Meio que em cima da hora me vi com parte do feriado de Finados livre e logicamente me ocorreu alguma pernada sussa, de preferência num morrinho próximo e de fácil acesso. Havia que aproveitar os últimos vestígios de tempo limpo e seco deste período transitório entre primavera e verão. Comentei então com o Alberto Ortenblad e ele topou me acompanhar, tendo em vista a dificuldade zero do programa, um morrinho que frequentara a muito tempo e que merecia retorno. Era o Morro do Guaripocaba, situado em Bragança Paulista, tradicionalmente conhecida como “Terra da Linguiça”. Mas claro que o que pode ser tranquilo e fácil pode se tornar árduo e desgastante. E não me refiro a condicionamento físico e sim ao tempo, que quando quer pode ser duro e implacável.
Prevendo a forte possibilidade de pancadas de chuva pela tarde, saímos cedo de Sampa afim de otimizar o rolê e pegar o tempo mais fresco. Dessa forma rasgamos sem pressa os quase 65km da Rod. Fernão Dias (BR-381) que separam a capital paulistana de Bragança Paulista. Na cabine da Pajero além do Alberto e deste que vos agora escreve, estavam também a Alê como motorista, sua irmã Vivi e como presença canina havia o Luvinha e a Diana, vira-latas irrequietos e prontos pra sair de sua zona de conforto em sua residência na Lapa. Os bichos estavam impossíveis e bastante excitados, pois não viam a hora de ter sua porção de caminhada no mato e tava sendo dureza mantê-los tranquilos dentro do veículo.
Pois bem, o caminho natural após abandonar a Fernão Dias já praticamente passeia pelo lado dum dos grandes cartões postais da cidade, o bonito Lago do Taboão, que naquele momento refletia um céu azul límpido espetacular. Aqui é preciso atentar a sinalização sentido o bairro rural de Guaripocaba ou da Marina, onde então abandonamos a Av. Dom Pedro e tomamos a Av. Dr. Tancredo Neves, na esquina dum Habib´s. Dali em diante é tocar sempre na direção nordeste, se mantendo na via supracitada. Mas é somente quando ganhando o asfalto da Rod. João Hermenegildo de Oliveira que temos o primeiro contato visual do serrote daquele dia, elevando suas altas encostas a leste.
Daqui então basta seguir na direção da rodovia, ou seja, sentido a Fernão Dias. No caminho a sinalização indicará a entrada pro bairro da Marina e ali temos nossa primeira parada na padoca local pra bebericar um café fresquinho e mastigar um pão-de-queijo recém saído do forno. Ali é possível coletar mais infos, que basicamente se resumem a tocar pela Rua Luiz Fraulo e na esquina com uma igreja entrar na estrada de chão que vai de encontro o pé-da-serra. Pronto.
Rodando pela supracitada precária via, logo ela finda num portão de madeira fechado, lacrado com trocentas correntes e cadeados pra garantir a não entrada de veículos. Encostamos a Pajero sob a sombra do frondoso arvoredo ali próximo e pusemos a nos ajeitar pra pernada, pra alegria da cachorrada, que pulou do carro disposta a andar. Ao lado do portão uma placa avisa laconicamente: “Propriedade particular – Proibida a entrada e proibido acampar – F. 40351727 – Artur e Andrea”. Ficamos ressabiados com o aviso, mas quando vimos um trio de jovens mochilados adentrando no local despreocupadamente, ficamos mais tranquilos.
Sendo assim, adentramos na propriedade pelo vão do lado do portão e tocamos pelo estradão de chão morro acima. O início é relativamente plano, mas daí tangencia uma propriedade e dali se pirulita começa a ladear as dobras da encosta, ganhando altitude lentamente. A estrada é bem precária, alterna trechos asfaltados com terra cascalhada, bem esburacada, e onde acredito que só um bom carro tracionado consiga transitar sem problemas. Conforme se ganha altitude, a paisagem ao sul vai se abrindo num belo vale onde se vê uma fazenda, enqto do outro lado a encosta exibe seus íngremes campos de capim salpicados de enormes pedras. Esse é o visual recorrente de toda ascensão.
Mas conforme o tempo passa a subida ganha contornos similares ao Pico do Urubu (Mogi) e até do Lopo (Extrema) ou
Pedra Grande (Atibaia), vizinhos ilustres mais próximos. A subida se mostra viável tanto pela estrada de chão como por oportunas trilhas que servem de atalho nas largas curvas de encosta. E alternando estrada e trilhas fomos ganhando aos poucos a montanha. O interessante de ir pelas picadas era que se cruzavam focos agradáveis de mata sombreada, grutas formadas pela junção de enormes blocos de pedras e até pequenas nascentes que vertiam seu precioso liquido pelas dobras estreitas da serra.
Mas apesar de estar ganhando altura, em tese, com mais rapidez, nosso progresso foi bastante lento. Isso se deu por conta ao forte e inclemente calor daquela manhã, que parecia irradiar do chão; e ao visível descondicionamento da Vivi, que precisava descansar a sombra a cada 5 minutos. O penúltimo trecho foi pela estrada, onde havia oportunas mangueiras de irrigação que salvaram a pátria quando a água acabou. E onde os cachorros fizeram a festa ao se lançar nos brejos ou poças a beira da via. Outra particularidade dali era que a subida era marcada por vários pontos pitorescos, todos com uma rústica plaquinha, por exemplo, a “Toca do Seu João”, entre outros.
Nesta parte do trajeto, cruzamos com uma possante picape que subia e parecia ser do dono da propriedade ao lado da companheira. “Sabia que é proibido vir aqui? ”, ele falou pra gente. Foi aí que o Alberto tomou a dianteira da conversa e onde engatou animada prosa com o rapaz, que revelou ser o tal Artur da placa do início da trilha (e consequentemente a moça ao lado deveria ser a tal Andrea). Ele frisou que qualquer ascensão ao morro deveria ser previamente agendada, e isso visava apenas precaução contra baderna e depredação. O passeio daquela manhã era sua ronda rotineira. Pra isso ele nos deixou o telefone, portanto anotem ai: (011) 99593-1351. Como reparou que éramos apenas caminhantes nos deixou prosseguir. No entanto, presumo que os moleques que vimos no comecinho devam ter tomado um sermão menos amigável.
Pois bem, com sinal verde voltamos então a nossa empreitada. O trecho final era terrivelmente íngreme, o que demandou esforço sobre-humano pra Vivi, mas sempre bem acompanhada e incentivada pela Alê, foi ganhando morro acima mesmo arrastando a língua. Mas felizmente este penoso trecho era agraciado pela brisa fresca que vinha do sul. E assim, após cruzar um descampado onde vaquinhas pastavam e outro mais florestado, mas agradavelmente sombreado, chegamos aos 1270m do ponto culminante do serrote, onde havia duas torres repetidoras da Embratel e nenhum visual devido a mata alta do entorno. E agora, José?
Dali sugeri ao Alberto ganhar uma trilha no pasto que havia no suave selado que interligava aquele cume com outro menor, porém mais generoso em paisagens do entorno. E assim foi, coisa de 5 minutos de sobe e desce suave, alcançamos os 1220m do amplo segundo topo do Guaripocaba. O largo espaço do cume é forrado de pasto, onde antenas dividem espaço com pedras e monólitos rochosos de todos os tipos e tamanhos. E foi ali que nos jogamos na sombra duma arvorezinha, estatelados numa laje onde deu pra todos relaxarem o corpo. Mas o melhor mesmo dali era a estupenda vista da região, que contemplava toda Bragança Paulista e, logo atrás, o abaulado Morro do Leite-Sol; o espelho d’água da Represa do Jaguari, seguida de Atibaia e o recorte escarpado da Serra de Itapetinga; e finalmente as encostas abruptas da Serra do Lopo tendo aos pés a minúscula cidade de Extrema.
Era quase meio-dia e meio e era hora de voltar. Como a subida nos tomara cerca de duas horas deduzimos que a volta nos tomaria metade desse tempo. Mas o pior era o calor que fazia naquele horário, que nos obrigara a tomar quase todo o precioso líquido dos cantis. Com a Vivi se arrastando, a Alê morrendo de sede (pois havia dado boa parte da porção dela pros cachorros, igualmente sedentos) e o Luvinha com um machucado decorrente dum arame farpado, creio que apenas eu, o Alberto e a Diana estávamos ainda inteiros.
Mas felizmente o problema da água veio meia hora após começo da descida, onde tropeçamos com uma das benditas mangueiras borbulhando o precioso liquido a margem da vereda. Dali fomos cortando por diversas picadas na descida, boa parte delas ziguezagueando a encosta em meio a grandes rochedos. Na verdade, tomamos um dos vários trechos utilizados pela galera adepta do mountain bike, já que o Guaripocaba tem vários roteiros de downhill mapeados. Isso sem contar algumas vias de escalada projetadas no setor oeste do morro.
Chegamos no carro bem antes das 14hr, felizmente bem antes dum negrume fechar o firmamento de forma sinistra, faiscando lampejos de trovoadas que culminariam numa forte (e breve) pancada de chuva. Dali nos despedimos do morro e tomamos a via asfaltada que num piscar de olhos nos deixou na Fernão Dias, ladeando a base da serrinha que havíamos percorrido horas antes. Na volta, uma breve parada num dos tradicionais “postos de pamonha” da rodovia, onde garantimos um merecido refresco pra molhar a goela, um salgado e, de quebra, uma linguiça que nos lembrasse de nossa passagem por Bragança.
O Serrote do Guaripocaba é programa sussa e tranquilo, mas é preciso estar atento ao detalhe do agendamento de acesso, uma vez que quase todo o pico é propriedade particular. Contudo, depois do rolê tomei conhecimento de outros acessos menos complicados pelo contraforte norte, via Morro Grande de Anhumas e pelo bairro do Guaripocaba, a nordeste do pé da serra. Como a região é repleta de grutas e lapas, pra minha surpresa existe até um sitio arqueológico descoberto recentemente, a “Toca da Paineira”, cujo acesso é pelo bairro mencionado acima. Mas esses daí são detalhes pra você descobrir uma vez que minha modesta intenção era apenas subir o morro do mesmo jeito que fizera muitos anos atrás. Que a simpática serrinha tenha ampliado suas opções com mais atividades outdoor é uma boa noticia. E certamente é mais uma razão pra retornar lá outra vez.
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