O fim do Ciclo Trágico do Everest, e o montanhismo sem lei

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E veio o acidente do K2, muitos morreram, vários por incapacidade técnica, outros tantos devido a atual situação de (des)organização do nosso esporte – o montanhismo sem lei!.




Há dois anos atrás, escrevi um artigo sobre um alpinista no Everest que por não ter sido socorrido por inúmeros “transeuntes” teve que se unir às estatísticas de mortes nas montanhas himalaianas. Nesse artigo, dizia que as tragédias do Everest não haviam acabado, e que provavelmente teríamos outras. Também alertava para o fato de que o problema estava numa série de fatores, principalmente na falta de criticidade dos montanhistas e na forma como o esporte vinha sendo conduzido.




Após estas mortes no K2, e tantas bobagens que vêm se passando nas listas de e-mail sobre montanhismo, o artigo de dois anos atrás se mostra mais relevante que àquela época. Assim, me pergunto: quando será que poderemos parar de repetir antigos artigos e escrever algo novo? Será que não aprendemos nada com o que se passou, além de novas tecnologias para construção de barracas e jaquetas?




Sei que há uma nova geração de montanhistas nascendo, mais humana, mais Montanhista, menos preocupada com enaltações do próprio ego ou tradições arcaicas. Que venham os novos, pois estou farto desse montanhismo sem lei.




Segue abaixo o antigo-novo artigo:




Ao longo dos últimos meses, os jornais brasileiros estão bombardeando seus leitores com matérias sobre acusações, corrupção e tragédias, ao exemplo dos ataques do PCC na cidade de São Paulo. Porem, você me pergunta: “O que isso tem a ver com montanhismo?!” ou melhor “O que isso tem a ver comigo?!?”




Gostaria de lembrar também de outro fato noticiado – a morte do alpinista Vitor Negrete, ou outro, menos noticiado no Brasil, mas de igual “importância” para o montanhismo mundial, a morte do inglês David Sharp também no Everest, além das outras 8 mortes desta temporada…mas, ainda assim a pergunta persiste: “O que isso tem a ver comigo?!?”




Talvez tudo isso não tenha, mesmo, nada a ver com você, e é exatamente este o problema…que informação é esta que a mídia está nos trazendo, e que leitores somos nós que nos colocamos apenas como telespectadores e não participantes do processo…




Quantos brasileiros estavam escalando no Everest nesta temporada? Quantos já ouviram o nome Marcola antes dos ataques do PCC? Quem sabia o que o Vitor Negrete estava tentando escalar o Everest este ano? Alguém sabe o nome do ministro responsável por investimentos no montanhismo, no turismo, na educação??? Que tipo de informação nós temos!?!




Sabemos na ponta da língua que a Sra. Suzane Richthofen está em prisão domiciliar, que estamos a apenas 9 dias da Copa do Mundo, que a bolsa de valores subiu e o dollar caiu…mas…e daí?




Os fatos já não nos atingem, não nos sentimos responsáveis por nada. Escuto diariamente a frase que o Estado devia fazer isso ou aquilo…que a corrupção é um absurdo…mas o que me emociona é que aquele que fala isso não faz nada, nem sabe em quem votou, e ainda por cima tira xerox particular “de graça” na máquina do trabalho.




Da mesma forma que muitos olham para o cenário do Brasil e falam que alguém deve fazer algo, 40 pessoas passaram ao lado do Sr. David Sharp, mas por estarem mais preocupados em atingir o seu objetivo – o cume do everest, deixaram que ele morresse. Talvez tenham pensado que outro alguém ia fazer aquilo…




Não é só o perfil do montanhista que mudou nestes últimos anos. Talvez esse montanhista que não ajuda os outros, ou aquele que quer a montanha só para ele, seja reflexo dessa nova sociedade, onde as informações não nos permitem pensar, mas nos moldam de acordo com uma vontade que nem mais sabemos de quem é!!! A sociedade inteira está se tornando extremamente individualista, mesquinha, e o pior, despreocupada e sem valores.




Assim, a resposta à pergunta inicial, é que tudo isso a sua volta está diretamente ligada a nós, a nossa passividade diante do nosso meio, deixando a vida nos levar ao invés de remar para onde queremos.




Lembremos que o mais importante da vida não é o nascimento ou a morte, mas o período compreendido entre esses dois pontos, da mesma forma que no montanhismo o mais importante não pode ser o cume, mas o percurso, as amizades, a interação com o meio, o simples andar…




Deixemos de ser simples montanhistas, mas tornemo-nos cidadãos montanhistas, conscientizados sobre o que está ocorrendo no mundo, de forma crítica, não se preocupando apenas com as montanhas, mas também com as pessoas que vão para ela e com as que não vão. O mundo ainda pode ser bem melhor, e o montanhismo também, sejamos um exemplo para a sociedade, ou ano após ano teremos mortes por falta de humanidade…

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