Nova Geografia da escalada carioca

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Antes de entrar no assunto do título, cabe aqui uma curiosidade: por que o escalador esportivo chama o início da via de “saída”? A entrada não existe? Ou será porque a maioria das vias terminam no meio do nada? Não tem cume… Já as vias em montanhas tem entrada (início) e saída (cume), quando a descida e feita por caminhada ou por outra via. Não faço a menor ideia onde e quem começou esta situação sem nexo. Imagine um sujeito apontando uma linha de escalada para outro indivíduo – “Ôoo prego, a saída da via fica ali, perto do bloco! Não está vendo?” – Qualé seu energúmeno, se a saída é ali, então por onde eu entro?” – Isto não parece estranho para você que tem um senso geográfico mais apurado?

Há muitos anos usei o termo “urcanista” para ilustrar, de gozação,  o ‘alpinista’ que somente escala na Urca. Um preguiçoso por natureza, cujo raio de ação vai somente até o Cantagalo (Lagoa-Copacabana) e o Corcovado. Abri, inclusive, uma via esportiva no topo da Pedra da Gávea que se chama “O Terror dos Urcanistas”, porque é preciso caminhar uma hora e subir 700 m verticais para chegar à base. Entretanto, sem querer, estou ajudando a criar um outro tipo de escalador local, o “barrista”, mas que não tem origem no bairrismo, e sim na Barra da Tijuca.  Até março de 2012 abri 28, das 140 escaladas existentes na área. Talvez em breve podem começar os sentimentos e provocações bairristas entre urcanistas e barristas, apesar de escalador não brigar igual aos surfistas!

Mas o foco aqui é outro. É interessante notar uma ligeira mudança nos rumos da escalada carioca. Por décadas a Urca foi a principal área de concentração permanente de escaladores e de vias de escalada do estado e do país, devido à facilidade de acesso. Existem outros centros que funcionam apenas nos feriados, como Serra do Cipó (MG) e São Bento do Sapucaí (SP), entre outros. Mas dentro da cidade do Rio formaram-se outros centros de vias e escaladores. Hoje existem mais de 1200 vias de escalada espalhadas dentro da cidade. Até os anos 90 podíamos distinguir cinco zonas de concentração: Urca, Floresta da Tijuca (CE2000 e Pico da Tijuca), Agulinha da Gávea-Pedra Bonita, Lagoa e Grajau.

Quando abrimos as vias da Barrinha, em 2000, já percebíamos o potencial daquilo e imaginei que pelo menos a escalada esportiva extrema iria definitivamente migrar de vez da Urca, mesmo porque já havia se deslocado para o Campo Escola 2000 e para a Lagoa. Mas não foi apenas isso, a situação foi além. Os motivos foram os seguintes: a saturação de vias e a quebra da rotina. Nesses últimos anos uma nova zona esta se consolidando, a área que compreende os bairros de São Conrado, Barra da Tijuca, Itanhangá e Joá. Ela engloba a Pedra da Gávea, o Pico dos Quatro, a Agulinha da Gávea e a Pedra Bonita. Além disso, concentra as falésias da Barrinha, Pepino, Joatinga, Asa Delta e a nova área Parque de Diversões. Porém, ainda tem a escalada insular, desenvolvida nas Ilhas Tijucas. Possui também duas caminhadas clássicas, a da Pedra da Gávea e a da Pedra Bonita. Por tudo isso esta área está aos poucos se tornando mais um polo importante e permanente da escalada brasileira. 

A população escaladora sempre foi dispersa na cidade do Rio de Janeiro e Niterói, havendo uma tendência de concentração nos bairros da Zona Sul, mas isso também mudou.  Há muitos vivendo nos bairros da Zona Oeste, criando contingente para desenvolver e manter novas zonas. Além da Zona da Barra, em Jacarepaguá também está se formando outra centro com vários setores, na borda leste do Parque Estadual da Pedra Branca. Niterói também evoluiu, criando uma demanda própria com o crescimento do número de escaladores nesses últimos 15 anos, formando um polo em Itaquatiara. No início dos anos 90 havia em Niterói apenas dois escaladores que frequentavam Itacoatiara. Hoje são várias  dezenas, criaram um clube e publicaram um guia de escaladas.

Parte dessa expansão e  desenvolvimento deve-se à deterioração  do trânsito na cidade, que chegou a níveis insuportáveis. Em apenas uma década dobrou o tempo para se deslocar de um lado ao outro da cidade, sem falar que não podemos mais tomar uma cervejinha e dirigir… Mas nem umazinha.    

Concluindo, seguem informações sobre a mais nova área de escalada da cidade, a Parque de Diversões, com 16 vias. Situa-se na parte baixa do Pico dos Quatro (PNT), nas faces norte e oeste. Ela impressiona pela a variedade de estilos: fendas perfeitas de entalamento de dedos e punhos (não machucam!), fendas em oposição de alta qualidade, tetos com fendas, vias com agarras pequenas e muito grandes, aderência e chaminé. Ou seja, tem vias técnicas, vias de força pura e vias técnico-atléticas. Elas medem até 50 m de comprimento. O Parque de Diversões, até o momento, é divido em três setores de escalada: Tenda do Preguiçoso (vias esportivas e blocos), Quiosque (blocos) e Circo (fendas e vias esportivas).

As bases são ótimas e confortáveis, todas na sombra. O visual do Circo… Pode-se ver a Pedra da Gávea e todo o litoral oeste. Dá até vontade de construir um barraco por lá, não fosse área do PNT. Mas o outro problema é a ausência de água corrente, mas tem uma cachoeira descendo os 500 metros de trilha.

Tenda do Preguiçoso

Este é um bloco de rocha enorme, localizado logo no início da trilha, a 70 metros do estacionamento para a trilha da Pedra da Gávea e a Barrinha. A entrada fica no estacionamento, antes da ponte. Tem um teto grande que serve de abrigo e onde começam 3 vias esportivas. Na parte superior do bloco, à direita, tem outras 3 vias esportivas. Veja os mapas. Abaixo, as escaladas foram classificadas em (*) boa, (**) muito boa e (***) excelente.

1 – Parque de Diversões (5+ ou 6), 7 grampos, ~ 15 m. Antonio Paulo Faria. **
2 – Pula-pula Poing Poing Pá (8+), 5 grampos, ~12 m. Antonio Paulo Faria e Guilherme Taboada. *
3 – O Retratista Preguiçoso (8–), 6 grampos, ~15 m. Antonio Paulo Faria e Guilherme Taboada. **
4 – Pipoqueiro Encapetado (6+), 4 grampos ~ 9 m. Antonio Paulo Faria. *
5 – O Siri Correu da Cartomante (6), 6 grampos ~ 13 m. Antonio Paulo Faria. *
6 – O Mágico Fugiu com o Zelador (4), 4 grampos ~ 8 m. Antonio Paulo Faria e Maraiana Kujawski.

Circo

Fica entre 500 e 600 metros do estacionamento, seguindo pela a mesma trilha da Tenda do Preguiçoso. Todas as vias deste setor possuem entre 20 e 30 m, sendo que uma tem 50 m. A parte superior fica na sombra até as 11 h (dependendo da época do ano), mas a base e os cruxes das vias ficam na sombra por tempo maior.

7 – Circo Pegando Fogo (7-), 12 grampos, ~50 m. Antonio Paulo Faria. **
8 – Equilibrista Desequilibrado (7-), 7 grampos. Antonio Paulo Faria. ***
9 – Atirador de Facas Zarolha (7-), fenda com preteção móvel, jogo de camalot até #4. Grampo para rapel. Antonio Paulo Faria e Maraiana Kujawski. ***
10 – Palhaço Rabugento (6), 7 grampos. Antonio Paulo Faria.
10 – Minhoca Malabarista (6+), fenda com proteção mista: 2 grampos, jogo de camalot até #3 e stoppers. ***
11 – Bailarina Perneta (6+), 8 grampos. Antonio Paulo Faria. *
12 – Domador de Calangos Descaldados (4), 6 grampos. Antonio Paulo Faria. **
13 – Macaco Prego Pipoqueiro (7-), fenda com proteção mista: 3 grampos, jogo de camalot até #2 e stoppers. Antonio Paulo Faria. ***
14 – Trapezista Acrofobico (7+). Fenda com proteção mista: 4 grampos, jogo de camalot até # 3. Antonio Paulo Faria e Felipe Dallorto. *
15 – Picadeiro dos Marimbondos Desalmados… Ainda projeto (8+). Proteção mista: 4 grampos e camalot medios. Antonio Paulo Faria e Felipe Dallorto. **

Quiosque

Esta área é pequena, mas o bloco principal é de alta qualidade. Fica a meio caminho do Circo. Até o momento tem 3 linhas, uma diagonal longa que segue pela a borda, da direita para a esquerda, e duas linhas que seguem pelo o teto.

A – Algodão Doce de Bombril (diagonal)
B – Pirulito de Quiabo (teto, centro)
C – Picolé de Chuchu (teto, esquerda)

Boas escaladas.

Antonio Paulo Faria

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Sobre o autor

Antonio Paulo escala há tanto tempo que parece que já nasceu escalando... 30 anos. Até o presente, abriu mais de 200 vias no Brasil e em alguns outros países. Ele gosta de escalar de tudo: blocos, vias esportivas, vias longas em montanhas, vias alpinas... Mas não gosta de artificiais, segundo ele "me parecem mais engenharia que escalar propriamente". Além disso, ele também gosta de esquiar, principalmente esqui alpino no qual pratica desde 1996. A escalada influenciou tanto sua minha vida que resolveu estudar geografia e geologia. Antonio Paulo se tornou doutor em 1996 e ensina em universidades desde 1992. Ele escreveu sobre escalada para muitas revistas nacionais e internacionais, capítulos de livros e inclusive um livro. Ou seja, ele vive a escalada.

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