Nossas Serras (9/25): Maracaju

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Se você prosseguir rumo sul a partir da Serra do Caiapó, assunto da coluna anterior, chegará ao limite norte da Serra de Maracaju, também ela de origem sedimentar e inserida em regiões de muito gado, muito grão, muito arenito e muito calor.

A Serra de Maracaju corre num sentido quase exatamente norte-sul, apenas com um leve desvio para leste. Ao longo de seu considerável tamanho de 650 km, vai desde o Paraguai ao sul até próximo à Chapada dos Guimarães ao norte, já no Estado vizinho de MT. Dizem outros que só avança até o norte de Campo Grande, o que me parece estranho dado seu traçado contínuo.

Localização da Serra de Maracaju (Fonte: pt.slideshare.net)

Na realidade, a Serra de Maracaju divide o Estado em duas metades: o planalto agrícola a leste e a planície pantaneira a oeste. Esta posição tão central deveria ter sugerido chamar o Estado lá criado quase meio século atrás de Maracaju – e não de Mato Grosso do Sul, um nome a meu ver banal e repetitivo.

Ela faz o ombro que confina a oeste a depressão do Pantanal, uma enorme e magnífica região rebaixada e inundável. O Pantanal é contido por um sistema de elevações, das quais a principal é exatamente a Serra de Maracaju. As outras são a Serra da Bodoquena, no seu bordo sul, os degraus do Chaco paraguaio e boliviano no lado oeste, a misteriosa Serra do Amolar e a cênica Chapada dos Guimarães ao norte.

Portanto, a Serra de Maracaju tem o formato de uma escarpa, sua base situada nos contrafortes da planície pantaneira e seu topo limitando o planalto agrícola mato-grossense. Isto causa uma situação interessante: a escarpa é belamente avistável se você estiver nas terras baixas pantaneiras, por exemplo em Miranda, já que não há obstáculos interpostos (ver foto).

As Escarpas da Serra de Maracaju (Fonte: Divulgação)

Inversamente, caso esteja no planalto, nem sempre você terá impressão de uma serra. Aliás, como ocorre com o Espigão Mestre e a Serra do Caiapó no vizinho Goiás – desta última o Maracaju é um exato prolongamento. Às vezes penso que estas são serras humildes, sem o benefício de paredes cênicas, como na Mantiqueira ou no Espinhaço.

A menos que a Serra cruze o seu percurso, como acontece perto de Aquidauana e de Corumbá, quando você notará as feias encostas irregulares de suas corcovas. Elas são formadas por materiais pouco consolidados e heterogêneos, variando dos siltes e seixos aos blocos e matacões. Assim como o Caiapó, Maracaju tem um visual áspero e sofrido.

Morro Azul em Aquidauana, MS (Fonte: haroldopalojr.wordpress.com)

As maiores altitudes não ultrapassam usualmente 750m, pois a Serra de Maracaju não é elevada. Os desníveis de sua escarpa são de aprox. 300 m, entre as cotas de 150 a 300m na planície e de 500 a 700m no planalto. O ponto culminante é o Morro Grande (1.065m), no Maciço do Urucum perto de Corumbá.

Morro Grande, Maciço do Urucum, Corumbá, MS (Fonte: mapio.net)

O grande parque natural da região é o do Pantanal Mato-grossense, com 135 mil ha, em áreas inundadas de difícil acesso. O PE Encontro das Águas com 109 mil ha está próximo e é visitável por barco. Porém, na realidade, o Pantanal funciona como um imenso parque natural, seja nas estradas pantaneiras, nas fazendas de gado ou no curso dos rios.

A Serra de Maracaju integra geologicamente a Bacia Sedimentar do Paraná, resultante de uma enorme e remota falha tectônica. Ao longo de sua evolução, a região passou por períodos ora quentes e úmidos, ora muito secos, o que gerou uma variedade de sedimentos marinhos, glaciais e continentais.

Serra de Maracaju, MS (Fonte: Divulgação)

Foi no período seco que se depositaram os pacotes de arenito que você observa na Serra. Eles têm afinidade com a conhecida Formação Botucatu de São Paulo. Os gigantescos derrames de lava basáltica, tão importantes na formação dos cânions mais ao sul, praticamente não a afetaram.

A maior parte da região é ocupada pelo cerrado, tipo de savana com gramíneas altas, arbustos esparsos e árvores baixas de troncos retorcidos e folhas ásperas. O cerrado não é uniforme: onde as árvores predominam, ele é conhecido como cerradão; no cerrado propriamente dito, há menor concentração de arbustos e de árvores, chegando ao cerrado ralo, quando ocorrem grandes extensões de gramíneas.

PN Pantanal Mato-grossense, MT (Fonte: lavdecor.com.br)

No Pantanal predominam os campos, com presença de veredas nos locais baixos e árvores nos altos. A fauna é genérica do Cerrado, podendo ser avistada durante a seca, quando os animais saem aos campos à busca de água. É maravilhoso avistar cervos, jacarés, garças, catetos, tuiuiús e capivaras juntos, como se habitassem o paraíso.

Serra de Maracaju no Fundo do Pantanal de Aquidauana

Como o planalto é inclinado no sentido da serra, os cursos d´água correm todos para o interior, atravessando-a para mergulharem na planície e chegarem ao Rio Paraguai. É este o rio que drena toda a metade ocidental do Estado, recebendo as águas do Cuiabá, do Miranda e do Taquari. Por vezes, a ruptura transversal da serra forma pequenos cânions, como no caso do Rio Aquidauana.

O Rio Paraguai, MS (Fonte: www.mapadopescador.com.br)

Nesta grande extensão, só as cidades de Corumbá e Cuiabá são antigas, ligadas à defesa do nosso território às margens do Rio Paraguai e à busca do ouro no interior serrano, ambas no século XVIII. Campo Grande praticamente só se desenvolveu a partir dos avanços da pecuária e da agricultura no século XX. O grande acontecimento histórico foi a Guerra do Paraguai, no segundo terço do século XIX. Ela arrasou a região mas o tempo a tornou esquecida.

Pôr do Sol no Morro do Paxixi, Serra de Maracaju, MS (Fonte: www.sopadepedra.com.br)

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Sobre o autor

Nasci no Rio, vivo em São Paulo, mas meu lugar é em Minas. Fui casado algumas vezes e quase nunca fiquei solteiro. Meus três filhos vieram do primeiro casamento. Estudei engenharia e depois administração, e percebi que nenhuma delas seria o meu destino. Mas esta segunda carreira trouxe boa recompensa, então não a abandonei. Até que um dia, resultado do acaso e da curiosidade, encontrei na natureza a minha vocação. E, nela, de início principalmente as montanhas. Hoje, elas são acompanhadas por um grande interesse pelos ambientes naturais. Então, acho que me transformei naquela figura antiga e genérica do naturalista.

4 Comentários

  1. Marcelo Baptista em

    Em 2012 peguei o já saudoso Trem do Pantanal de Campo grande até Miranda. Pela janela do trem vi algumas dessas formações rochosas esparsas, morros aqui e acolá…ecos da serra de Maracaju. O interessante foi que um violeiro, em determinado momento, começou a cantar algumas musicas pantaneiras e algumas fazia alusão e homenagem à essa serra, que até então eu desconhecia. Bacana o texto, Alberto!

  2. Caro Alberto.
    Foi uma grata surpresa encontar esse seu texto sobre a Serra de Maracajú, eu como nativo sul-mato-grossense e um apaixonado pela minha morada devo acrescentar alguns pontos.
    1. O Estado chamou-se Estado de Maracajú durante a revolução de 1932.
    2. Por incrível que pareça nos é/foi ensinado que a Serra adentra o MS apenas até sua porção central, entretanto tenho minha opinião muito próxima a tua, olhando para o MS vemos duas bandas oriental e ocidental, com a serra sendo uma coluna entre as duas. E esse ponto pode ser claramente reconhecido na narrativa histórica da região, que foi parte dos vice reinados espanhóis que adentraram a região central, mas nunca avançam a serra e ainda com as etnias indígenas que se dividiam na região, sendo que vê-se dois ramos bem distintos na região.
    3. O nome Mato Grosso por si só é cansativo, mas tem sua origem no guarani antigo e nas tribos que habitavam a região que diziam que os locais tinham uma espécie de vegetação espessa que era boa para os animais e não muito para os humanos. “Kaa Gua’zú” em lungua nativa.
    E por fim, a recomendação venha ao MS procure o passeio da Estrada Parque Pantanal Sul e vislumbre o Amolar, desça o Rio Paraguai num barco hotel se encante pela serra e busque entende-lá, verás que a Serra do Amolar é um capítulo a parte.

    Ao caro Marcelo deixo que as lembranças do inigualável Almir Sater cantando o Trem do Pantanal de composição de Paulo Simões e Geraldo Rocca. https://youtu.be/sKqjApfi2Gg

    Convido-os a conhecer a marca de camisetas personalizadas de um amigo nortista que me fez olhar novamente para minha terra. Em breve,será possível encontrar camisetas das serras,já fiz a sugestão e encomendamos as artes.
    uma penca.com/kaaguazu

    Saudações e mantenha o entusiasmo.
    Virei um leitor

  3. Há terra que nunca vi, mas meu espírito está lá por algum motivo que desconheço,sinto uma forte ligação.Se aqui contasse as experiências que já tive aí, sem nunca ter estado aí me chamariam de louça.

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