A Serra das Cabras é uma simpática morraria que serve de divisa natural entre Joaquim Egídio e Morungaba, cidades que orbitam á leste de Campinas. Grande parte de sua área faz parte de uma APA e seu ponto culminante, o Monte Urânia (mais conhecido como Pico das Cabras), é tomado não apenas por um observatório e um parque-museu de astronomia, mas também por belos mirantes e rochedos pitorescos. É uma serra que guarda semelhanças com a Pedra Grande de Atibaia não só em aparência, mas também em acessibilidade. Isto é, os 1.080 metros do seu cume podem ser vencidos no conforto de um veículo ou mediante trilhas que nascem nas proximidades de Morungaba, que é o tema deste relato. Eis aqui um rolê de quase 17 km bem andados que palmilhou este simpático morrote que deixa Campinas mais pertinho do céu, e que consegue a rara façanha de unir ciência e natureza.
O céu azul dominava totalmente o firmamento e o sol já brilhava com força quando a gente zarpou de Sampa, pouco antes das 9hrs. No carro, eu, a Lau, a Cris e a motora Myrna conversávamos trivialidades enquanto seguíamos pela Rod. dos Bandeirantes (SP-348) deixando a urbe pra trás. Em Jundiaí tomamos a Rod. Engº Constâncio Cintra (SP-360) via que nos agarramos até o final, mesmo com uma breve parada em Itatiba para um rápido desjejum regado a pão na chapa e um pingado.
A verdade é que após rodar quase 120 km nem chegamos a entrar em Morungaba, cidadezinha que integra o Circuito das Frutas e deve seu nome a uma abelha. Pouco antes do portal de entrada á cidade abandonamos o asfalto e tocamos por uma estreita via que passou por uma estação da Sabesp e finalmente nos deixou no Parque das Estâncias, bairro rural morungabense. Estacionamos o veículo do lado da simpática Igrejinha de Santa Clara, arrumamos as mochilas, esticamos aqui e ali e começamos oficialmente nossa chinelada. Horário? Pouco antes das 11h! Altitude? Quase 720m!
Retrocedemos então até o asfalto da SP-360 passando pela Estação de Tratamento de Água local, onde o precioso líquido é captado pelo borbulhante Ribeirão dos Mansos, até a altura do portal de entrada da cidade. Dali tocamos por uma estrada de paralelepípedos á esquerda, que logo dá lugar a uma poeirenta estrada de chão, sempre indo na direção sudoeste como se fossemos de encontro ao sopé da elegante serra que se eleva majestosamente á nossa frente. Ladeamos um belo laguinho, cruzamos uma porteira e uma casinha, acenando cordialmente para o proprietário, até finalmente dar num cruzamento a beira doutro lago, desta vez bem maior que o anterior.
Tomamos então o ramo da direita, ladeando o espelho d’água pelo norte agora adentrando numa bela florestinha de reflorestamentos. A trilha nasce pela direita, parcialmente encoberta de algum capim alto, mas de fácil identificação, na direção oeste. Uma vez nela basta sempre se agarrar firmemente e tocar pro alto e avante, de inicio com suave declividade. O caminho então aperta ao subir um íngreme ombro serrano bordejando um vale, em meio a muita mata ciliar entremeada de reflorestamentos. Surgem bifurcações, mas nos mantemos sempre na via principal e que de preferência vai ganhando altitude, aos ziguezagues, por elevada encosta. E assim vamos avançando sem pressa, mas em ritmo compassado.
Pouco antes da cota dos 1000m a trilha suaviza e desemboca noutra maior, bem mais batida. A direção então muda pra sudoeste ao mesmo tempo em que nossa rota bordeja um amplo reflorestamento á nossa direita. Uma bifurcação surge e equivocadamente tomo o ramo da direita, que segue pro norte, porém perde altitude. “Opa, tá errado!”, pensei. Retrocedemos e pegamos a outra via, que num piscar de olhos nos devolve á outra vereda que, mais batida, finalmente vai na direção desejada, ou seja, pra sudoeste, ainda subindo de forma quase imperceptível. Sim, as ramificações podem confundir um pouco, mas tendo um mapa e bússola á mão é fácil dirimir qualquer dúvida que por ventura possa haver.
Por volta das 12h45min o caminho tangencia as largas aderências da chamada Pedra Partida, e é aqui que temos nosso primeiro pit stop do caminho, neste que é o ponto mais alto de todo rolê. O lugar é um amontoado de rochas e pedras, sendo que a maior está literalmente partida e forma uma ampla cavidade que faria a alegria de qualquer skatista, tendo em vista as largas rampas do seu amplo formato côncavo. Poças esverdeadas no miolo contrastam com a claridade porosa da pedra, formando uma composição no mínimo curiosa. Goles de água se misturam a mordidas em sanduíches enquanto apreciamos a linda vista á nossa volta. Ali do alto dos quase 1080m, a paisagem privilegia basicamente o quadrante norte, com toda morraria verdejante daquela zona rural em evidência, tendo alguns vestígios de urbe de Campinas mais pra noroeste.
Revigorados, retomamos a chinelada pouco depois agora perdendo um pouco de altitude até finalmente cair na Estrada do Capricórnio (também conhecida como Estrada do Observatório) que é a via de chão batido pela qual se acessa oficialmente o alto da serra. Uma vez nela bastou se manter nela mais um pouco, percorrendo tranquilamente a crista serrana em meio a eucaliptos perfilados, na direção sudoeste. Assim, quando era por volta das 13h30min chegamos à entrada do Parque Pico das Cabras, um interessante museu astronômico a céu aberto que promove atividades educativas referentes aos corpos celestes, inclusive observação dos mesmos. Bem do ladinho está o Observatório Municipal de Campinas Jean Nicolini, um dos primeiros do gênero a ser implantado no país e passível de visitação mediante agendamento prévio.
Pois bem, como nosso intuito não era astronômico retrocedemos um pouco pela estrada e desviamos de um cercado pra nos embrenhar capinzal abaixo, de modo a contornar os limites do parque supracitado. Tocando pro sul pela suave encosta logo encontramos uma precária trilha que se pirulita em meio ao arvoredo e nos larga numa vereda mais larga e batida, que claramente é um caminho do parque pouco visado ou abandonado. Daqui basta se manter nessa trilha sempre pro sul, mas aqui temos uma saída providencial de nossa rota apenas pra conhecer três ilustres pedras do Pico das Cabras: a da Águia, Agulha e a Pedra Mor. Então simbora!
Tocamos por uma via que ganha altitude e penetra no extremo sul do parque, bem afastada da muvuca dos telescópios, radares e sede administrativa, claro. Aqui não tem erro, pois o caminho é evidente, óbvio e inclusive bem sinalizado. Subindo por rampas de rocha e alternando breves trechos de trilha em meio a arbustos chegamos ao pitoresco conjunto de pedras das quais se destacam a da Águia e a da Agulha. A primeira leva este nome, pois inúmeras aves costumam pousar em seu abaulado topo, enquanto a segunda se destaca mais por ser proeminente e pontiaguda, quase se assemelhando a um míssil pronto pra decolar! Horário? Apenas 14hrs! E ali no alto dos 1050m tivemos nossa segunda parada pra descanso e lancho, estatelados num agradável gramado á sombra dos enormes monólitos de pura rocha. Ah, a paisagem dali privilegia as instalações do parque de um lado, enquanto o outro exibe a continuidade daquela verdejante serra, já em declive, salpicada por algumas fazendas. Á título de curiosidade, do simpático bichinho que empresta seu nome ao pico não vimos sequer à cor, mas dizem que tem alguns dentro do parque.
Depois de um bom tempo lagarteando na sombra – e mais uma rodada de lanche – tomei a iniciativa e mandei todo mundo levantar o traseiro de modo a dar continuidade ao rolê. Mas antes disso, durante a volta, tomamos uma breve picada que cruzou um pequeno foco florestado do topo e num piscar de olhos desembocou nas amplas e largas aderências da Pedra Mor, um enorme e belo mirante de pura rocha que lembra muito aquele da Pedra Grande de Atibaia. Com vista panorâmica de 180 graus de todo quadrante sul, a paisagem contempla um sem número de colinas e morrotes forrados de mata, com destaque pras serrinhas de Itatiba e, ao longe, a Serra de Itapetinga e a do Japi, respectivamente a sudeste e sudoeste. Do lado direito da pedra sai uma vereda que, em coisa de 20min, leva a uma pequena bica e uma área de acampamento, rolê que abrimos mão por considerar desnecessário e por falta de tempo mesmo.
Voltamos então ao caminho principal ás 15h, mas não sem antes dar uma olhada no vale que teríamos que descer do alto doutro belo mirante alocado na lateral da trilha das pedras. Um verdejante vale que se estreitava entre as abruptas dobras serranas na direção sudeste! Pois bem, uma vez na trilha tocamos naquela direção e num piscar de olhos penetramos na mata, inicialmente descendo de forma suave, passando até rente á base da Pedra Mor. Mas não demorou a declividade apertar e a trilha se tornar não apenas uma vala erodida, mas também coberta de mato em alguns trechos. Não bastasse, surgem bifurcações que me obrigam a consultar não só a bússola como também a carta e o GPS do celular (quando tem sinal!), apenas pra conferir nossa localização. Sim, o caminho é bem mais rústico e confuso que a subida anterior, mas nada que alguém com mínimo conhecimento de navegação artesanal não resolva.
Depois de descer um bocado, na cota dos 850 a trilha desvia abruptamente e muda de rumo pra leste, ainda perdendo altitude de forma imperceptível. Mas depois de cruzar um exuberante vale por onde corre um afluente do Córrego das Palmeiras, a chinelada ganha novamente altitude, abandona a mata ciliar e vai de encontro numa vasta área de reflorestamento. Aqui surge uma bifurcação trás outra, mas no geral todos os caminhos levam pro sul, onde existe uma estrada principal. Sempre me guiando pela sagrada bússola, cruzamos mais um pequeno vale, ladeamos um simpático lago, cruzamos mais um bosque de eucaliptos e finalmente desembocamos numa via de chã, á sudeste.
Uma vez nesta estrada de chão foi só acompanhá-la pra nordeste, galgando as colinas seguintes e tangenciando a entrada de algumas fazendinhas e sítios esparsos ao sopé da serra. E enquanto caminhávamos pela abaulada cumieira – distanciados uns dos outros onde cada um seguia seu ritmo – dei uma última olhada á Serra das Cabras, que agora reluzia os tons alaranjados de final de tarde, recortando o horizonte verde do céu azul. No cruzamento seguinte tomamos a via da direita, isto é, aquela que se mantém ainda pra nordeste.
E assim, devagar e quase parando, chegamos finalmente no limite sul do Parque das Estâncias, pouco depois das 17h30minh. Dali até onde deixamos o veículo foi outro piscar de olhos. Num mercadinho perto dali tivemos um merecido pit-stop de descanso e bebemoração pela proveitosa e bem sucedida empreitada, onde ficamos coisa de uma hora. Na sequência embarcamos na caranga e zarpamos rumo a Paulicéia desvairada, aonde chegamos pouco antes das 21hrs após alguns perdidos e tomadas de vias equivocadas nas rotatórias da SP-348. Sim, tivemos mais perdidos no trajeto de carro que na trilha propriamente dito. São as ironias deliciosas de quem costuma trilhar.
A Serra das Cabras corresponde ao ponto mais alto de Campinas e é facilmente acessível mediante estradas de terra locais. Ou através das várias veredas que partem das proximidades da pacata Morungaba, como a mencionada neste relato. Existem outras tantas espalhadas ao longo do morro que fazem a festa dos motoqueiros e bikers de plantão, que por sinal são os que mais frequentam estes contrafortes serranos por conta das grandes distâncias envolvidas. Mas são trilhas confusas e repletas de ramificações que podem confundir o andarilho de plantão, mas como disse acima, nada que um pouco de conhecimento de navegação básica não resolva. Ou quem sabe este seja apenas mais um tempero para uma aventurinha mais adrenada nesta simpática serrinha onde Campinas teima em querer encostar no céu.
1 comentário
Interessante suas trilhas e aventuras…estou afim de fazer varias delas,vc nao tem gravado no wikiloc?ou usa qual referencia para fazer estas trilhas?