>Você nunca deve ter ouvido falar de Norman Borlaug. Nem eu, até há pouco. Entretanto, ele recebeu o Prêmio Nobel da Paz e é até hoje adorado nos países onde trabalhou. Diz-se que Borlaug foi capaz de salvar um bilhão de vidas. Mas quem foi ele?
Passou sua juventude no Meio-Oeste americano durante a grande depressão, quando aprendeu que a fome gerava a violência. Foi criado numa fazenda em Iowa, estudando numa escolinha de uma só sala e um único professor. Borlaug formou-se em agronomia e genética em Minnesota. As duas são regiões fortemente agrícolas.
Nesta época, aprendeu luta livre, o que o ensinou a ser forte e resistente. Sempre que pôde, trabalhou para pagar seus cursos. Em um de seus empregos, ajudou desempregados famintos, o que o marcou por toda a vida. Em outro, trabalhou no Salmon River em Idaho, no que era a área mais isolada e selvagem do país.
Durante sua longa carreira, revolucionou a agricultura de grãos. Ele dizia que o mundo está faminto, tanto por pão como por paz.
Em 1944 Borlaug chegou ao México para chefiar um programa de desenvolvimento agrícola financiado pelos Estados Unidos. Ele aposentou-se em 1979, mas continuou vinculado ao programa nos anos seguintes, até sua morte em 2009.
Durante a década e meia em que Borlaug trabalhou no projeto de melhoria do trigo mexicano, ele criou uma série de espécies de alto rendimento e resistência. Desenvolveu sementes no verão nas terras altas do sul em Chapingo e no inverno, nas terras baixas e úmidas do Vale de Yaqui, numa amplitude de 2.500 metros. Desta forma, obteve variedades adaptadas a condições opostas.
Normalmente, as plantas possuem poucos genes resistentes às doenças – estas, por outro lado, costumam produzir continuamente novos tipos. Borlaug desenvolveu múltiplas variedades, cada qual com diferentes genes.
Como elas eram compatíveis entre si – por exemplo, mesmo aspecto, coloração e período de floração – poderiam ser plantadas junto sem reduzir o rendimento, pois nem todas contrairiam doença.
Depois, começou a cruzá-las a partir de um ancestral comum. Este método permitiu que diferentes genes resistentes á doença fossem sendo sucessivamente introduzidos nas plantas resultantes, sob um controle genético de cada linhagem.
Elas eram substituídas sempre que se mostrassem sensíveis á doença, de forma a garantir que só uma ou poucas variedades transgênicas fossem suscetíveis.
Além disso, Borlaug percebeu que seus cultivares de trigo tinham talos finos e altos. Embora fossem propícios para capturar a luz do sol, mostravam-se fracos para suportar os cachos da safra, ainda mais considerando o fertilizante usado para seu rápido crescimento.
Ele então começou a selecionar plantas com talos curtos e grossos, a partir de uma variedade japonesa. Também as cruzou com outra variedade norte-americana, que produzia maior quantidade de talos e, portanto, de cachos.
Borlaug conduziu nada menos do que seis mil cruzamentos entre variedades. Elas mudaram de forma dramática o rendimento das lavouras.
Em 1963, praticamente todas as culturas de trigo no México usaram as variedades semi-anãs desenvolvidas por Borlaug. O volume colhido foi seis vezes o do ano de sua chegada e o México tornou-se autossuficiente em um cereal que era antes importado.
Nesta época o subcontinente indiano estava em guerra e passava por fome. No início, a burocracia e o conservadorismo da Índia e do Paquistão impediram que Borlaug iniciasse o plantio na região.
Após inúmeras dificuldades – incluindo a guerra entre os dois países, que forçou Borlaug a trabalhar sob um céu iluminado pelos clarões de artilharia – enormes quantidades de sementes foram importadas em 1967. A produção paquistanesa dobrou em cinco anos e a indiana sextuplicou em três décadas.
Então, esses exemplos se alastraram pelo mundo: na América Latina, no Oriente Médio e na África. Em duas décadas, os países em desenvolvimento tinham ingressado na era da revolução verde. Na década de 1980, a produção de milho triplicou nos doze países africanos beneficiados pelos programas de Borlaug.
Borlaug desenvolveu cultivares de arroz com cruzamentos de variedades indianas e japonesas na China – em cinco anos a área a elas dedicada na Ásia chegou ao tamanho de um país de porte médio. Ele também criou um híbrido de trigo e centeio chamado triticale, de forma a torná-lo mais nutritivo. Trabalhou em pesquisas para a melhoria da cevada, do milho e do sorgo.
Borlaug participou do programa de treinamento de milhões de pequenos produtores africanos, com resultados impressionantes. Lecionou até sua morte na universidade A&M do Texas. Foi pesquisador, conselheiro e consultor de inúmeras organizações.
Batalhou pela aceitação dos transgênicos e pela redução do crescimento populacional. E advogou a preservação dos ambientes naturais, em especial das florestas.
Para aqueles que se horrorizam com a produção de transgênicos, como se fossem venenos cancerígenos, vale lembrar que todos os grãos que hoje consumimos foram geneticamente modificados ao longo de eras.
A agricultura começou por volta de 12 mil anos atrás e, desde então, os homens vêm domesticando as plantas, não só os animais.
A domesticação envolve a seleção dos melhores exemplares, sejam eles frutos ou sementes, e a melhoria do manejo, para que as plantas possam ser cultivadas fora de seu contexto original. Um exemplo muito citado é o do milho, que evoluiu há 9 mil anos a partir de uma gramínea selvagem, muito diferente das variedades atuais.
Muito antes de existirem as grandes espigas amareladas hoje disponíveis, o ancestral do milho era uma planta mexicana com poucos grãos mal fixados na espiga e uma casca quase irremovível. Nem estava plenamente domesticado quando foi disseminado na América há 6 mil anos, sendo aperfeiçoado nos Andes e na Amazônia. Por isso, existem incontáveis variedades de milho – digamos, naturalmente transgênicas.
Borlaug acreditava que o aumento da produtividade nas melhores terras agrícolas ajudaria a controlar o desflorestamento, ao diminuir a demanda por novas áreas de plantio. O alto rendimento agrícola estaria contribuindo para preservar o ecossistema. Porém, Borlaug supunha que o crescimento da população deveria ser estabilizado. Se, como ele chamava, o monstro populacional não fosse domado, a humanidade avançaria para um desastre iminente.
Borlaug dizia que a África, as antigas Repúblicas Soviéticas e o Cerrado são nossas últimas fronteiras. Depois que estiverem em uso, o mundo não mais terá blocos adicionais de terras aráveis disponíveis, a menos que se queira arrasar florestas inteiras. (…) Então, o aumento da produção de alimentos terá de vir da melhoria dos rendimentos. (…) Caso contrário, o próximo século experimentará a mais pura miséria humana que, numa escala numérica, excederá o pior que jamais aconteceu.
Ranjar Mohanta observou que Borlaug mostrou que a devoção de um único homem pode mudar a história do mundo com o poder de sua vontade, sua convicção, determinação e incansável perseverança. Quando de sua morte, seu amigo Ed Runge disse que ele fez provavelmente mais do que muitos, mas é conhecido por menos gente do que qualquer outra pessoa que tenha feito tanto como ele (…), cujo trabalho tornou o mundo melhor.
O mito grego de Pandora conta a história de uma linda mulher criada por Zeus, junto com uma caixa que continha todos os males e que jamais poderia ser aberta. A curiosidade de Pandora a fez abri-la para espiar o conteúdo. E todos os males foram espalhados pelo mundo. Percebendo o erro, Pandora logo fechou a caixa – com isso, conseguiu reter a esperança, o único dom positivo que nela havia.
O mito de Pandora lembra a revolução verde. Borlaug abriu a caixa e liberou seus males e bens pelo mundo. Os bens, naturalmente, foram o aumento da produção de alimentos vitais para a sobrevivência humana e a economia de áreas de plantio, devido aos altos rendimentos das lavouras.
Procurei uma definição de Revolução Verde e veja o que encontrei: um programa para o aumento da produção agrícola através do uso intensivo de sementes transgênicas; insumos como fertilizantes e pesticidas; mecanização do preparo, plantio e colheita; irrigação; produção em massa e redução da mão de obra.
E veja agora os males: o esgotamento do solo, submetido à monocultura; a erosão das áreas de plantio; o surgimento de novas pragas; a contaminação de águas e solos pelos insumos tóxicos; o desmatamento e alteração do ecossistema; a expulsão dos pequenos agricultores, provocando o êxodo rural.
Um relatório da ONU concluiu: O resultado foi que (…) a biodiversidade continuou a se degradar, enquanto o aumento da produção a qualquer preço não erradicou a fome. Á semelhança do mito de Pandora, a cor da revolução verde talvez sinalize a esperança de que a humanidade possa reverter essa situação.
1 comentário
Por gentileza, revisem o conceito de transgênico mencionado várias vezes no texto pois está equivocado. O processo de melhoramento genético através cruzamento entre plantas diferentes não é transgenia.
Cordialmente