O Poço do Simão 1

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Durante mto tempo a Fazenda São Simão ocupou-se em extrair da mata nativa original q forra td setor sul da Serra do Garrafãozinho a matéria prima necessária pra produção de papel, no século passado. O tempo passou. A fazenda terminou desativada e, enfim, abandonada. Restou, no entanto, dentro de td área q abrange sua gde propriedade a estrada principal de manutenção – hj parcialmente tomada pelo mato – dos outrora reflorestamentos. Desta brotou uma rede de trilhas e veredas, costumazmente utilizados tanto por caçadores como esporádicos andarilhos, q levam a vários lugares interessantes desta borda de planalto mogiano limitada pelo Rio Itatinga. Bucólicos recantos como o Poço do Simão, enorme piscinão de cor acobreada a apenas duas horas de caminhada do asfalto, ideal prum banho refrescante num domingo de sol.

Nem só de perrengue exaustivo de dia cheio vive o trilheiro. Com apenas parte do domingo disponível pro mato a pedida ideal praquele dia certamente era curtir o Poço do Simão sem qq pressa, local q sempre ignorei e passei batido nas outras ocasiões em q estivera na região, mais precisamente o Rio Itatinga. A trilha era relativamente curta e ainda sobraria algum tempo pra explorar de sopetão as picadas transversais próximas antes de retornar a tempo de alguns afazeres ao anoitecer. Pronto, desta vez meu corpo decerto agradeceu, pois teria um desconto no quesito perrengue e, exclusivamente, desta vez se privaria de retornar com dores musculares, espinhos nas mãos ou ralados pelas pernas.

Eram exatas 9hrs qdo eu e a Carol pusemos os pés na Balança, precisamente no km 77 da SP-98, mais conhecida como rodovia Mogi-Bertioga. Enqto observávamos o busão dar meia volta e retornar pra cidade, ajustávamos as mochilas às costas e amarrávamos o cadarço das botas pra em seguida nos colocar em marcha, poucos minutos depois. Aquele dia amanhecera encoberto de brumas, mas no decorrer do período o ligeiro aumento de temperatura foi dissipando a nebulosidade permitindo generosas aberturas de céu azul e sol forte, quente e radiante.

Na segunda curva após iniciada a pernada abandonamos o asfalto e nos embrenhamos pela tradicional picada q introduz à antiga Faz. São Simão, q por sua vez serviu de núcleo pruma extinta industria de papel. A picada nada mais é q a estrada de acesso à sede da fazenda, sempre sentido sudoeste. Contudo, com a desativamento da mesma não tardou pro mato tomar conta dela pra transformá-la, enfim, em numa vereda. Picada esta q se mantém bem batida por conta não apenas dos esporádicos trilheiros q aqui circulam e sim pela gde freqüência de caçadores q se embrenham aqui, região conhecida como Serra do Garrafãozinho e Sertão Novo.

O inicio é aberto e a picada, bem larga. O avanço, apesar dos onipresentes brejos e charcos, é bastante desimpedido e a pernada rende horrores. A medida q nos afastamos, o ruidoso som dos automóveis da rodovia logo deu lugar ao relaxante murmúrio do Rio Biritiba-Mirim, q acompanhamos boa parte do trajeto bem à nossa direita, ora longe ora afastado. Ruído hipnótico este eventualmente quebrado pelo canto metálico das arapongas. É imperceptível, mas a caminhada neste trecho inicial é uma subida. Tremendamente imperceptível, mas estamos ascendendo sem ter noção disto. Nossa única percepção é o do zunido irritante de inconvenientes mutucas orbitando nossa cachola.

Meia hora depois, já quase na porta de entrada do miolo dos contrafortes da Serra do Garrafãozinho, reparamos no aumento de tamanho da vegetação à nossa volta. Da mesma forma, é impossível não constatar q o terreno estabiliza no q parece ser um bosque de pinheiros. Surgem bifurcações pros lados, mas nosso sentido é sempre pra sudoeste, nos mantendo na picada principal, cada vez mais estreita. O Biritiba-Mirim parece ter ficado bem longe, desta vez em definitivo.

A vereda agora começa a descer indefinidamente, bordejando as encostas mais elevadas da serra. A constatação q palmilhamos uma antiga estrada aqui se torna mais evidente com a presença tanto de um esporádico (e precário) calçamento de pedras como do gde e inconfundível corte vertical na encosta do morro q ladeamos. A vegetação é cada vez mais densa e exuberante, e novamente somos brindados com a cia do som de nascentes despencando dos contrafortes ao redor, tdas tomando a mesma direção nossa. O unico obstáculo no caminho é alguma mata tombada, mas nada do outro mundo q possa simplesmente ser contornado com facilidade.

As 10:20hrs o terreno nivela no q parece ser o fundo do vale. Uma decrépita pinguela sobre um belo riozinho se interpõe no caminho. A mesma não passa de duas toras de madeira besuntadas de limo e recobertas de mato, com alguns pregos fincados de modo a servir de “agarra” pros pés. Apesar de curta e breve, esta “travessia de ponte” tem q ser feita com cuidado pra não despencar rio abaixo. Mas respirando fundo, com jeitinho e paciência sempre dá. Vista de baixo, a pinguela se mantém em pé sustentada por dois pilares em ambas as margens, primorosamente construídos pra essa finalidade e q vagamente evocam uma cena de “O Senhor dos Anéis”. Guardadas as devidas proporções, claro.

Uma vez do outro lado a picada acompanha o riachinho em nível pela direita, mas depois de um tempo ele se afasta de vez pra termos sua cia de novo somente bem mais adiante. Pela carta, este simpático e cristalino regato provavelmente é um dos gdes afluentes sem nome q abastece o majestoso Rio Itatinga. A caminhada prossegue em nível atravessando um extenso reflorestamento de pinnus, até q as 10:45hrs tropeçamos com uma inconfundível e antiga caixa dágua, atualmente tomada pelo mato em seu interior. Telhas e algum material de construção carcomido pelo tempo se encontra espalhado ao redor, assim como restos de fogueira.

A pernada se mantem no mesmo compasso, tranqüila e desimpedida, ate q finalmente, as 11hrs a trilha nos leva a outra pinguelinha decrépita similar a anterior, onde a forma de atravessar fica a critério do andarilho; esgueirando-se cautelosamente pelos troncos ou descer ao leito e ir por baixo mesmo, q é o q nos fazemos com a devida sensatez. Por sua vez, o rio q corre sob a pinguela parece diferente do anterior não somente pela mansidão de suas águas como tb pela colocação acobreada das mesmas. Mas td indica ser o mesmo rio cruzado anteriormente, após o dito cujo serpentear bons trechos de encosta de mata primaria e secundaria, carregando td sorte de material orgânico e gde qtidade de sedimentos pelo caminho.

Mas o melhor de td é q sob este decrépito pontilhão encontra-se, enfim, nosso destino daquele dia, o Poço do Simão. Um enorme piscinão cor de coca-cola onde o referido regato acumulou prodigiosamente suas águas, com direito a uma pequena prainha fluvial e uma oportuna clareirinha. Fachos esporádicos de luz natural as vezes são despejados sobre o imenso espelho dágua, q por sua vez reflete tds os niveis de gradação da tonalidade rubra imagináveis, variando do escarlate escuro até o um amarronzado dourado, quase ferruginoso. Td isso emoldurado pela bucólica e belíssima mata, q aqui é um misto de mata nativa com belos exemplares de pinheiros apontando pro céu. Pausa pra descanso, lanche e tchibum, embora a agua estivesse tinindo de gelada.

Após mastigar salgados, kiwis e carambolas, e de “descansar” estapeando as chatinhas mutucas típicas desta estação, retomamos a pernada um pouco depois do meio-dia. Desta vez resolvemos acompanhar os extremos da picada transversal à principal, isto é, a trilha q segue ao longo do riachinho q represa o Poço do Simão. Pra começar nosso rumo foi rio abaixo e não deu nem cinco minutos a picada desembocou num acampamento de caçador (ou palmiteiros) desativado. Uma clareira de tamanho considerável dividia espaço com algum lixo e mtas lonas de plástico no chão. Material diverso estava disperso aqui e acolá, mas em suma era uma boa área pra futuro pernoite em barraca, pois comporta perfeitamente umas 4 fácil fácil. Aparentemente a trilha termina ali, mas procurando bem ela cruza o rio e continua na outra margem, sentido oeste. Mas a gente fica somente ate aqui por questões de tempo enxuto, dando mais um motivo pra aqui retornar e prosseguir pela vereda noutra ocasião exclusivamente pra isso.

Retornamos ao Poço do Simão e desta vez rumamos no sentido contrario, isto é, rio acima. Aqui a picada apesar de nítida, encontra-se com mto mais mato tomando conta dela. Acompanhando o regato por um tempo, constatamos q a picada bifurca apenas uma vez, e sentido sul, provavelmente indo pro Rio Itatinga ou pra Represa do mesmo nome. O ramo principal termina numa clareira menor q a anterior, igualmente com sinais de acampamento desativado, só q bem menor. Uma fugaz e efêmera entrada de luz solar pela copa das arvores transforma imediatamente aquele belo lugar, e o rio ganha uma cor dourada impar, digna de floresta encantada.

Após quase 15min retornamos desta breve exploração de reconhecimento do entorno do poço e empreender, enfim, o caminho de volta pra casa. Claro q prometendo retornar com mais tempo pra mais explorações. No caminho, paramos novamente pra dar uma olhada nas trilhas q atravessam perpendicularmente a velha caixa dágua e encontramos, além de uma gde área plana ideal pra acampar, mais restos de material dos mais diversos, desde sapatos antigos, latas, cobertores puídos, frascos de remédios (ou algum produto químico) e mto material de construção apodrecendo.

É incrível como ao tomar o caminho de volta alguns detalhes q passaram desapercebidos na ida surgem escancarados na nossa frente. Por exemplo, logo depois de transpôr novamente a primeira pinguelinha (desta vez por baixo), encontramos uma picada discreta saindo pela esquerda. E qual nossa surpresa em topar com não somente uma, mas duas “esperas” (tocaias) de caçador quase q ao lado da picada principal! Pois é, provavelmente os mateiros usavam esses postos não apenas pra caçar bichos mas como tb vigiar (do alto das árvores) a entrada de gente da região. E se tinha aqueles ai certamente deveria ter bem mais espalhados pela mata.

Pronto, missão cumprida. Agora sim empreendíamos o retorno definitivo subindo td serra novamente pra depois descê-la sem pressa alguma, dando adeus aos contrafortes do Sertão Novo e Garrafãozinho. Ou melhor, com alguma pressa sim, enxotados pelas nuvens de pernilongos q subitamente surgiram do nada. Chegamos, enfim, na Balança por volta das 15:30hrs, apenas pra ter de esperar mais uma hora o busão pra Mogi, espera esta feita na maior tranqüilidade degustando os salgados e brejas do quiosque local. A tarde naquela beirada de serra alternava seu aspecto entre nublado claro com frestas de céu azul e sol forte. Na longa jornada de retorno a paulicéia desvairada q tínhamos pela frente, ainda paramos em Mogi pra forrar o estômago e bebericar mais duas brejas. E conforme o previsto, chegamos em Sampa no começinho de noite, a tempo dos afazeres previamente programados.

A picada principal tem mtas outras bifurcações antes de desembocar no Rio Itatinga, tds perfeitamente passiveis de futuras explorações e programas tanto de um como de dois dias. Tem a borda oeste da Garganta do Gigante, o Ribeirão Grande, o Morro do Tenente, a nascente do famoso Rio das Pedras e até uma descida completa do próprio regato q represa espetacularmente o aprazível Poço do Simão. Enfim, programas de tds os níveis é o q não falta nesta região pouco conhecida. Só mesmo desta forma pra aproveitar o triste legado deixado pela Fazenda São Simão, onde cabe agora aos andarilhos manter vivos os caminhos (e descaminhos) onde outrora apenas botas extrativistas pisaram o chão úmido desta bela borda de planalto da Serra do Mar mogiana.

Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
http://jorgebeer.multiply.com/photos
 

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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