Movimento pró escalada no Rio de Janeiro

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Caros escaladores, apesar do tema ser a escalada no Rio de Janeiro, o mesmo pode valer para outras áreas e regiões do Brasil. O assunto presente refere-se à restrição de abertura de novas linhas de escalada em localidades do Rio de Janeiro, em especial, o Morro da Babilônia. As associações e agremiações de escaladores e montanhistas devem lutar para expandir a escalada, e não restringir, o que é um “tiro-no-pé”.

Neste exemplo cito a decisão política deliberada em 2002, que restringia a abertura de novas linhas de escalada em praticamente todo o Morro da Babilônia. No entanto, essa decisão carece de argumentos técnicos e tornou-se, nos dias de hoje, inconsistente por várias razões, explicadas adiante. Fica claro, por outro lado, que a maioria absoluta da comunidade escaladora é contra tal restrição, que aliás, legalmente não existe. A questão fundamental é que as linhas antigas são mal protegidas e por isso, muitas se encontram abandonadas. O reflexo é a aglomeração de muitas pessoas nas escaladas bem protegidas.

É extremamente difícil falar em ambiente rupestre natural em uma paisagem que foi muito modificada por ações antrópicas, vertentes inteiras de morros já foram destruídas. Por exemplo, somente da Face NW do Morro da Urca foi removida uma área de rocha com 150 m de comprimento por 40 m de altura (Figura 1). O Morro da Babilônia, por sua vez, já foi intensamente modificado (Figura 2), com muitas estruturas artificiais. Muitas outras montanhas e morros da Cidade passaram e passam por isso, como o Corcovado e o Cantagalo (Figura 3).

Figura 1 – Fase de desmonte do Morro da Viúva e do Morro da Urca em 1910 – Foto: Marc Ferrez.

Figura 2 – O Morro do Pasmado sendo desmontado e o Morro da Babilônia após a fase das grandes queimadas, em 1910 – Foto: Marc Ferrez.

Figura 3 – O Morro do Cantagalo, em Copacabana, com gigantescas estruturas de contenção de encosta causando grandes impactos. No entanto, os montanhistas ambientalistas leigos não fizeram nenhum pronunciamento público – Foto: Antonio Faria.

Em relação à violência urbana na Cidade do Rio de Janeiro, existem poucas áreas seguras para a prática da escalada, sendo a mais importante, ainda, o Complexo da Urca. Essa área ainda tem potencial para abrigar boas linhas de escalada, levando em consideração, obviamente, as áreas de ambiente rupestre natural. Porém,  boa parte da Face Norte do Morro da Babilônia, por exemplo, é um ambiente antropofizado, cuja parte da vegetação rupícula não é pertencente a flora local. São plantas exóticas que se expandem muito rápido, como a Pitaia e a Agave, usadas como plantas de jardim, além de várias outras espécies, conforme as Figuras 4 e 5. Existe ainda uma planta exótica a ser identificada que libera esporos ou pólen que causa grande irritação na superfície cutânea e que tomou conta do Complexo da Urca, além de morros de outras áreas, como Jacarepaguá. Também existem micro formigas que não eram vistas na região, mas que atualmente estão causando efeito semelhante.

Figura 4 – Agave, uma planta introduzida que já está tomando conta do Morro da Babilônia – Foto: Antonio Faria.

Voltando a flora rupícola, existem várias faixas de rocha exposta, sem vegetação e que comportam linhas de escalada.  Algumas de qualidade, inclusive para “campo-escola”, que é uma necessidade real, porque clubes, associações e instrutores individuais se amontoam com seus clientes na base mais próxima do Morro da Babilônia, causando situações de conflito. Cena comum nos finais de semana. Várias linhas clássicas são usadas para aulas práticas nos primeiros 30 metros, sendo muitas vezes bloqueados os 100 metros restantes dessas linhas para outros usuários. Todavia, existem, há décadas, lugares específicos para aulas práticas, mas que estão sendo subutilizados. Porém, outros campo-escolas podem ser abertos, inclusive no próprio Morro da Babilônia, mostrando mais uma vez a inconsistência de tal restrição de novas linhas.

A fase ambiental atual da cobertura rupícola é de desprendimento e desmoronamento, em virtude do crescimento acima do equilíbrio natural que contrasta com períodos de estiagem prolongada e períodos com chuvas acima da média. Inclusive, as plantas exóticas são as que mais crescem na Face Norte do Morro da Babilônia. No Morro da Urca e no Pão de Açúcar proliferam outras espécies exóticas diferentes, como o bambuzinho.

Figura 5 – Pitaia, planta exótica que se expande sobre todo o Morro da Babilônia – Foto: Antonio Faria.

Outra questão interessante, geralmente não levada em consideração pelos montanhistas ambientalistas leigos, é que é preciso combinar com os órgãos públicos que podem legalmente destruir grande parte de uma parede rochosa, com desmoronamentos propositais e construção de estruturas de contenção. Não é interessante a ambiguidade da natureza humana? Alguns poucos ambientalistas leigos e muito atuantes merecem respeito pelo trabalho que vem sendo feito, policiando esta e outras decisões, porém, carecem de direcionamentos precisos, tornando essa prática inibidora para a evolução da escalada. Justificam, por exemplo, que uma nova linha de escalada no Morro da Babilônia pode abrir “precedente perigoso”.  Perigoso em que sentido? Não existe NENHUM argumento técnico-científico que embase tal suposição. A tese do “mínimo impacto” é filosófica e extremamente contraditória, porque para ser realidade teria que extinguir toda a humanidade, inclusive os índios, porque a nossa própria existência é um impacto. Olhe dentro da sua casa, olhe o que você possui e o que você come e verá o tamanho da hipocrisia embutida na frase “mínimo impacto”, que é irmã da “politicamente correto”.

Considerando o que foi exposto aqui, não existe suporte técnico-científico e muito menos suporte LEGAL que “proíba” novas linhas no Morro da Babilônia, ou qualquer outro morro ou montanha da Cidade que não tenha cobertura de vegetação nativa.

Concluindo, não deveria existir divergências entre a comunidade escaladora neste sentido, pelo contrário. Porém, uma campanha de EDUCAÇÃO se faz necessário para corrigir alguns desvios éticos e comportamentais, ESTE É O ÚNICO PROBLEMA DA ESCALADA BRASILEIRA.

Em anexo seguem outras imagens esclarecedoras.

Muito obrigado por sua atenção.

Antonio Paulo Faria

Professor do Instituto de Geociências, UFRJ

Figura 6 – Setor Direita do Morro da Babilônia, com um dos melhores potenciais de escalada da Urca, porém, invadida por plantas exóticas que caem em placas devido ao crescimento excessivo. Na área do quadro amarelo existem duas linhas de alto nível técnico, incluindo um teto de 6 m relativamente fácil, porém, esquecidos. Abaixo, tem 4 linhas fáceis, perfeitas para aulas para iniciantes, e foi onde o autor aprendeu a escalar em 1981 – Foto: Antonio Faria.

Figura 7 – Lado Esquerdo do Morro da Babilônia, Setor Ácidos. Tomado por Agaves, Pitaia e muitas outras espécies exóticas – Foto: Antonio Faria.

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Sobre o autor

Antonio Paulo escala há tanto tempo que parece que já nasceu escalando... 30 anos. Até o presente, abriu mais de 200 vias no Brasil e em alguns outros países. Ele gosta de escalar de tudo: blocos, vias esportivas, vias longas em montanhas, vias alpinas... Mas não gosta de artificiais, segundo ele "me parecem mais engenharia que escalar propriamente". Além disso, ele também gosta de esquiar, principalmente esqui alpino no qual pratica desde 1996. A escalada influenciou tanto sua minha vida que resolveu estudar geografia e geologia. Antonio Paulo se tornou doutor em 1996 e ensina em universidades desde 1992. Ele escreveu sobre escalada para muitas revistas nacionais e internacionais, capítulos de livros e inclusive um livro. Ou seja, ele vive a escalada.

10 Comentários

  1. Fala como se só ele tivesse razão… Conquistou uma linha desnecessária num local já saturado. Está usando o ataque como linha de defesa… Lamentável…

    • Antonio Paulo Faria em

      Desnecessária? Se me encherem o saco desmonto todas as minhas vias chapeletadas desnecessárias da Cidade, mais de 50, na Barra, Pico da Tijuca, Platô da Lagoa, Pão de Açúcar, Ácidos etc. e vou mandar milhares de pessoas irem reclamar com esse tal Leandro. Estou muito perto de fazer isso. Com exceção da última linha no Babilônia, essa linha vai ficar! Falo sério.

      • “Linha desnecessária”
        “Local saturado”
        Dois argumentos genéricos utilizados quando nao se tem como criticar.

        A via é linda e essa “”proibição” autoritária, seletiva e sem argumentos técnicos. Parabens Antonio, por favor, deixe tudo equipado! Quem nao quiser, nao escala, simples.

  2. Tem meu inteiro apoio Paulo, estamos vivendo onde meia dúzia acha que manda no esporte sem imbasamentos técnicos. E claro que não podemos conquistar uma via a dois metros da outra, mas tem muito espaço ali para novas vias sim. E quanto ao detalhe de ficarem usando as principais vias como campo escola e um total desrespeito a quem quer ir lá escalar, a fazem isto nas vias com maior visibilidade para aumentarem suas propagandas. Hoje se levamos gente pra começar a treinar escalar e fazer um rapel na Urca, e preciso senha para usar a parede. Já vi até um imbecil fantasiado de homem aranha para atrair clientes infantis. Lá não é proibido o comércio? Cadê as pessoas para combater e reclamar isto? Cadê todo mundo pra no mínimo tentar se fazer algo para se diminuir o número de acidentes na gavea ? Tem que haver uma discussão sim sobre o rumo do nosso falido esporte.

  3. Tem meu inteiro apoio Paulo, estamos vivendo onde meia dúzia acha que manda no esporte sem imbasamentos técnicos. E claro que não podemos conquistar uma via a dois metros da outra, mas tem muito espaço ali para novas vias sim. E quanto ao detalhe de ficarem usando as principais vias como campo escola e um total desrespeito a quem quer ir lá escalar, a fazem isto nas vias com maior visibilidade para aumentarem suas propagandas. Hoje se levamos gente pra começar a treinar escalar e fazer um rapel na Urca, e preciso senha para usar a parede. Já vi até um imbecil fantasiado de homem aranha para atrair clientes infantis. Lá não é proibido o comércio? Cadê as pessoas para combater e reclamar isto? Cadê todo mundo pra no mínimo tentar se fazer algo para se diminuir o número de acidentes na gavea ? Tem que haver uma discussão sim sobre o rumo do nosso falido esporte.

  4. marco aurelio passos louzada em

    Respeitosamente gostaria de me manifestar.
    Sou Biologo e igualmente servidor federal, porem no IFRJ.
    Vejo que ha foco no que seria um “tiro-no-pé” na questão da restrição da abertura de novas vias. A restrição que quero focar diz respeito a presença da chamada vegetação rupestre (a vegetação que cresce naturalmente sobre o paredão). O colega questiona que a vegetação no Babilônia está degradada e que seria dominada por espécies exóticas, mas essa não é exatamente a verdade. Há um equivoco na identificação de espécimes ilustrados na manifestação como sendo exóticas. Onde é citada a espécie exótica Pitaia (ou Pitaya) como sendo o cacto que consta na Figura 5, comete-se um engano. A espécie na foto, ao meu ver, pertence ao gênero Rhipsalis, planta nativa e frequente na região da Urca, em diversos paredões, por exemplo. O problema das espécies exóticas é real, mas não nesse caso. A presença do agave demanda sim atenção do poder público para evitar que haja o comprometimento do equilíbrio ecológico, mas não temos o predomínio do agave sobre a vegetação nativa. Seria necessário um projeto para controle da população de agaves.
    A vegetação observada nos paredões é composta por muitas espécies adaptadas a situações extremas (ausência ou praticamente ausência de solo, com pouca disponibilidade de água, calor, alta radiação, sem falar que temos também em vários casos o efeito gravitacional). Estas espécies vegetais fazem parte de uma teia alimentar onde temos insetos, aranhas, anfíbios, répteis, aves e morcegos que delas se alimentam ou nelas se alimentam das outras formas de vida. Entre as espécies da flora presentes nesse ambiente, temos as endêmicas que representam um grupo com ocorrência muito restrita. São espécies que estão restritas a esses locais que são sensíveis a perturbações e que possuem uma lenta recuperação. Venho estudando a via desativada pela Justiça Federal chamada Ursinho de Pelúcia, que data da década de 90, e sua vegetação ainda está se recuperando, mesmo estando sem uso ha quase 10 anos. Apenas a fim de ilustrar em 4 anos de monitoramento registrei a floração da orquídea Bifrenaria harrisoniae duas únicas vezes. Ou seja, uma população sensível. Hoje, com um olhar atento, pode-se ver que existem bromélias estabelecidas na via, porém ainda muito longe se parecer ao que pode ser observado nas áreas vizinhas que reúnem mais de 15 espécies distintas. Lembrando ainda que adaptação está relacionada a genes, muitas dessas plantas ainda precisam ser investigadas, pois podem conter moléculas que podem servir de base ou elas mesmas serem exploradas para fins médicos ou ate, quem sabe, de novas substâncias para uso humano. Quanto ao “desprendimento e desmoronamento, em virtude do crescimento acima do equilíbrio natural que contrasta com períodos de estiagem prolongada e períodos com chuvas acima da média”. Aqui temos a referência a um fenômeno que faz parte do funcionamento natural do ecossistema que portanto é parte do equilíbrio natural. O ecossistema se caracteriza por possuir um equilíbrio dinâmico, onde esse processo é esperado.
    Outro aspecto que vale lembrar, o Morro da Babilônia está na zona de ocorrência original do bioma Mata Atlântica, tal como definido pelo IBGE em 2004 e incorporado na legislação ambiental (LEI Nº 11.428, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2006. E DECRETO Nº 6.660, DE 21 DE NOVEMBRO DE 2008.). Esse bioma é reconhecido mundialmente como possuidor de elevada degradação, mas ao mesmo tempo é possuidor de grande riqueza de espécies que em grande parte são desconhecidas pela população de um modo geral. Desta forma a vegetação natural em questão faz parte da Mata Atlântica que é um dos hotspot de biodiversidade* do mundo! Ela pode estar perturbada com a presença de exóticas, mas demanda atenção e não ser degradada mais. Nesse ponto entra em cena a Constituição Federal vigente que estabelece que este bioma é patrimônio nacional, ou seja, de todos, tanto das presentes quanto das futuras gerações. Poderia ainda dizer que igualmente pertence a tanto a escaladores como a não-escaladores. Além desse status de proteção, o Morro da Babilônia está inserido no Parque Natural Municipal (PNM) Paisagem Carioca. Parques permitem uso, mas demandam regras de uso. Quanto a citação das obras de contenção do Cantagalo, creio que seria uma questão de segurança da população quanto ao risco de queda de pedras ou blocos e após o termino das obras é muito provável que a vegetação nativa remanescente volte a colonizar as áreas liberadas e que ficam livres de perturbações.

    *Estamos na Década da Biodiversidade, estabelecida pela ONU.

    • Prezados, sou gestor das Unidades de Conservação onde as áreas citadas nesta publicação estão inseridas: MoNa Pão de Açúcar e PNM Paisagem Carioca

      Apesar de Biólogo, que naturalmente possui uma visão conservacionista, entendo a importância do esporte e isso ficou mais claro para mim, quando participei de um CBM, a convite do CERJ. Mas como o Marco Aurélio bem explicou no seu comentário, essas áreas são unidades de conservação, que tem por objetivo principal a preservação e proteção da sua biodiversidade e de suas paisagens naturais. A Mata Atlântica, bioma que integra essas 2 unidades, é um dos mais ameaçados do mundo, exatamente pela expansão urbana desordenada.

      O argumento de que muitas das áreas naturais foram alteradas no passado (na época da “ignorância”) – quando não havia o conhecimento que temos hoje sobre as consequências que essas intervenções causariam tanto no tocante aos impactos ambientais, da paisagem, dentre outros – não legitima ou justifica a repetição essas práticas obsoletas.

      Na época da ignorância, os Morros do Pão de Açúcar e da Urca eram utilizados como outdoor de propagandas da Goodyear, Coca-cola etc. Por isso vamos ser a favor da projeção que a Disney fez a pouco tempo lá na Face oeste do Pão de Açúcar?

      Na época da ignorância, espécies exóticas eram utilizadas em reflorestamentos, e hoje se tornaram um grande problema nessas áreas. Continuaremos a utilizá-las?

      Não considero a Escalada como meramente um esporte, é muito mais que isso. Considero como um importante movimento e instrumento para a conservação dessas áreas. Por isso entendo que essa recomendação da FEMERJ é fundamental para mobilizar não só a comunidade da Escalada, mas também outros setores da sociedade na defesa das nossas áreas naturais, mostrando para todos que os interesses coletivos estão acima dos de uma categoria ou de parte dela.

  5. Com grande satisfação venho iformar que no morro da Babilônia tem espaço pra brir muitas vias de escalada . Me refiro ao lado esquerdo do shopping Rio Sul onde tem um paredão de aproximadamente 150 m nesta área escalaores não frequentam , não tem via e não causa nenhum impacto ambiental . Pra limitarem uma area pra abertura de via de escalada deveriam conhecer a sua totalidade . A face norte do Pão de Açúcar esta permitido conquistar via . Acredito que a ética da escalada esta n consciência de cada escalador consciente que juntos podem mover esta ação de conscientização e nao necessariamente um limitado grupo . . .

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