O Morro da Segunda Estação

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“Segunda Estação” é o nome recorrente pelo qual são conhecidas as atuais ruínas do posto intermediário do extinto teleférico q rasgava o Pque do Pedroso, diagonalmente, de norte a sul. Assim como a Terceira Estação, cujos restos coroam o Morro do Pedroso, esta aqui reina soberana do alto dum modesto morrote com belíssima vista do ABC, apenas 40m menor q seu ilustre vizinho e sem nome algum q a torne digno de menção. Entretanto, este topo é passível de visitação mediante trilha tranqüila e desimpedida, ou vara-mato nervoso pelas encostas ocidentais do parque. Ou então as duas coisas juntas, q foi o q fizemos num breve e sossegado circuito em formato de “U” invertido, em menos de duas horas. Um vapt-vupt natureba ideal pruma manhã qualquer, bem pertinho da Metrópole.

 

“Ahh…filé, filé, filé, filé!”, tocava o celular dum moleque sentado ao meu lado, no vagão duma composição qq da linha turquesa, da CPTM. Havia esquecido o quão penoso era tomar transporte publico durante dia útil, como a maioria dos brasileiros. Não bastasse ter de me espremer na multidão, distribuir cotoveladas apenas pra conseguir entrar no vagão e, tendo a sorte de sentar, ainda era obrigado a aturar a cacofonia daquele maledito funk – de tamanha sutileza e complexidade de letra, diga-se de passagem – tocando feito chaleira no meu ouvido. Mas acredite ou não, o empenho valia a pena.

O Pque Municipal do Pedroso despertara lombrigas em mim, tanto q mal pisei por aquelas bandas duas semanas atrás e la tava indo novamente. Inumeros fatores favoreceram meu pronto retorno: facilimo e rápido acesso, diversidade de roteiros curtos alternativos, belas paisagens naturebas e programa ideal pra quem não dispõe do dia inteiro, q era meu caso. Conseguira uma folga matinal em plena quarta-feira e não pensei duas vezes em me pirulitar praquela jóia rara do ABC. Como decidira de ultima hora este bate-volta e dificilmente conseguiria cia em pleno dia de batente, a única q topou me acompanhar foi a Lu q, assim como eu, tb tinha disponibilidade pra empreitada. Finalmente, após muita ralação, as vantagens de ser profissional autônomo estavam sendo reconhecidas.

Dessa forma, encontrei a Lu em frente a Estação Sto André da CPTM bem antes das 8hrs e prontamente embarcamos, no Terminal Oeste, numa das varias linhas q tomam rumo o Terminal Vila Luzita. Mal deu pra colocar a fofoca em dia q nos vimos saltando no referido terminal, onde imediatamente embarcamos numa das trocentas linhas q passam pela Estrada do Pedroso, nosso destino final. Eis outro motivo da minha decisão em vir pra estas bandas: os ônibus são rápidos e bem regulares, tanto q as baldeações são quase q imediatas e sem espera alguma, otimizando de fato o dia. Neste quesito parabenizo a prefeitura de Sto André, a diferença da de Paranapiacaba e Mogi das Cruzes, cujo transporte público deixa muito a desejar.

Saltamos então em frente da portaria do Pq Pedroso por volta das 8:20hrs daquela manhã de nebulosidade clara, mas q a previsão alertava com pancadas de chuva a partir da tarde. Avancamos pela passarela principal tranquilamente, bordejando o simpático laguinho q separa o parque da rodovia. Ladeamos por baixo a inconfundível Capela Sta Cruz, tb conhecida de Igreja dos Carvoeiros, pois ali se reuniam antigamente os lenhadores e trabalhadores rurais aos domingos e dias festivos. Aqui a via principal se divide em duas, uma de asfalto e outra de terra, sendo q nos mantemos nesta segunda, bem do lado do morro.

Indo em frente logo damos numa área mais ampla, de ginástica e playground. Mas eu e a Luzita nos embrenhamos numa via q sai da principal e toca pro norte, passando por uma área coberta de eventos e quadras poliesportivas. Na verdade estamos buscando algum vestígio de picada q suba a morraria dali, mas visivelmente as encostas são íngremes demais. Decididamente o acesso oficial a Segunda Torre não era por ali. Ou se era, nos passou desapercebidos. Resumindo: teríamos de varar mato, e agora a questão era onde teríamos q começar a fazer isso.


Retrocedemos então pelo mesmo caminho ate um certo ponto onde julguei as encostas mais suaves, de modo a possibilitar uma ascenção desimpedida morro acima. E este trecho foi encontrado a meio termo entre a Capela Sta Cruz e o setor das quadras. Ali, num barranquinho visível a esquerda com sinais de degraus pisados na terra, diante duma lixeira azul, q decidi começar nossa subida no peito. Nos firmando no mato, fincando bem os pés na terra e alguns tocos, escalaminhamos o tal barranco ate ganhar o primeiro ombro serrano, agora suave e forrado de vegetação baixa.

Daqui em diante é so tocar pra cima, não tem erro. Inicialmente parece haver uma picada, mas esta esperança logo se dilui qdo nos vemos no meio do mato, sem caminho algum. Aqui a boa e velha bussola veio a calhar, pois nossa rota sempre deve tocar pra noroeste, sem desvio algum. Na duvida, é so se manter na larga crista, pq é visivelmente perceptível o mato caindo de ambos lados. E la vamos nos, subindo suave e lentamente, sem gde dificuldade, desviando dos matinhos mais espessos. Claro q eu vou na dianteira, abrindo passagem pra incansável e pau-pra-td-obra Lu!

Mas a medida q vamos ganhando altitude, não demora pra mato ficar mais denso, principalmente com vegetação tombada ou ressequida q, aos montes, cai da copa das arvores. Voçorocas de capim seco, cipozinhos espinhentos, enormes bromélias pontiagudas, touceiras de bambuzinhos ou simplesmente enormes galhos tombados são os obstáculos dos quais desviamos ou encaramos na raça, abrindo caminho com as mãos e pés, o q resultou em alguns ralados neste q vos fala. Dessa maneira nossa subida transcorreu um bom tempo, porem com ritmo e compasso regular. Em meio as frestas da vegetação tínhamos breves vislumbres da paisagem e do qto havíamos subido, e isso já nos confortava. Alem do mais, no caminho cruzamos com vestígios duma antiga e decrepita cerca, assim como com tocos de madeira ou tabuas fincados na terra por algum motivo.

Após um breve trecho mais íngreme percebemos então q não havia mais o q subir, sinal q estavamos no alto. Agora o q deviamos fazer era desviar lentamente pra esquerda, sentido oeste/sudoeste, acompanhando a crista principal. E assim foi, percorremos ora terreno nivelado ora com alguns breves trechos suavemente ondulados, nas mesmas condicções q do inicio, ou seja, desviando sempre do mato obstruindo o caminho. Logicamente q fomos memorizando nossa rota de subida, alem de deixar bem pisada nossa passagem, pois em tese retornaríamos pelo mesmo caminho. Foi ai q, de relance, pude observar algo parecido com uma estrututura de concreto por entre as frestas da mata, bem proximos. “Chegamos! Falta pouco!”, falei pra Lu.

Dito e feito. Após rasgar no peito um ultimo trecho de samambaial e desviar dum medonho formigueiro, as 9:30hrs emergimos no descampado q serve de base pras ruínas da Segunda Estação. A estrutura possui dois “andares”, unidos por uma escadinha, onde o setor inferior recebia o teleférico da Primeira Estação, situada as margens do asfalto da Estrada do Pedroso; enqto o “andar” superior enviava a composição pra ultima parada, no cume do Morro do Pedroso, a noroeste. No interior há sinais de fogueira e algumas pixações, embora a sinalização original ainda se mantenha preservada. Fora dela há ainda outra estrutura q parece ter sido algum quiosque e outra q, em formato redondo, visivelmente era um pequeno palco (mas q a Lu insistiu ser “pista de pouso de Ets”), sinal q nos tempos áureos o teleferico era lugar catalizador de cultura.

O lugar é amplo, bem mais aberto e com muito mais visual q a Terceira Estação. Sem a interferência de eucaliptos ou qq espécie de arvoredo ao redor, a paisagem é privilegiada por estar situada no miolo do Pq Pedroso: a leste temos a morraria verdejante do Bairro Borda do Campo, o espelho dágua dum dos braços da Represa Billings e um rabicho cinza do Rodoanel Mario Covas (BR-21); ao norte e sul vislumbramos a ondulação da morraria do entorno do parque; e a oeste descortinamos a trinca de picos q separam os tons verdes do parque da acizentada São Bernardo do Campo, o Morro do Pedroso (e a Terceira Estação, mocada no cume), o Morro da Torre e o maciço do Bonilha.

Como q premeditado, mal chegamos no topo do morro q o tempo se encobriu de nuvens escuras e mandou agua abaixo. Por pouco o aguaceiro não nos surpreende no meio da mata! Nos refugiamos então nas estruturas da velha Estação, jogamos conversa fora e beliscamos alguma coisa enqto aguardávamos a chuva dar uma trégua, alem de remover os trocentos carrapichos e matinhos q trazíamos grudados no corpo. Emoldurada pela enorme entrada do lugar, era possivel avistar tanto pro leste como oeste uma paisagem predominatemente verdejante, salpicada pelos tons rosados das inconfundíveis quaresmeiras. 
Pois bem, qdo a chuva deu trégua, coisa de 10 minutos depois, íamos nos preparar pra voltar pelo mesmo caminho, qdo a Lu sugeriu bisbilhotar um rabicho de trilha q tocava pra sudeste, alem do tal palco de concreto. E não é q ali havia mesmo uma, larga, obvia e evidente vereda q tocava pra baixo??? Ambos caímos na risada pq se soubéssemos da dita cuja, certamente teríamos evitado aquele vara-mato da subida. Mas em compensação não teríamos tido a breve aventurinha (com emoção) de navegar e se virar no meio da floresta q cobre o morro, diga-se de passagem. Noutras, realizamos um circuito involuntariamente.

Tocamos então pela trilha oficial morro abaixo, mas com cautela pois a mesma tava besuntada de limo esverdeado e lisa feito sabão.E la fomos nos, perdendo altitude rapidamente, ora bordejando o morro ou em curtos ziguezagues, sem dificuldade alguma. Foi qdo começamos a ouvir o som de veículos próximos q percebemos estar quase no final. Numa curva fechada, a picada subitamente vira pra esquerda e desce quase q em linha reta, bem ingreme. Se antes a descida se dava palmilhando um chão de terra, agora a coisa era feita atraves do q sobrara duma estrada asfaltada. Detonada totalmente devido a erosão, da via agora so sobravam mesmo as partes reservadas aos pneus dos veículos q um dia já circularam por ai.


Num piscar de olhos aquela precária “estradinha” desembocou numa maior, já ao pé do morro. Proxima duma guarita e uma cancela, esta via maior tem uma corrente obstruindo passagem, sinal q não deve ser permitido adentrar ali. Como estavamos simplesmente saindo, fizemos cara de paisagem e deixamos o lugar, pra surpresa dos guardinhas q nos viram assim, saindo do nada. So daí vimos q esta entrada oficial da trilha pra Segunda Estação tava bem próxima do setor das quadras polisportivas pelo qual havíamos passado no inicio da manha. Resumindo ela esta próxima dos sanitários a oeste, logo depois duma guarita e uma cancela. Basta atentar pruma corrente fechando passagem. É ali.

Como o tempo tava novamente fechando, nossa incursão estava concluída e o estômago já começava a reivindicar um saboroso e farto almoço no centro de Sto André, deixamos o parque por volta das 11hrs. Mas prometemos breve retorno pra mais explorações do seu setor sul e sudeste. Afinal, a meio caminho de Paranapiacaba e mto mais próximo q Mogi das Cruzes – porem com quase as mesmas características – o Pq Pedroso sempre será programa perfeito pruma manhã com perrenguinhos diferenciados, curtos e sussas, como o Morro da Segunda Estação. Mas dispondo dum dia inteiro, nada impede de emendar outros programas dos arredores de uma vez só, como esticar até a Terceira Estação, no Morro do Pedroso. Ou até o Morro da Torre, a leste, já na divisa com São Bernardo do Campo. Aí é cada um que decide como ou quanto quer se divertir.

Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
http://jorgebeer.multiply.com/photos

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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