O fundão do Itaberaba

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Situado numa funda dobra transversal ao espigão principal da Serra do Itaberaba, o “Vale do Fundão” não poderia ter nome mais apropriado. Espalhado numa região pertencente a uma antiga fazenda, ali corre um gde afluente do Rio Pilões q no decorrer do seu sinuoso trajeto represa suas águas sob forma de belíssimos lagos. Como o lugar sempre foi “rota de fuga” ou “de passagem” de investidas anteriores, desta vez decidimos conhecer melhor e com mais calma este belo remanso natureba de Santa Isabel (SP). Um circuito breve e sussa de apenas meio período q revela não mais uma faceta da pouco conhecida Serra do Itaberaba, como escancara algumas de suas contradições no que se refere aos objetivos duma área de preservação ambiental.

Após rodar um tanto pela Rod. Pres. Dutra (BR-116), cruzamos o portal da pacata Santa Isabel pouco antes das 9hrs onde as inscrições “Paraiso da Grande São Paulo” completam as boas-vindas aos visitantes. O dia estava estupidamente limpo e isento de qq interferência atmosférica, sinal q o sol castigaria sem dó nossas cabeças no decorrer do breve rolê proposto. No carro, apenas eu, a Carol e a inseparável Chiara, parceira canina de mtas ocasiões, figuravam como trio trilheiro da vez. Depois de cruzar a pacata cidade e rodar um pouco pela Estrada do Ouro Fino, estacionamos enfim no simpático mercadinho Nigiba´s, local q serve tanto como pto de partida pra incursões na serra como pra abastecer a mochila com mantimentos ou até mesmo bebericar um último pingado pré-pernada.
 
Pois bem, começamos a pernada pouco depois das 9hrs tocando pela estradinha de chão principal q segue em direção da serra, passando por umas chácaras pela esquerda e pela RPPN Rio dos Pilões pela direita. O sobe e desce na sequencia passa desapercebido e num piscar de olhos nos vemos perante uma significativa bifurcação marcada por uma decrépita capelinha, onde o bom senso nos leva pro ramo da esquerda, ininterruptamente. Os latidos da cachorrada local dando as boas vindas á nossa parceira canina soam insignificantes pra mesma. “Chiara é periguete! Não se mistura com cachorro pé-verméio!”, entrega sua zelosa dona.
 
A jornada prossegue tranqüila e agradável enqto a Serra do Itaberaba vai se desenhando no horizonte, bem a nossa frente. Sítios e chácaras na sequencia são transpostos sem maiores intercedências até q o sinal de civilidade some por completo. Ao nos aproximar da linha de torres de alta tensão é preciso atentar a uma via menor, q nasce à direita da palmilhada, e por ela seguimos agora em franca ascensão. São apenas 9:45hrs e agora é q começa de fato a subida da serra, sempre na direção norte, q inicia suave e tranqüila em meio a verdejante mata secundária.
 
Após o último pto d’água, na verdade um córreguinho q marulha naquele fundo de vale, é q a subida de fato aperta ao ganhar uma crista ascendente. A sombra foi deixada pra trás e a larga trilha erodida se encontra td ornada de voçorocas de samambaias a nossa volta. Se servir de consolo, uma suave brisa sopra o rosto naquela manhã quente e ensolarada, onde no caminho só tropeçamos com um biker, um motoqueiro e 3 “gaiolas” q pareceram saídos da segunda edição da franquia “Mad Max”. E tome piramba serra acima, sempre acompanhando as linhas de alta tensão! 
 
Ao ganhar a primeira grande crista da serra, por volta das 11hrs, a pernada nivela e se torna mais branda. O horizonte se alarga e permite vislumbre por entre o arvoredo de td caminho percorrido, ao sul, assim como visus da Pedra Branca e Pedra Preta, a noroeste. Uma breve paradinha no “Mirante” alarga esta paisagem de modo q permite apreciar td quadrante norte, mas o q desperta mesmo a atenção é boa parte das encostas ao norte parcialmetne queimadas, sinal q alguém andou vandalizando deliberadamente a serra. 
 
Pois bem, aqui em cima a gente já começa a desviar novamente pro sul, como q retornando. Este é o pto mais distante da serra q nos permitimos ir, a diferença das outras ocasiões. Agora a pernada prossegue pela crista na direção sul, indo na direção da crista descendente paralela a qual viemos. O caminho é td ornado por um belo reflorestamento de eucaliptos e não demora a surgir uma enorme brecha na mata, janela esta q me desperta a atenção pois antes não existia. Daí vem a triste constatação de desmatamento dum bom trecho do contraforte sul do espigão serrano!  Pilhas e pilhas de troncos empilhados a beira do caminho permitem vislumbre do quadrante sudeste da serra, uma paisagem devastada, desoladora e descaracterizada q contrasta com os espigões descendentes, repletos de verde e mato. Uma cena triste, infelizmente.
 
Bem, após andar pela crista e começar efetivamente a descida é q começo a prestar atenção a minha esquerda. Eis q abandono a via principal em favor duma vereda q sempre ignorei mas cuja rota não é segredo algum: descer ao “Vale do Fundão”! Dito e feito, a vereda é realmente uma rota de acesso direto ao vale, sem haver necessidade de descer a longa e demorada crista principal. A trilha desce forte e diretamente ao vale mesmo! A declividade é grande e num piscar de olhos nos vemos mergulhando em meio a enorme dobra do Itaberaba, q parece nos emparedar aos poucos conforme deixamos o alto da serra, enqto o vento uiva em meio ao arvoredo. A trilha – íngreme, erodida e escorregadia – apresenta poucos sinais de uso, mas vez ou outra encontro sinais de pneus de bike. 
 
E assim, ao exato meio-dia alcançamos o bucólico “Vale do Fundão”, assinalando por vários lagos perfilados cercados de verdejante mata! Os lagos são nada mais q represamento dalgum afluente do Rio Pilões, q nascem ali naquele cafundó serrano pra depois seguir seu rumo na direção sudeste, serra abaixo. Aqui há poucos eucaliptos e a mata predominante é secundária, mesclada com alguns focos de mata nativa mesmo, onde vez ou outra surge uma araucária solitária dando as caras! Ali tb há ruínas de alguma antiga construção, q nada mais deve ser de alguma antiga fazenda desapropriada. A casa principal, o celeiro, um chalé, um deck e até um canil são inconfundíveis. “Inscrições burrestres”, vestígios de fogueira e muitas garrafas de pinga espalhadas tb são sinal q o lugar serve de pouso temporário pra algum tipo de andarilho. Dureza é constatar o interior das habitações estar repleto de morcegos, q deixam a Chiara assustada. 
 
E as margens sombreadas do lago principal temos nosso demorado momento de descanso, cliques e lanche, sob o olhar atento da esfomeada basset. O lugar é realmente encantador e tem seu charme rústico. Uma enorme bica concretada afunila as águas do primeiro lago e as despeja no segundo, servindo de eventual “cachu” pra quem se dispuser a tomar uma ducha gelada na sua base. Na mata em volta é possível encontrar voçorocas de morangos silvestres e até frondosos limoeiros repletos do fruto. Mas não demorou pruma coceirinha dar as caras na perna e constatar a presença maciça de carrapatos naquele paraíso. É, tava bom demais pra ser verdade…
 
Por volta das 13hrs retomamos a pernada, pois era hora de ir embora. Dali acompanhamos o perímetro do lago até dar novamente na vereda principal. Na sequência tropeçamos com a “Trilha do Fundão”, vereda q já palmilhei em duas ocasiões mas sempre às pressas e, não raramente, no escuro, sem poder aprecia-la melhor. E foi ela mesma q tomamos pra empreender o retorno de forma agradável e rápida. Em linhas gerais, esta trilha percorre toda extensão do “Vale do Fundão” na direção sudeste.
 
E assim foi, com a Chiara sempre na dianteira dando uma de guia, fomos avançando pela supracitada vereda q palmilha a encosta direita do vale, ora afastada ora próxima do córreguinho oriundo dos lagos logo atrás. A vereda se assemelha muito as trilhas de Paranapiacaba, pois é visível o corte vertical na encosta q denuncia ela ter sido a antiga estrada (hj fechada) q acedia a fazenda. Mas realmente andar de dia nesta vereda era bem diferente q na penumbra das outras ocasiões. Os detalhes agora não passam desapercebidos e o sol filtrado pelo arvoredo conferia beleza impar a mata em volta.
 
A pernada então transcorreu sem nenhuma intercedência neste trecho agradável de trilha. O sobe e desce inicial logo nivelou, onde eventualmente havia q desviar ou agachar dalgum gigante da floresta tombado, mergulhar num enorme bambuzal e até cruzar sobre um minúsculo pontilhão de madeira q antigamente inexistia, e q serve pra não chafurdar os pés num afluente do ribeirão principal. Após este correguim a vereda nivela em definitivo e o mato ameaça avançar no caminho, embora ele seja inconfundível e óbvio o tempo todo. 
 
Bem antes das 14hrs abandonamos o frescor da mata pra dar nos fundos da capelinha da ida. A cachorrada local novamente veio dar as boas vindas à Chiara, q ignorou solenemente os agrados “capiaus”. Dali em diante foi coisa de pouco mais de meia hora p/ chegar no carro, andando pelo estradão de terra batida sob sol e calor escaldante. Mas uma vez no mercadinho tivemos um novo pit-stop, desta vez pra bebericar alguma coisa antes de retomar o asfalto de volta pra Sampa.  
 
O “Vale do Fundão” é roteiro breve e tranqüilo de meio período pra quem se dispõe a uma pernada sem demasiado desnível. O circuito aqui descrito nada mais foi espichado de modo a permitir algum visu do alto da serra. Contudo, a preservação do supracitado vale contrasta fortemente com o desmatamento acentuado das encostas que o abraçam. Infelizmente, esse é o resultado da morosidade em se estabelecer uma suposta “área de conservação”, pois td aquela área ainda está em processo de manejo. Ou seja, haverá muito mais desmatamento ainda até q finalmente ocorra a regulamentação da desapropriação fundiária total. São as contradições dos parques estaduais aqui no país. Só torçamos pra q quando o Parque Estadual Serra do Itaberaba saia efetivamente do papel sobre ainda alguma coisa pra visitar. 
 
 
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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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