Morro do Pedroso

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Nos idos dos anos 80, quem fosse pro Parque Natural do Pedroso, a apenas 26 minutos do cto de Santo André (SP), encantava-se com aquele teleférico q levava seus visitantes ao topo dum imponente morro forrado de Mata Atlântica. Coroado por uma bela estação e um deslumbrante belvedere, o Morro do Pedroso era até então roteiro habitual de quem morasse na região. Mas na década sgte o teleférico foi desativado e esquecido, o tempo passou e sua única via asfaltada de acesso foi engolida pela mata. Contudo, ainda existem poucos vestígios da mesma q, sob a forma duma precária trilha q demanda menos de hora pra ser vencida, ainda leva poucos andarilhos ao cume dum dos pontos mais altos do Grande ABC.

 

A dica foi soprada pelo Nando na semana passada, entre uma conversa e outra. Pois é, ele fora um dos tantos visitantes mencionados logo na introdução acima q, na época com tenra idade, era levado pelo seu progenitor ao alto do morro via teleférico, fazendo deste o programa dominical obrigatório familiar. Seu comentário a respeito (pra lá de saudosista e nostálgico, diga-se de passagem) bastou pra reavivar meu interesse pela região do Grande ABC, setor q sempre fiz pouco caso por julgá-lo urbano demais. Coletei infamações, algumas com o próprio Nando, e assim fui atrás da tal vereda remanescente aproveitando um domingo q dispunha de pouco tempo e não queria me deslocar p/ demasiado longe. Como não conheço lhufas da região em particular, aproveitei a deixa pra tomar vergonha na cara e começar, discretamente, a meter as caras nos arredores do quintal urbano da minha casa. 

Saindo mais tarde q de costume de casa, saltei as 7:30hrs na Estação Prefeito Celso Daniel – Sto André, da linha turquesa da CPTM. Bastou apenas atravessar a rua pra adentrar no Terminal Oeste de Sto André, e la me informar de coletivos em direção do Terminal Vila Luzita. No caso, são apenas duas linhas e q partem da plataforma B: o TR-101 e o TR-103. Mal cheguei e embarquei na segunda opção, e assim o busão rapidamente se pirulitou do centrão da cidade daquela manha de domingo acinzentado. A breve viagem pela Av. Perimetral Dom Pedro I foi embalada na cacofonia brega-forrozeira-musical dum radio ligado no talo pela própria motorista, sinal q poluição sonora não diz muito por aqui.

Mas o martírio aos tímpanos durou pouco, pois não deu nem 15min q já estavamos no Terminal Vila Luzita, situada na perifa sul da cidade. Como q coberto raramente do mato da boa sorte e da mesma forma anterior, bastou saltar do busão e adentrar na próxima condução ao meu destino, o Pq Natural Pedroso. Aqui as opções são ainda maiores pois são 6 as linhas q passam pela Estrada do Pedroso: AL 111, AL 112, AL 113, AL 114, AL 115 e AL 117. Nem lembro qual tomei, so sei q estava escrito meu destino na plaquinha dianteira e entrei no busão, aqui em integração com o outro terminal.

A viagem desta vez foi tão breve qto a anterior, mas o mais interessante foi a rapidez com q os tons acizentados e horizontais da cidade deram lugar repentinamente aos contornos abaulados de serras e morros verdejantes, lembrando q aqui estamos bem próximos da Represa Billings. Dito e feito, saltei as 8hrs na Estrada do Pedroso antes do acesso á Estrada do Montanhão e depois da entrada ao Recreio Borda do Campo. Na verdade não tem muito erro onde descer pq o Pq Pedroso é extenso e ele estará sempre á sua direita. Não tem como passar desapercebido.

O Parque Natural Pedroso é uma espécie de Pq Ibirapuera da galera de Sto André, com a diferença q aqui tem muito mais verde e em mais duma ocasião pensei em estar transitando pela Estrada do Taquarussu, aquela bucólica via de Paranapiacaba. A semelhança tem fundamento pois alem do Pedroso se situar relativamente próximo da vila inglesa e guardar, naturalmente, algumas características geograficas em comum, o odor inebriante de damas-da-noite e lírios-do-brejo invadindo as narinas reforçava essa impressão.

O Pq Natural Pedroso é uma Unidade de Conservação de Proteção Integral, tem uma superfície q equivale a 5 vezes a área do Pq do Ibirapuera, abriga importantes mananciais e detém um rico fragmento de Mata Atlântica. Ao largo do enorme lago q acompanha a Estrada do Pedroso é q se encontra td infra disponivel pro lazer dos visitantes, como campos de futebol, quadras poliesportivas, sanitários, churrasqueiras, ciclovia, playground e quiosques. Mal desembarquei do busão me impressionei com o tamanho do lugar, com o enorme lago refletindo o céu azul, e dos tons rosados das quaresmeiras destoando do verde predominante ao redor.

Despertou-me a atenção ter meu primeiro contato com vestígios da outrora maior atração dali. Mal saltei do busao me deparei com a marquise decrépita q servia de base pro antigo e saudoso teleférico. Sim, aquele q embalou a infância do Nando. Com quase 200m de altura da marquise até a Terceira Torre (situada no topo do Morro do Pedroso) e um quilômetro e meio de extensão, o equipamento foi sucateado e não foi reformado, infelizmente. A troca do cabeamento e maquinário, depende de parcerias com a iniciativa privada. Até lá, a estrutura do q sobrou apenas contribui pro aspecto de abandono do parque.

Pois bem, ao lado da portaria principal do parque há um acesso a um tal Jd Japonês, por sinal situado na base direita do Morro do Pedroso, q aqui se exibe elegantemente de oeste pra leste, na horizontal. Tomando a estradinha principal, evitamos seguir pro campo de futebol (oeste) e desviamos pra direita (norte), passando por 3 pequenos lagos e um pórtico. O Jd Japonês consiste numa pequena pracinha circular com motivos orientais, onde há varias placas celebrando o centenário da Imigração nipônica. Observando atentamente poderá ser vista uma picada mergulhando na mata pro norte. Existe até uma corrente enferrujada barrando a acesso, pois apenas pessoal autorizado pode adentrar por ali. A alegação é q a vegetação é densa e pessoas “normais” correm risco de se perder. Pois bem, essa era a antiga estrada q levava ao topo do Pedroso.

Mergulhamos então no frescor da mata as 8:30hrs, dando inicio á pernada pela trilha propriamente dita. O comecinho dela, cascalhada e de pedras, pode ter alguma sujeirinha ou “praticas religiosas”, eufemismo sutil pra “macumbas” e q são proibidas no parque. Mas logo a picada se vê livre de td e qq interferência humana e segue, em nível (pro norte), ladeando o morro em questão. Neste trecho a movimentação de veiculos será bem audível uma vez q a picada basicamente corre paralela á estrada, la fora. Mas a medida q seguimos em frente o som de motores fica  pra trás e dá lugar apenas ao marulhar dalgum pequeno córrego, a nossa direita.

O inicio da pernada é tranqüilo, mas não tardam a surgir os primeiros obstáculos sob a forma de mata tombada. Arvores e voçorocas deslizando da encosta serão uma constante neste comecinho de pernada, mas nada assim do outro mundo facil de desviar. A profusão de lírios-do-brejo impressiona e em mais duma ocasião parecem cobrir a vereda, nos obrigando a afastar verdadeiras touceiras com as mãos. Pelo fato de ser logo de manhã a mata encontra-se úmida e dessa forma vamos enxugando td ela no caminho. Surgem duas saídas q ignoramos, a primeira a esquerda e outra a direita, nos mantendo sempre na principal, q é facilmente discernível do resto.

Se ate então enxugávamos a mata da cintura pra cima, qdo a vereda começa a desviar pra noroeste a trilha parece passar por uma baixada de capim bem umedecida, e o chapinhar num verdadeiro brejo dilui de vez nossa esperança em manter os pés secos. O pântano some qdo a picada ameaça subir suavemente pra oeste, mas ai o brejo é substituído por um pequeno correguinho q faz da trilha sua via natural. Ali é possivel visualizar resquícios do chão concretado, de pedras pequeninas dispostas de forma homogênea; enqto noutros ele some por completo dando lugar a terra ou chão erodido. Ate então agua não é problema pq tem sempre algum filete dagua circulando a nossa direita, no mato.


Pois bem, após 20min nestas condições, desviando da mata caída, engolindo teias-de-aranha,  chapinhando vez ou outra e afastando lírios-do-brejo da frente, é preciso prestar bem atenção. Surgirá uma bifurcação bem discreta a nossa esquerda, enqto a picada segue pra oeste. Essa saída á esquerda pode passar desapercebida pois há mta mata  tombada sobre ela, mas pro olhar atento ela sera facilmente percebida. Aqui abandonamos a trilha pela qual vínhamos (q continua tocando pra oeste, menos nítida), em favor da tal saída a esquerda, q volta pra leste, fazendo um ziguezague na encosta dando inicio a subida propriamente dita.
Uma vez nela não tem mais erro, pois embora haja bastante vegetação buscando obstruir o caminho a principio, ele é bem limpo e desimpedido a maior parte do resto do percurso. Sempre subindo forte e acompanhando a encosta lateral da montanha, a rota muda pro sul pra finalmente tocar pra leste, direção q mantem ate o final. Nalguns trechos a picada estreita e noutros alarga, cada vez com menos mata sujando o caminho. E é nestes trechos q podemos observar o corte lateral obvio da antiga estrada. O calçamento sumiu e deu lugar a chão largo, batido e eventualmente liso feito sabão, o q redobra nossa atenção.

A subida termina e o resto da crista se dá num abaulado sobe-e-desce em meio a um simpático bosque. Uma claridade parece anunciar o quase cume, mas não sem antes uma ultima forte ascenção, onde a picada aparenta novamente ser engolida pela mata. Mas nada do outro mundo. E assim, as 9:30hrs emergimos no largo e enorme descampado forrado dum alto capinzal q caracteriza o topo do Pedroso. Não é nenhuma ruína pré-colombina nem tampouco vestígios duma pirâmide guatemalteca, mas me sinto igualmente o Indiana Jones ao sair da mata e tropeçar com resquícios de construções do século passado, abandonadas, coroando o alto daquele morrete. Dividindo uma ampla clareira, temos de um lado os escombros do antigo restaurante e do outro q restou da Terceira Estação; o primeiro se mantem quase q intacto, apenas apresentando uma parede derrubada, enqto do segundo sobra pouca coisa, embora fique a cargo da imaginação reviver mentalmente como deveria ter sido o apogeu daquele belo lugar a mais de duas décadas atrás. Algumas pixações e restos de fogueira completam o cenário local.

O visual realmente faz jus ao empenho e satisfação em chegar ate ali por trilha e, pq não, a tds aqueles q no passado realizaram o mesmo trajeto, só q pelo teleférico. Não foi a tóa q um belo belvedere e um restaurante foram construídos ali, pois a paisagem é recompensadora, embora predominatemente urbana e parcialmente barrada por eucaliptos q cresceram desde então: a oeste temos td a geometria difusa e homogênea de São Bernardo do Campo; ao norte temos a Vila Joao Ramalho, Jd Nova Cidade e a favela Cata Preta; a nordeste a desroganização arquitetônica das favelas Missionario e Toledano; a sudoeste vislumbramos principalmente uma parte do maciço do Pico Bonilha e, atrás, os recortes do Pq Selecta e, principalmente, td Ferrazópolis; a sudeste temos o Bairro Represa, o Jd Miami e o Recreio Borda do Campo; e ao sul finalmente temos o pouco de verde exuberante q destoa da horizontalidade cinza deste setor, ou seja, o contorno esmeralda e abaulado dos morros q integram o restante do Pq Pedroso. Contudo, com mto mais atenção podemos observar nitidamente os restos da Segunda Estação do teleférico encimadas na clareira no alto dum morrote menor, ao sul.

Um urubu se assusta com minha presença e plana pra longe dali, ao me ver perambulando pelo lugar, a 910m de altitude. Sim, é altura tímida pros chamados “padrões montanhisticos”, mas ainda assim não deixa de ser um programa urbanóide diferenciado vencer os menos de 200m de desnível q separam a rodovia do cume. Algo quase similar ao Morro do Nhangussú (Guarulhos), Ovo da Pata (Juquery), Morro do Saboó (São Roque) ou até o Pico do Jaraguá (SP), com o plus de se ter uma velha estação de teleférico desativada no cume, ao invés duma torre ou antena de retransmissão. E imerso em pensamentos q divagam sobre qq coisa num silencio quase sepulcral, belisco uma fruta enqto minha goela sorve td água q o cantil carrega.
Retorno pelo mesmo caminho, sem pressa, e estou de volta ao Jd Japonês em menos tempo q na ida, as 11hrs. Como ainda era cedo, me ocupo em bisbilhotar superficialmente mais algumas picadas “não oficiais” e deduzo q preciso la retornar noutra ocasião pra meter as caras no promissor (e pouco conhecido) setor noroeste do parque e, quem sabe, bolar uma travessia ate o maciço do Bonilha, o pto culminate de td ABC. Este setor é ignorado pela maioria e tem vias de acesso relativamente bem pisadas, sendo questão de tempo e determinação mais explorações. Isto pq em virtude do tamanho do lugar existem varias rotas de caçadores, alem de 9 trilhas mapeadas fora do alcance do gde publico, segundo o Semasa, órgão q cuida do parque.

Parto dali por volta das 13hrs refazendo o mesmo trajeto de bus ate a cidade, claro. Um farto almoço e alguns compromissos me aguardava em casa, mas não sem antes dar uma parada num boteco perto da estação e mandar uma gelada goela abaixo. Aliás, duas. Afinal, precisava comemorar minha primeira visita ao Pq Natural Pedroso, uma grata surpresa nas proximidades de Sampa. Uma mancha verde-escura quase na horizontal, encravada nas divisas entre São Bernardo do Campo, Mauá e Sto André, q funciona como barreira natureba q protege o frágil verde-claro  – com tons azuis, salpicado pelo tom rosado das quaresmeiras – do cinza opaco do avanço urbano. Uma jóia rara com varias possibilidades de caminhadas naturebas em pleno ABC, onde o Morro do Pedroso desponta apenas como uma delas, um programa curto que pode ser emendado com qq outro na região.

Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
http://jorgebeer.multiply.com/photos

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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