No Ar rarefeito. Boulder em Villa Alota, Uyuni, Bolívia

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Frio, ar rarefeito, rochas quebradiças e muitos blocos esperando para serem conquistados, foi este o projeto que engavetei em 2006 quando passava por Villa Alota em direção ao Atacama (Chile).

Nos anos seguintes estive na Bolívia inúmeras vezes para alta montanha, não perdendo uma temporada.  Huayna Potosi (6.088MT), Illimani (6.462MT), Nevado Sajama (6.542MT), Parinacota (6.348MT), Pequeño Alpamayo (5370MT) e outros entraram para minha lista de projetos concluídos, o que não falta por lá são montanhas com mais de 5000MT. Para os amantes das altas montanhas, a Cordilheira Real e seus vizinhos tão grandes quanto são o paraíso do custo X benefício, não tão longe do Brasil e nem tão caras quanto às montanhas do velho mundo.  

 
Com o pensamento sempre voltado para os cumes nevados, nunca estive no altiplano para escalar em rocha, até o projeto sair da gaveta em uma conversa com Alexandre Trindade. Enquanto escalávamos em Fontainebleau em agosto do ano passado, comentei sobre alguns blocos que havia fotografado em 2006 perto de Uyuni, suas possibilidades e a ideia de voltar para curtir os blocos a mais de 4000MT germinava.
 
Logo que cheguei de Arenales, no fim de fevereiro, coloquei o projeto na bancada e comecei a trabalhar nele, faltava parceiro para ideia, já que Trindade estava com sérios problemas após seu acidente na Urca, este que o deixara um ano sem escalar. A logística não seria fácil, o gasto não seria pequeno e o desgaste X benefício não seria nada recompensador. Porém, a “conquista” seria o pagamento para tanto sacrifício. 
 
Maluco, doido ou irresponsável, segui com o projeto, mesmo com poucos apoios, visto que todos os parceiros que poderiam comprar a briga estariam indisponíveis por estudo ou trabalho, não queria voltar a La Paz para fazer alta montanha, este ano seria Villa Alota e meu roteiro. Para este projeto, só pude contar com a ajuda da patroa, Catiane de Marco. Apoiando o que chamavam de esquisitice, deixou o sol e a praia do Rio de Janeiro e mesmo não sendo escaladora entrou de cabeça no projeto, comprometendo suas férias no frio e árido altiplano boliviano.
 
Villa Alota se encontra à 3hs de carro de Uyuni, Departamento de Potosí, 11hs de ônibus saindo de La Paz. Uyuni é mundialmente conhecido por seu deserto de sal, o Salar de Uyuni, que é a maior planície salgada do mundo com 12.000 km² de área, ou seja, é maior que o lago Titicaca, situado na fronteira entre o Peru e a Bolívia e que apresenta aproximadamente 8.300 km². Diariamente inúmeras empresas de ônibus saem de La Paz para Uyuni lotados de turistas que buscam as belezas naturais da região, mas Alota não esta neste roteiro.
 
Cheguei a Villa Alota em 2006 por acaso, já que a rota de turistas em direção a Laguna Colorada estava interditada e nosso motorista tomou Alota como ponto de descanso antes de seguir viagem. Pedi que parasse para fotografar os blocos que via à beira da estrada, o grupo que estava comigo concordou e passamos alguns minutos caminhando entre o labirinto de rochas avermelhadas, assim ficou o registro e alguns ensaios de Boulder na rocha.
 
Villa Alota não mudou nada, quando cheguei ao povoado estava idêntico às fotos passadas, as mesmas ruas desertas e as mesmas poucas pessoas, o mundo parece parado no povoado. As temperaturas nos meses de inverno variam entre 05 e 11 graus durante dia e passam dos -15 graus à noite. A altitude (3800MT) e a falta de umidade (2% a 3%) transformam as noites quase impossíveis de dormir e recuperar o corpo depois de um dia escalada nos blocos, o deserto cobra caro de quem se aventura por suas paisagens. 
 
Os blocos começam a aparecer após 15 minutos de carro saindo do povoado pela estrada que segue íngreme para as lagunas (não confundir com Vale das Rochas!). Os blocos estão bem à beira da estrada e estão divididos por setores quase de forma natural.
 
Em 2010 a revista Climbing
(http://www.climbing.com/exclusive/features/thesearch251/index7.html) registrou algumas tentativas nos blocos de Alota, talvez o único registro de escalada esportiva (Boulder) na web, mas não deixa claro o setor escolhido, já que são infindáveis.
 
Conversei muito com guias e moradores da região e não tive resposta de escaladores por lá, nunca tinham visto um crash-pad ou sapatilhas de escalada, muito menos magnésio, explicar que este não ajuda a colar as mãos na rocha é um pouco tenso em espanhol, mas com carinho se consegue explicar um pouco sobre a proposta do esporte.
 
Foram cinco dias de trip pelo altiplano, escalando em dois setores bem legais com blocos altos e de boa qualidade, a falta de ar e a não recuperação dos dias já na altitude são recompensados com a paisagem única e com cada conquista que sai do caderninho.
 
Dos dias que estivemos lá, os projetos concluídos no setor El Chavo del Ocho foram: La Chilindrina 6b+, Jaiminho 6b, Maestro Girafales 7a+, Doña Florinda ???, Godínez 5+, Ñoño 4º, Don Ramón Valdez 7c+ e Señor Barriga 5+ (Ver croquis!), outros blocos foram escalados no Setor Guacamole (Atrás do setor El Chavo) , mas preferi não catalogar pelo grau baixo e para preserva a rocha, já que muitos blocos parecem confiáveis mais que no meio da via, quase dois metros do chão, a rocha se torna arenosa e muito quebradiça, não valendo a destruição do bloco para repetição da via.
 
Neste lugar pesa muito a consciência do escalador, blocos em formatos de arvores e animais com rocha suspeita devem ser evitados, vale muito mais o visual do que o mero prazer de subir o bloco, não falta possibilidade para conquista, então evite!
 
Uma verdade para entrar nos blocos a vista, é a formação de liguem na rocha, as manchas verdes geralmente estão onde as agarras são boas e confiáveis, evite as rochas em tom de amarelo claro, pode parecer bobagem, mas a alguns metros do chão, essa dica faz a diferença.
 
A logística que usei para o projeto foi simples e talvez possa ajudar quem queira se aventurar por Alota. Saímos de La Paz de ônibus de turismo até Uyuni, alugamos um 4×4 com motorista a nossa disposição para todos os dias da trip, contratamos uma cozinheira que providenciou toda nossa alimentação ao longo dos cinco dias (Café da manha, almoço e jantar) e dormimos em abrigo de montanha em camas confortáveis, na medida do possível. Esta estratégia foi perfeita para escalar até não poder mais, isso nos garantia uma media de 6hs de diversão diária nos blocos, isso porque às 15hs o vento frio expulsa quem estiver por lá, jogando a temperatura no chão.
 
Toda organização pode ser feita por conta própria chegando a La Paz, aproveite os dias para aclimatar antes de seguir para Uyuni. Se quiser aproveitar os dias livres de aclimatação com visitas às ruinas de Tiwanaku, Chacaltaya ou passeios de bicicleta e já chegar à Bolívia com tudo na agulha, segue a dica do caminho das pedras: Azimute.
 
Para esta trip contei mais uma vez com a ajuda de meu antigo professor de Alta Montanha Juan Villarroel, ele e sua agencia Azimute Explorer montaram a logística para este projeto, 0 erro em todo processo, só cheguei para escalar!
 
Escalar em Villa Alota requer paciência e muita dedicação. Se ainda assim quiser se passar por louco na alfândega por andar com um colchão nas costas e não se importar de ter seus músculos rasgados pela altitude e frio, Alota é um lugar para arriscar um pedacinho de suas férias.
 
Força sempre e boas escaladas!
 
Atila Barros
Fotos: Catiane DeMarco
Patrocínio: Up! Climbing e Azimute Explorer
 
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Sobre o autor

Atila Barros nasceu no Rio de Janeiro, e vive em Minas Gerais, cidade que adotou como sua casa. Escalador (Montanhista) há 12 anos, é apaixonado pelo esporte outdoor. Ele mantem o portal Rocha e Gelo (www.montanha.bio.br)

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