas nacionais e montanhas de altitude pouco visitadas, remotas e de difícil acesso. A maior experiência é em montanhas de 5000 metros a 6000 metros nos andes atacameños, norte do Chile, cuja ascensão é realizada por trekking de altitude. Dentre as conquistas pessoais se destaca a primeira escalada brasileira ao vulcão Aucanquilcha de 6.176 metros e a primeira escalada brasileira em solitário do vulcão ativo San Pedro de 6.145 metros, próximo a vila de Ollague. Também se destaca a escalada do vulcão Licancabur de 5.920 metros e vulcão Sairecabur de 6000 metros. Parofes nos deixou no dia 10 de maio de 2014.

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