Morro da Bandeira: Travessia Santo André – SBC

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Na busca de rolês de meio-período imediatamente descarto Mogi, Paranapiacaba ou picos fora de Sampa. Sobram então serrotes menores q, mais acanhados ou situados em áreas de conservação urbanóides, pouco interessam a quem frequenta, por exemplo, a Mantiqueira. Foi o q restou neste último domingão repleto de compromissos: nova visita ao Pq Municipal do Pedroso, em Santo André (SP). Como desconhecia seu setor norte, aproveitei pra palmilhar trilhas pendentes e realizar uma despretensiosa pernada “Sto André – SBC”, via “Morro da Bandeira”. Mas ao contrário do q parece a navegação aqui é fundamental: se desviar demais da rota, ao invés de cair numa grota, penhasco ou mata fechada, o risco aqui é dar no meio duma favela barra-pesada! Eis uma aventurinha adrenada na direção oposta ao Pico Bonilha, pto culminante do ABC, em plena “selva de pedra” paulistana.

O Pedroso e o Juquery sempre figuram como minhas primeiras opções qdo, literalmente, fico “sem opções”. Entenda-se por isso um domingo com tempo escasso devido a compromissos numa parte do período, como tb a falta de paciência pra deslocamentos maiores (Mogi ou Rio Gde da Serra), q tomam mais tempo ainda devido as maleditas baldeações do Paese. Pois bem, como fazia tempo q não voltava ao Pedroso resolvi neste ultimo domingo meter minha fuça novamente naquelas bandas. Afinal, minha última visitação havia deixado pendências bem claras no que se refere ao quadrante norte daquela interessante e pouco conhecida unidade de conservação de Sto André.

O dia irrompe meio incerto e envolto em brumas, mas assim q piso no asfalto da Estrada do Pedroso bem adiante da portaria do pque do mesmo nome, tive certeza q aquela manhã seria forrada de nebulosidade clara e fina garoa, sem risco algum de  negrume maior ou qq tipo de precipitação. Eram 8hrs e ao invés de adentrar na portaria oficial do Pque Municipal do Pedroso me pirulito pela entrada q leva em direção ao Jd Japonês. É, o tempo não tava mesmo a nosso favor desta vez pois olhando pra noroeste tinha contato visual parcial com o recorte silhuetado do Morro do Pedroso (ou da “1ª Estação”), envolto numa moldura opaca de fina nebulosidade. Visu do Morro da Torre, meu destino, muito menos então.

Cruzando a “Ponte da Amizade” e ignorando o belo pórtico oriental q dá acesso ao Jd Japonês, minha direção toca p/ oeste, sentido um campo de futebol visível do asfalto. No final, encontro a corrente q barra o acesso a uma precária e antiga via calçada, mas nada q um simples desvio ou salto não resolva. Esse é o caminho q nos levará á base do Morro da Torre, na verdade, uma antiga estrada q como boa parte das vias do pque, atualmente se encontra em desuso. Há atualmente varias mudas recém-plantadas logo no inicio da via, provavelmente espécimes nativas como garoba, aroeira, jerivá, araçá, ipê, fedegoso, ingá, jussara, pau-formiga, canafistula, dedadeleiro e até pau-brasil, entre tantas outras.

Uma vez na via, qual surpresa é constatar q ela ainda se mantém bem roçada e não oferece percalço algum de ser transitada! A diferença da minha penúltima visita, onde o mato e brejo alcançavam a altura dacanela, encontro o caminho totalmente limpo e destituído de td e qq obstáculo! Marcas de pneu sugerem recente ampliação das margens da vereda de modo a facilitar a vazão d’água. Dessa forma, agora os pés q palmilham este antigo calçamento de pedra ornado de lírios-do-brejo e marias-sem-vergonha, alternando poucos trechos enlameados e mata úmida, conseguem a façanha de se manter relativamente secos até o final do trajeto.

As 8:30hrs desemboco então na enorme clareira q outrora foi uma antiga olaria da qual hj restam somente vestígios de fundações concretadas. O tom a minha volta é do mais puro verde da mata, da qual sempre destoam os tons rosados das onipresentes quaresmeiras. O tempo infelizmente parece não colaborar em nada, pois tanto o Morro da Torre (a oeste), o Morro do Pedroso (ao norte) e até a Segunda Estação se encontram totalmente ocultos em espesso brumado. O som de água correndo fartamente nalgum pto a minha esquerda é constante. E não é pra menos, afinal estou no meio duma junção de vales, no centro daquele enorme anfiteatro natureba, onde td e qq vestígio do precioso liquido necessariamente é “afunilado” até ali.

Do descampado é preciso buscar a continuidade da trilha, q se encontra situada na extrema direita da clareira, discreta. Sempre na direção oeste. Mergulho então no frescor da floresta úmida, enxugando a vegetação q obstrui este inicio de caminho, mas q a principio torna a caminhada desimpedida de modo geral. Uma vez na vereda não tem mais erro, já q percebo q a picada foi muito bem roçada após a entrada. Em questão de poucos minutos surge uma bifurcação onde o sentido a tomar é o da direita, rumo noroeste e sempre subindo. 

E assim vou ganhando altitude aos poucos, em meio a espessa e densa mata, qdo a rota começa a desviar de leve pro norte, indo em direção pro selado q interliga o Morro do Pedroso ao Morro da Torre. A subida aperta mais pro final, alternando o terreno do chão em degraus de terra e um emaranhado de raizes, pra depois dar lugar a uma larga vala erodida repleta de limo e lisa feito sabão, onde os pés patinam mais duma vez. Neste último trecho, onde vou engolindo tds as teias de aranha do caminho, é possível perceber o corte vertical na encosta, corroborando a suspeita de estarmos palmilhando uma antiga estrada extrativista.

Uma vez no selado, as 8:45hrs, reparo q ele q não apenas interliga montanhas, mas tb divide propriedades. Uma decrépita cerca de arame farpado saindo pela esquerda confirma isso, já q o Morro da Torre é divisa natural do Pq Pedroso com São Bernardo do Campo. Aqui tb há duas trilhas q nascem do selado e tomam direção p/ quadrante norte, além duma discreta vereda q acompanha a cerca ao largo de td sua extensão, de onde deduzo q o ramo da direita vá de encontro ao alto do Morro do Pedroso. Pois bem, é agora q meto as caras pra “explorar” minuciosamente estas duas veredas avulsas, das quais apenas faço alguma idéia de onde devam terminar.

Tomo então a trilha da direita e sigo por ela, inicialmente perdendo altitude suavemente em meio a verde mata, sempre na direção norte. Alguns trechos mais íngremes surgem, mas no geral a descida é suave. O q chama a atenção aqui é q a trilha, a medida q avanço, fica cada vez mais estreita e menos nítida. Mas pra quem fareja bem picadas ela ta bem ai, so q com algum matinho invadindo o caminho, o q me obriga a agachar em mais duma ocasião. Ao dar numa baixada, salto um minúsculo filete d’água e prossigo chapinhando um trecho de muita lama, cercado de voçorocas de samambaias úmidas. Mas o som de latidos e até de veículos logo me da sinal de q não vai demorar pra sair da vereda. Dito e feito, as 9hrs a picada dá numa discreta clareira ao lado do Condomínio dos Manacás, ao lado do Morro da Cata Preta.

Em pouco tempo retorno então ao selado e tomo a outra picada, ou seja, a da esquerda. Esta picada, ao invés da outra, se mantém em nível e mostra-se bem mais batida q a anterior, sempre tocando pra noroeste. Mas não demora pra dar num entroncamento de trilhas, onde me mantenho na principal, deixando a outra pra depois. Não demora a começar a descer suavemente no q aparenta ser uma antiga estrada. E em coisa de 10min, percebo q a vereda termina no q acredito ser o interior, mais precisamente o estacionamento, do Condomínio Manacás! Torço pra ninguém me ver pois o risco é q achem q sou invasor, e me pirulito rapidamente dali.

Retrocedo ate o entroncamento e tomo a outra picada transversal, q desce bem nítida na direção sudoeste.Boas clareiras surgem ao longo de td trajeto e o q me impressiona é a ausência total de lixo em tds os caminhos daqui. A rota vai então perdendo altitude rapidamente ate desembocar numa rústica escadinha de madeira, cavada em degraus de terra, q me deixa no q parece ser os fundos duma vila, onde sou recebido por alguns patinhos curiosos. São 9:30hrs e pergunto prum rapaz onde estou e ele me diz ser a Vila João Ramalho. Indago da possibilidade de seguir pela cumieira da serra e acena positivamente. “É, segue pelo alto dos morros acompanhando as linhas de alta tensão q vc vai dar em São Bernardo!”, diz ele. “Só não cai muito pra esquerda q senão ce vai sair numa comunidade barra-pesada, a ´favela da Farinha´..”, avisa.

Retrocedi novamente até o selado principal pra então dar continuidade a pernada, pensando bem no q o rapaz tinha dito pra mim, e decidi empreender a pernada assim mesmo.Tomo então o rastro q basicamente acompanha o cercado, morro acima, tocando pra sudoeste.Ganho altura num piscar de olhos costurando a cerca ora dum lado ora doutro, conforme o caminho se mostra mais ou menos desimpedido de vegetação, embora algumas voçorocas de samambaias e touceiras de bambuzinhos insistam em se debruçar sobre o trajeto. Dessa forma, após beijar trocentas teias-de-aranha e enxugar vegetação q me deixa totalmente ensopado dos pés á cabeça, o mato diminui de tamanho pra finalmente emergir no aberto, onde os horizontes se ampliam.

O zunido eletrostático q envolve uma gde estrutura metálica nos dá as boas-vindas ao alto do Morro da Torre, onde chego por volta das 10hrs, com uma fina garoa fustigando meu rosto. Numa ampla clareira com vestígios de fogueira tenho um breve pit-stop p/ retomada de fôlego e alguns goles de água. Daqui observo td extensão esmeralda do Pq Pedroso, podendo conferir td trajeto desde o inicio, paisagem parcialmente encoberta pelo nevoeiro: a panorâmica  se estendendo desde a estrutura acinzentada das ruínas da “Segunda Estação” coroando um morrote, passando pelas clareiras visitadas, a vereda calçada, o Pq Japonês e td crista do morrote q abriga a “Primeira Estação”, por sua vez oculta por eucaliptos perfilados; e a oeste temos a crista abaulada dos morrotes q nos restam até alcançar o Bonilha, com seus picos encobertos, emergindo parcialmente dos demais, no final da cadeia. Mas no topo o q me chama mais a atenção q a paisagem em si é a presença de duas barracas montadas sob a torre! Presumindo q seus ocupantes ainda estejam dormindo, passo batido pelo lugar buscando não incomodar os campistas dorminhocos.

Pois bem, a partir daqui a navegação e puramente visual (mesmo q parcial devido ao tempo), não havendo dúvidas com relação a q rumo tomar. Passo então a acompanhar a crista abaulada serrana, sentido noroeste, seguindo tb os fios de alta tensão e a mesma cerca q nos guiava até então. A trilha ta bem batida, o terreno é abertamente descampado e qq capim mais alto é facilmente contornado. Ao cair na torre sgte q coroa o morrote na sequencia da crista, minha rota desvia pro sul (acompanhando sempre a cerca) enqto as torres de alta tensão se perdem indefinidamente pro norte. Daqui observo td crista do Bonilha delineando suas corcovas abauladas de norte a sul, culminando no Morro da Bandeira (meu destino) onde observo o q parecem ser crianças empinando pipas no alto.

Desço então uma suave crista a oeste, cruzo uma simpática florestinha, um marco coberto de musgo e logo estamos no fundo vale q coroa o selado interligando os morros. Uma clareira de acampamento e uma placa louvando Deus são sinais q fervorosos fieis não so batem cartão no Bonilha como tb pernoitam nos arredores. Um tronco com a inscrição “Deus é Fiel” corrobora esta assertiva. Reparo em novas e gdes clareiras q aqui antes inexistiam, sinal q a região é freqüentada por “campistas religiosos”. Bem, pelo menos são conscientes pq não há vestígio de lixo. O silencio então é quebrado pelo alto tom duma promoção de mercado sendo anunciada no Jd Vila Rica , q nos lembra q o quadrante norte é td dominado pela horizontalidade geométrica do ABC.

Ao subir novamente pro morro sgte caio num caminho maior, e assim a rota torna-se intuitiva pois daqui partem outras picadas menores noutras direções. De qq forma, é necessário tomar qq vereda q vá pro norte, mas inicialmente preciso subir o morro q piso. O tempo nublado claro se mantém constante mas com visibilidade suficiente do entorno pra garantir navegação segura e não as cegas. Claro q não me fio unicamente disso e consulto regularmente a bússola e um retalho impresso da carta topográfica necessário de Mauá q trago na mochila. E assim caio, as 10:30hrs, mais acima, na base de duas torres de alta tensão doutra linha q corre paralela á anterior. No alto do morro tenho uma bela vista de SBC q, mesmo parcialmente coberta, do capinzal dourado dançando ao vento contrastando com o cinza das construções logo abaixo, q parecem ser da Vila São Pedro, o Clube da Volks e a Favela da Biquinha.

É aqui q faço diferente q das outras ocasiões: ao invés de tocar pro sul sentido Bonilha me pirulito pro norte, sentido Morro da Bandeira. Não busco trilha nem nada, embora creio q fosse uma das veredas logo abaixo q fosse na mesma direção, e toco pelo pasto ralo sentido o outro morro, descendo suavemente sua encosta. Aqui reparo bem na declividade e constato q dá pra chegar ao outro morro sem trilha. Desço cuidadosamente ao selado q une as “montanhas” e caio num colo repleto de bananeiras, restos de pipas e balões. Dali simplesmente subo a encosta do morro sgte, galgando o pasto alto e as vezes me firmando no capinzal nos trechos mais íngremes, e num piscar de olhos me vejo rasgando um breve trecho de samambaias até dar no topo.

Uma vez no cume do Morro da Bandeira, as 11hrs, reparo q as crianças não estão mais e sim alguns cocorutos logo abaixo. Um mastro segura uma bandeira surrada q remexe na suave brisa, justificando o nome do morro. Daqui do alto q traço a continuidade da minha rota, embora ela não seja difícil de deduzir. Desco então sentido norte pelo pasto ralo indo de encontro os sgtes cocorutos serranos. Uma cena impressionante q lembra corcovas duma baleia flutuando num “mar de barracos”!  No último cocoruto observo de longe uma muvuquinha num campo de futebol q prefiro evitar, sempre relembrando do fato de ser proximidade da “Favela da Farinha” e, logo acima, a favela Alto de Boa Vista. Não é pra menos, pela imagem aérea observa-se claramente no entorno um tal de “Campo dos Drogados”, setor q devo evitar a qq custo. Pois bem, no segundo cocoruto já vou desviando pela encosta esquerda de pasto, descendo em direção ao bairro, logo abaixo. Há varias trilhas q levam nessa direção. Por precaução, lógico, escondo objetos de valor e guardo algum din-din na meia.

E assim, por volta das 11:30 hrs desemboco nos arredores da Vila São Pedro, onde desço uma rua bem íngreme, pintada e repleta de adereços verde-amarelos, até dar numa via maior. Terreno sussa e tranqüilo, onde respiro mais aliviado. Uffaaa! Lá, encosto no banco confortável dum boteco e tomo uma deliciosa gelada, onde me informo das conduções necessárias pra sair dali. O bairro lembra muito qq um da perifa carioca: casas amontoadas na encosta da morraria e igrejas evangélicas espalhadas em cada esquina! É mais fácil ver gente de terno, gravata e portando bíblia q de bermuda. Após molhar a goela, tomo um buso pra Ferrazópolis onde desço no Paço Municipal e baldeio novamente pra Sto André, onde tomo conduça final pra “paulicéia desvairada”.

De forma descompromissada e sem maior pretensão, concluo então mais uma aventurinha pelos arredores do Pq Municipal do Pedroso. E dentro do tempo previamente estipulado pois cheguei em casa a tempo de saldar os compromissos pendentes pela tarde. Em tempo, é possível refazer o roteiro acima no sentido inverso, apenas atentando a logística de transporte á entrada do caminho ao Morro da Bandeira, algo puramente intuitivo e visual. Durante o caminho é possível tb avistar varias (e discretas) ramificações no trajeto principal, q provavelmente são acessos aos bairros q cercam esta bela unidade de conservação. Mas sempre atentando pra evitar o setor nordeste, supostamente “barra pesada”. Pronto, fica a dica pruma mini-travessia “nervosa e adrenada” pra menos de meio-dia, com vista tão privilegiada qto diferenciada do alto do ABC.

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

1 comentário

  1. Relato muito legal. Eu estava vendo a vista da rua do google maps onde no final da estrada da cata preta aparece um estrada de terra batida e some na mata e pensando na possibilidade de passar por ali de bicicleta quando cheguei aqui.

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