Niclevicz relata como foi o ataque ao cume do Makalu

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Em um texto emocionado, o alpinista brasileiro Waldemar Niclevicz relata com detalhes o ataque ao cume do Makalu, sua sétima montanha com mais de 8 mil metros. Confira!


Um drama está se sucedendo nas altitudes
superiores, enquanto nós que já estamos no refugio do acampamento-base,
tentamos nos alegrar com a sofrida conquista do Makalu, um colosso de
8.463m de altitude, próximo ao Everest, que nos custou dois anos para
ser superado.

Eu e Irivan Gustavo Burda, querido amigo também de
Curitiba, chegamos no alto do Makalu às 11:05hs do dia 11 de maio,
domingo. Eu havia partido exatamente à 1 da madrugada, de uma barraca
que se equilibrava entre um abismo e um paredão de gelo, que montamos a
7.900m de altitude.

Mal desapareço atrás de um gigantesco bloco de gelo, Irivan, que estava
a ponto de fechar a porta da barraca, é surpreendido pelo alemão Ralf
Dujomovits, veterano do Himalaia que já havia escalado 12 das 14
montanhas do mundo com mais de oito mil metros de altitude. Ralf
reclamava do frio, pede para entrar em nossa barraca para descansar.
Sem perceber, sigo solitário rumo às alturas me concentrando na encosta
congelada, mas depois de uma hora começo a visualizar algumas luzes
abaixo, 7 ou 8 fachos de lanterna que me seguem, cortando uma noite
estrelada. Que satisfação eu estava sentindo!

Ao cruzar a
barreira dos 8 mil metros, encontrei um trecho menos vertical e resolvi
esperar pelo Irivan, passou por mim um sherpa de um casal de franceses
que desistiu do ataque final logo no início, então o veterano Carlos
Soria e seu sherpa, e logo meu amigo Irivan, a quem realmente eu
depositava todas as minhas preocupações: eram 2:30 da madrugada,
estávamos bem, tudo ótimo!

Deixamos o alto daquele trecho vertical seguindo para à esquerda, rumo
a base do Corredor Francês, trecho chave da escalada. Começou
lentamente a amanhecer, e este espetáculo a 8 mil metros é uma das
maravilhas da natureza! Paramos para tomar um gole de chá quente,
espantando o frio de 30 graus negativos. Nos ultrapassou o italiano
Gianpaolo, não se dando conta que sua companheira Cristina ficou para
trás, reclamando do frio. Ainda estávamos na sombra, dentro do
corredor, mais abaixo, ao sol, víamos o alemão Ralf descansando ao sol,
junto com o equatoriano Santiago.

Cristina não se desgrudava de
nós, reclamando do frio, gaguejando, tremendo, praticamente não tendo o
controle dos movimentos. Tentamos convencê-la a descer, mas ela
insistia em nos acompanhar. Demos a ela uma “ducha” de oxigênio, ela se
reanimou um pouco, logo começou a tremer novamente, e assim seguiram-se
quase uma hora, até que o sol nos tocou. “Nós vamos continuar, mas você
fique aqui uns 15 minutos até se esquentar um pouco”, eu disse. Ela não
gostou da idéia, mas acabou consentindo.

Continuamos subindo, o “corredor” havia se transformado em uma encosta
inclinada de grandes blocos de pedra, 3º a 4º grau de escalada em rocha
(escala brasileira), uma subida que parecia interminável rumo a crista
do cume, aonde, enfim, pisamos lá pelas 8:30 da manhã. Estávamos quase
lá, faltavam ainda cerca de 150m de altura, mas já nos sentíamos no
céu, uma paisagem grandiosa nos rodeava, um denso mar de nuvens lá
pelos 7.000m, o Everest (8.848m) e o Lhotse (8.501m) se despontando bem
ao nosso lado (só 20Km!) do lado oposto o Kangchenjunga (8.598m) (a
cerca de 90Km).

Até o ante-cume ou “cume falso”, nos
equilibramos na frágil crista como se estivéssemos em uma corda bamba,
observando aqueles que nos haviam ultrapassado na subida e já estavam
de volta, todos felizes, mas nenhum deles mais do que o espanhol Carlos
Soria, tendo escalado o seu 8º Oito Mil com, pasmem todos vocês, 69
anos!!! Belo exemplo para todo “velhinho” e para muito marmanjo!!!

Subir
o ante-cume foi difícil, uns 15 metros de altura, cerca de 80º em gelo,
lá do alto vislumbramos o cume principal, cerca de uns 60 metros a
nossa frente! Depois de uma descida de uns 5m, novamente estávamos nos
equilibrando em uma crista tão fina quanto o fio de uma navalha,
qualquer escorregão seria fatal, e, metro a metro, controlando a
emoção, chegamos no alto dos 8.463m de altitude, um lugar que jamais um
brasileiro havia estado antes, o cume do Makalu, a 5ª maior montanha do
mundo!!!

Eu e o Irivan estávamos completamente emocionados, o maior motivo, sem
dúvida, era, após o fracasso do ano passado, não termos perdido a
esperança de realizar este grande sonho! Agora vê-lo realizado nos
enche do orgulho! Agradecemos a Santher, a Omni Fianceira e a
AirFrance, por toda a confiança, e também especialmente a você pela sua
torcida!

O Makalu é o meu 7º Oito Mil conquistado, o cume é uma
agulha de neve, impossível ficar de pé sobre ele!!! Eu e o Irivan mal
havíamos secado nossas lágrimas e logo a italiana Cristina e o
equatoriano Santiago se juntaram a nós, desajeitadamente, em razão do
espaço reduzido, tiramos algumas fotos e logo começamos a descer.
Encontramos no ante-cume o alemão Ralf, muito cansado, lhe desejamos
boa sorte, descemos o delicado ante-cume e nos preparamos
psicologicamente para desescalar o “corredor” o lugar da escalada mais
perigoso que eu achei. Ali eu e o Irivan tivemos que ajudar a Cristina
várias vezes. Santiago também estava muito mal, mas quem o ajudou foi o
Ralf que o alcançou na descida.

É preciso ter muito cuidado na
descida, quando muitos acidentes acontecem, em razão do cansaço
acumulado e a longa exposição ao ar rarefeito, principalmente em uma
montanha como o Makalu, muito grande, com trechos complexos de
escaladas e distâncias imensas a serem percorridas na parte superior.
Foi então um alívio voltar ao local do nosso acampamento 3 (7.900m) e
encontrar o nosso sherpa Pemba nos esperando. Sem perder tempo,
desmontamos a barraca e seguimos descendo, cruzando até os 7.800m a
grande e instável barreira de seracs (gigantescos blocos de gelo) –
ponto alcançado por mim e Irivan o ano passado.

Irivan e eu
Descemos até o Makalu La, local do nosso acampamento 2 (7.400m), aonde
chegamos as 20:00, já de noite, para um merecido descanso. Santiago,
Ralf, Carlos Soria, e Hernan (que havia desistido da primeira
investida), todos da nossa equipe, passaram a noite a 7.600m, local que
escolheram para o acampamento “3”.

A noite foi longa, fria, com
uma leve nevasca. Tão logo amanheceu o dia retomamos a descida até o
acampamento-base, aonde também chegamos sob uma leve nevasca. Neste dia
12 Hernan fez uma outra investida ao cume com sucesso, acompanhando um
espanhol. Ralf chegou no acampamento-base muito tarde, às 21 horas,
exausto.

Carlos Soria chegou hoje, dia 13, ao acampamento-base,
por volta das 14 horas, ao mesmo tempo que ficamos sabendo (via
telefone por satélite), que Santiago ainda se encontrava na barraca que
dividia com Hernan a 7.600m, vítima de um edema cerebral! Tomamos todas
as providências possíveis, e neste momento Santiago já está recebendo
medicamentos e oxigênio artificial, dois sherpas estão subindo para
amanhã de manhã ajudarem a descê-lo do Makalu La (7.400m) ao
acampamento-base (5.700m).

Mais uma vez quero agradecer a todos
pela torcida, especialmente aos amigos da Omni Financeira, Santher e
Air France. Graças a nossa parceria, juntos fomos mais alto!

Um grande e sincero abraço a todos, até a volta ao nosso Amado Brasil,

Waldemar Niclevicz

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Sobre o autor

Texto publicado pela própria redação do Portal.

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