O Cientista: Norman Borlaug e a Revolução Verde

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>Você nunca deve ter ouvido falar de Norman Borlaug. Nem eu, até há pouco. Entretanto, ele recebeu o Prêmio Nobel da Paz e é até hoje adorado nos países onde trabalhou. Diz-se que Borlaug foi capaz de salvar um bilhão de vidas. Mas quem foi ele?

Passou sua juventude no Meio-Oeste americano durante a grande depressão, quando aprendeu que a fome gerava a violência. Foi criado numa fazenda em Iowa, estudando numa escolinha de uma só sala e um único professor. Borlaug formou-se em agronomia e genética em Minnesota. As duas são regiões fortemente agrícolas.

Norman Borlaug (1914-2009) aos 55 anos num campo de trigo.

Nesta época, aprendeu luta livre, o que o ensinou a ser forte e resistente. Sempre que pôde, trabalhou para pagar seus cursos. Em um de seus empregos, ajudou desempregados famintos, o que o marcou por toda a vida. Em outro, trabalhou no Salmon River em Idaho, no que era a área mais isolada e selvagem do país.

Durante sua longa carreira, revolucionou a agricultura de grãos. Ele dizia que o mundo está faminto, tanto por pão como por paz.

Em 1944 Borlaug chegou ao México para chefiar um programa de desenvolvimento agrícola financiado pelos Estados Unidos. Ele aposentou-se em 1979, mas continuou vinculado ao programa nos anos seguintes, até sua morte em 2009.

Durante a década e meia em que Borlaug trabalhou no projeto de melhoria do trigo mexicano, ele criou uma série de espécies de alto rendimento e resistência. Desenvolveu sementes no verão nas terras altas do sul em Chapingo e no inverno, nas terras baixas e úmidas do Vale de Yaqui, numa amplitude de 2.500 metros. Desta forma, obteve variedades adaptadas a condições opostas.

As duas regiões no México onde Borlaug conduziu suas pesquisas sobre o trigo. Como eram muito diferentes, foi possível desenvolver variedades aptas a uma ampla gama de condições.

Normalmente, as plantas possuem poucos genes resistentes às doenças – estas, por outro lado, costumam produzir continuamente novos tipos. Borlaug desenvolveu múltiplas variedades, cada qual com diferentes genes.

Como elas eram compatíveis entre si – por exemplo, mesmo aspecto, coloração e período de floração – poderiam ser plantadas junto sem reduzir o rendimento, pois nem todas contrairiam doença.

Depois, começou a cruzá-las a partir de um ancestral comum. Este método permitiu que diferentes genes resistentes á doença fossem sendo sucessivamente introduzidos nas plantas resultantes, sob um controle genético de cada linhagem.

Elas eram substituídas sempre que se mostrassem sensíveis á doença, de forma a garantir que só uma ou poucas variedades transgênicas fossem suscetíveis.

As variedades transgênicas de trigo foram fundamentais para o avanço mundial de sua produção.

Além disso, Borlaug percebeu que seus cultivares de trigo tinham talos finos e altos. Embora fossem propícios para capturar a luz do sol, mostravam-se fracos para suportar os cachos da safra, ainda mais considerando o fertilizante usado para seu rápido crescimento.

Ele então começou a selecionar plantas com talos curtos e grossos, a partir de uma variedade japonesa. Também as cruzou com outra variedade norte-americana, que produzia maior quantidade de talos e, portanto, de  cachos.

Borlaug conduziu nada menos do que seis mil cruzamentos entre variedades. Elas mudaram de forma dramática o rendimento das lavouras.

Em 1963, praticamente todas as culturas de trigo no México usaram as variedades semi-anãs desenvolvidas por Borlaug. O volume colhido foi seis vezes o do ano de sua chegada e o México tornou-se autossuficiente em um cereal que era antes importado.

Borlaug no México, cercado por estagiários em agricultura.

Nesta época o subcontinente indiano estava em guerra e passava por fome. No início, a burocracia e o conservadorismo da Índia e do Paquistão impediram que Borlaug iniciasse o plantio na região.

Após inúmeras dificuldades – incluindo a guerra entre os dois países, que forçou Borlaug a trabalhar sob um céu iluminado pelos clarões de artilharia – enormes quantidades de sementes foram importadas em 1967. A produção paquistanesa dobrou em cinco anos e a indiana sextuplicou em três décadas.

Então, esses exemplos se alastraram pelo mundo: na América Latina, no Oriente Médio e na África. Em duas décadas, os países em desenvolvimento tinham ingressado na era da revolução verde. Na década de 1980, a produção de milho triplicou nos doze países africanos beneficiados pelos programas de Borlaug.

Borlaug desenvolveu cultivares de arroz com cruzamentos de variedades indianas e japonesas na China – em cinco anos a área a elas dedicada na Ásia chegou ao tamanho de um país de porte médio. Ele também criou um híbrido de trigo e centeio chamado triticale, de forma a torná-lo mais nutritivo. Trabalhou em pesquisas para a melhoria da cevada, do milho e do sorgo.

Evolução do rendimento das lavouras de trigo nos países menos desenvolvidos.

Borlaug participou do programa de treinamento de milhões de pequenos produtores africanos, com resultados impressionantes. Lecionou até sua morte na universidade A&M do Texas. Foi pesquisador, conselheiro e consultor de inúmeras organizações.

Batalhou pela aceitação dos transgênicos e pela redução do crescimento populacional. E advogou a preservação dos ambientes naturais, em especial das florestas.

Para aqueles que se horrorizam com a produção de transgênicos, como se fossem venenos cancerígenos, vale lembrar que todos os grãos que hoje consumimos foram geneticamente modificados ao longo de eras.

A agricultura começou por volta de 12 mil anos atrás e, desde então, os homens vêm domesticando as plantas, não só os animais.

A domesticação envolve a seleção dos melhores exemplares, sejam eles frutos ou sementes, e a melhoria do manejo, para que as plantas possam ser cultivadas fora de seu contexto original. Um exemplo muito citado é o do milho, que evoluiu há 9 mil anos a partir de uma gramínea selvagem, muito diferente das variedades atuais.

Muito antes de existirem as grandes espigas amareladas hoje disponíveis, o ancestral do milho era uma planta mexicana com poucos grãos mal fixados na espiga e uma casca quase irremovível. Nem estava plenamente domesticado quando foi disseminado na América há 6 mil anos, sendo aperfeiçoado nos Andes e na Amazônia. Por isso, existem incontáveis variedades de milho – digamos, naturalmente transgênicas.

A milenar domesticação do milho resultou numa quantidade enorme de linhagens. A produção em massa tem reduzido esta variedade.

Borlaug acreditava que o aumento da produtividade nas melhores terras agrícolas ajudaria a controlar o desflorestamento, ao diminuir a demanda por novas áreas de plantio. O alto rendimento agrícola estaria contribuindo para preservar o ecossistema. Porém, Borlaug supunha que o crescimento da população deveria ser estabilizado. Se, como ele chamava, o monstro populacional não fosse domado, a humanidade avançaria para um desastre iminente.

Borlaug dizia que a África, as antigas Repúblicas Soviéticas e o Cerrado são nossas últimas fronteiras. Depois que estiverem em uso, o mundo não mais terá blocos adicionais de terras aráveis disponíveis, a menos que se queira arrasar florestas inteiras. (…) Então, o aumento da produção de alimentos terá de vir da melhoria dos rendimentos. (…) Caso contrário, o próximo século experimentará a mais pura miséria humana que, numa escala numérica, excederá o pior que jamais aconteceu.

Produção mundial de grãos. Note que a área plantada permanece praticamente constante, enquanto a produção triplica.

Ranjar Mohanta observou que Borlaug mostrou que a devoção de um único homem pode mudar a história do mundo com o poder de sua vontade, sua convicção, determinação e incansável perseverança. Quando de sua morte, seu amigo Ed Runge disse que ele fez provavelmente mais do que muitos, mas é conhecido por menos gente do que qualquer outra pessoa que tenha feito tanto como ele (…), cujo trabalho tornou o mundo melhor.

O mito grego de Pandora conta a história de uma linda mulher criada por Zeus,  junto com uma caixa que continha todos os males e que jamais poderia ser aberta. A curiosidade de Pandora a fez abri-la para espiar o conteúdo. E todos os males foram espalhados pelo mundo. Percebendo o erro, Pandora logo fechou a caixa – com isso, conseguiu reter a esperança, o único dom positivo que nela havia.

O mito de Pandora, quand o ela abre a caixa e liberta todos os males do mundo.

O mito de Pandora lembra a revolução verde. Borlaug abriu a caixa e liberou seus males e bens pelo mundo. Os bens, naturalmente, foram o aumento da produção de alimentos vitais para a sobrevivência humana e a economia de áreas de plantio, devido aos altos rendimentos das lavouras.

Procurei uma definição de Revolução Verde e veja o que encontrei: um programa para o aumento da produção agrícola através do uso intensivo de sementes transgênicas; insumos como fertilizantes e pesticidas; mecanização do preparo, plantio e colheita; irrigação; produção em massa e redução da mão de obra.

E veja agora os males: o esgotamento do solo, submetido à monocultura; a erosão das áreas de plantio; o surgimento de novas pragas; a contaminação de águas e solos pelos insumos tóxicos; o desmatamento e alteração do ecossistema; a expulsão dos pequenos agricultores, provocando o êxodo rural.

Imagem de lavouras nos Estados Unidos. Devido à irrigação, os aquíferos do Meio-Oeste e da Índia foram exauridos.

Um relatório da ONU concluiu: O resultado foi que (…) a biodiversidade continuou a se degradar, enquanto o aumento da produção a qualquer preço não erradicou a fome. Á  semelhança do mito de Pandora, a cor da revolução verde talvez sinalize a esperança de que a humanidade possa reverter essa situação.

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Sobre o autor

Nasci no Rio, vivo em São Paulo, mas meu lugar é em Minas. Fui casado algumas vezes e quase nunca fiquei solteiro. Meus três filhos vieram do primeiro casamento. Estudei engenharia e depois administração, e percebi que nenhuma delas seria o meu destino. Mas esta segunda carreira trouxe boa recompensa, então não a abandonei. Até que um dia, resultado do acaso e da curiosidade, encontrei na natureza a minha vocação. E, nela, de início principalmente as montanhas. Hoje, elas são acompanhadas por um grande interesse pelos ambientes naturais. Então, acho que me transformei naquela figura antiga e genérica do naturalista.

1 comentário

  1. Por gentileza, revisem o conceito de transgênico mencionado várias vezes no texto pois está equivocado. O processo de melhoramento genético através cruzamento entre plantas diferentes não é transgenia.

    Cordialmente

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