Obê-Opê, Segunda parte

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Da Represa até o Vara Mato Perrengueiro


A manha seguinte começou nublada, com o termômetro marcando 7ºC, mas mesmo assim levantamos cedo, as 5:30. Tomamos café despreocupadamente e deixamos as mochilas engolirem o equipamento pra zarpar a seguir, as 7:30. Continuando pelo alto da serra, através do descampado de pasto ralo, logo pudemos observar, a sudeste, a pequena Lavras Novas. O trilho é bem batido e depois de meia hora começa a descer suavemente a serra em direção ao arraial. Porem, seguimos pra leste de forma a tangenciar o arraial, atravessar uma estrada de terra e continuar em direção a um trilho visível q descia um largo (e aberto) vale e logo se enfiava na mata ao pe dos morros, bordejando os enormes e imponentes rochosos pela direita, a leste.

Chegando no trilho, bastou descer o vale e atingir um riachinho, onde havia uma pequena represinha com um aqueduto aparentemente desativado. Na seqüência tomamos um trilho q se enfiava na mata, subindo os morrotes seguintes. Aqui tivemos a breve cia do Marco, um local q buscava lenha e com quem pegamos algumas infos. Qdo a trilha estabilizou, no topo do morro, demos de cara com uma precária estradinha de terra, onde tomamos à direita, q continuava pela crista em direção ao sul. Não tardou muito e logo, a esquerda, havia um trilho bem batido (marcado por uma plaquinha) q descia pra leste, nosso objetivo. Tomando este trilho em meio a mata, logo q saímos no aberto a paisagem se abriu de forma primorosa: começávamos a bordejar pelo alto da morraria a belíssima Represa do Custodio, um enorme espelho de água esmeralda encaixotado entre montanhas forradas de vegetação! A vista era realmente linda e a medida q descíamos em direção à sua margem leste, a comparação com qq acampamento em Torres del Paine foi inevitável!

Alcançamos o extremo leste da represa as 10:30, e logicamente foi aqui q fizemos uma merecida pausa. O local estava tomado por alguns jovens acampando no bosque próximo e a presença de poucos veículos significava acesso fácil ate ali, porem me surpreendi em não ver nenhuma farofa naquele local maravilhosamente bucólico. Assim, mesmo com vento razoável correndo por ali, as meninas não pensaram duas vezes em cair na água gelada da represa, eu, após muita enrolacão, tb me curvei a necessidade urgencial de um banho revigorante, mesmo q frio. Depois, lanchamos enqto nos secávamos nas lajotas dispostas na margem como espreguiçadeiras. Enfim, um local pra vir e ficar um bom tempo. Ate ali, foram 41km ao total.
Ao meio-dia deixamos aquele belo local e tomamos a estradinha pelo qual os veículos vinham, q bordejando a represa sentido noroeste iria dar na Fazenda do Manso, na guarita do parque Estadual Itacolomi e em Ouro Preto. No entanto, esse não era nosso propósito e tomamos uma bifurcação (onde havia um marco da Estrada Real), à direita, q em trilho precário bordejava as montanhas e seguia pra Mariana.

E lá fomos nos, margeando as encostas forradas de vegetação das montanhas q inicialmente compõem este inicio (ou fim) da Serra do Itacolomi, ao sul. Inicialmente a trilha-caminho desce suavemente, mas em seguida começa a subir em direção ao topo da serra, passando por algumas bicas e filetes d´água q surgem no meio da mata. Ao atingir o topo da serra, as 13hrs, sem nenhum visual (pq a mata impede), a trilha continua pela crista p/ leste, mas daqui notamos (a esquerda) um precário trilho, quase escondido ate, q sai da trilha e segue no sentido oposto da crista, sentido noroeste. E é por aqui q temos q ir, inicialmente pela crista pra depois continuar pela encosta direita das enormes montanhas q servem de guardiã à represa. O trilho esta visivelmente em desuso mas é obvio. Dose é ter q atravessar (na raça) algum arbusto maior q cresceu ou matacões de bambus e samambaias q despencam de cima da encosta em decorrência das chuvas e vão se acumulando no meio da trilha. E claro q nestas eventuais varações de mato q ficamos recheados de folhagens e, principalmente, carrapichos, q grudam e custa remover ao se enroscarem no cabelo!

Pois bem, andamos um bom tempo por este precário trilho, sempre sentido noroeste e bordejando a encosta, nos aproximando cada vez mais dos imponentes rochosos q dão acesso aos campos altos e ao platozão da Serra do Itacolomi, local de nosso suposto pernoite. No entanto, buscar um selado de ligação ate la q tava difícil. As 14:30 a trilha se amplia e fica mais fácil transitar por ela, ate q fomos nos aproximando de um selado cheio de eucaliptos q aparentemente tinha ligação com as montanhas q deveríamos subir.

A carta q dispunha mostrava uma trilha nele, mas q não encontramos ou q passamos desapercebido. Foi ai q resolvemos atravessar o mato na raça, no trecho mais estreito do selado, ate atingir a montanha. Péssima idéia. Pegamos água suficiente num córrego próximo e la fomos nos! Inicialmente subimos suavemente matas entre os eucaliptos ate atingir um primeiro topo do selado. Foi ai q começou a ralação. A mata tava tão fechada de bambus, samambaias e toda sorte de arbustos espinhentos ou cortantes q obstruíam qq avanço, mas ainda assim fomos abrindo caminho bravamente. As meninas foram guerreiras tb, se alternando na dianteira na árdua tarefa de abrir caminho. E após um tempo nesse perrengue forcado, acabamos chegando num precipício, a poucos metros de atingir nosso objetivo! Morremos na praia! Estudamos desce-lo e subir do outro lado, mas a possibilidade da noite nos alcançar ali era real. Resultado: tivemos q voltar td novamente, frustrados de ver nosso esforço em vão, ralados, cortados, sujos e cansados.

Voltamos à trilha e simplesmente continuamos por ela, bordejando as montanhas seguintes em meio a densa mata, sentido norte. A tarde já estava no fim qdo passamos uma porteira e chegamos na estrada de terra q circunda o Parque do Itacolomi. Acampamos próximo dali, numa pequena clareira do lado de uma trilha próxima, q provavelmente dava em alguma fazenda. A esta altura do campeonato os carrapatos já eram nossa companhia habitual, e descobrir algum na camisa, no saco de dormir ou perambulando sobre a gente era normal. Jantamos assim q o manto negro do firmamento cobriu o vale, salpicando o céu de estrelas e ate de estrelas cadentes, e não demorou muito pra pegarmos no sono. De madrugada acordei em função das coceiras pelo corpo todo (minha barriga parecia panetone!), e me surpreendi com a claridade da lua cheia lá fora, iluminando td vale de tons prateados dos quais se destacavam os majestosos rochosos, próximos a leste, q não conseguíramos atingir o dia anterior.

Da Serra do Itacolomi até Ouro Preto

Levantamos cedo propositalmente naquela manha nublada e encoberta de domingo, principalmente em função de varias decisões a serem tomadas. E foi aqui q me separei das meninas devido a algumas divergências em relação ao roteiro, mas principalmente pelo fato da necessidade das mesmas em retornar ao batente no dia sgte, sem atraso. Da estrada de terra, elas seguiram pela esquerda, alegando q era mais próximo da saída, enqto eu segui pela direita, alegando a mesma coisa. Detalhe: eu q tinha o mapa. De qq forma, não haveria problema algum delas chegar em Ouro Preto, ate pq elas conseguiram carona e chegaram la antes ate do previsto.

Eu, por minha vez, continuei pela estrada sentido norte em direção a Ouro Preto. Mas foi ai, após menos de meia hora de caminhada, q encontrei a trilha (devidamente marcada por fitas azuis) e o selado de ligação q dava acesso à Serra do Itacolomi, a minha direita! Não pensei duas vezes em fazer um ataque ao pico. A trilha sai da estrada e segue pelo selado ate a encosta rochosa, de onde tem inicio uma subida íngreme através de degraus erodidos e muita pedra, eventualmente beirando precipícios. Em pouco tempo alcanço o topo da serra, e dali basta continuar pelo trilho sentido leste, cortando descampados de capim em meio a campos rupestres. O tempo esta totalmente encoberto e não permite nenhum visual, mas o trilho é evidente e obvio. O terreno é aberto e bem exposto, e pelo forte vento q corria aqui, ate dei graças a Deus de termos acampado protegidos naquela noite, pq ali certamente teríamos problemas, sem falar q os pastos estavam totalmente umedecidos por grosso (e frio) orvalho matinal.

Assim, após andar um tempo pela ampla crista de serra com belas sempre-vivas dançando ao vento, as 8:45 finalmente alcanço o guardião de Ouro Preto, o imponente Pico do Itacolomi (“pedra-menina”, em tupi guarani), q fica visível qdo as brumas começam lentamente a se dispersar. Em árdua escalaminhada através das lajotas e pedras chega-se ao seu largo topo, de onde se tem uma panorâmica em 360º da região. Pro norte, porem, um mar de nuvens cobre totalmente a paisagem impedindo avistar Ouro Preto, a apenas 6km dali. Após um tempo de contemplação e descanso volto pelo mesmo trilho, embora pudesse retornar por outro, q descia diretamente pra Ouro Preto (em linha reta), mas q tava ocluído por um forte nevoeiro e não quis arriscar um novo perdido desta vez.

Retornei à estrada de terra em menos de uma hora e dali continuei por ela p/ norte, rumo uma torre da Embratel, onde ela termina. Atrás da torre tem um trilho rochoso q desce o resto da serra, aos ziguezagues, acompanhando postes ate la embaixo. Não tem erro. A medida q ia descendo, o dia clareou de vez, as brumas tinham ido a muito tempo e Ouro Preto surgia na minha frente com td seu esplendor, enfiada no meio da morraria. Olhar pra direita não deixava por menos, com a serra rochosa subindo em diagonal ao Pico do Itacolomi, apontando pro céu. Não é de se estranhar o pq dele ter sido o “farol dos bandeirantes” no passado.

Cheguei na guarita do parque (e no asfalto) as 11hrs, de onde segui pro centrão da cidade. Antes, porem, comemorei com 2 bem-vindas cervejas a empreitada de mais de 60km percorridos num boteco, no bairro periférico de Bauxita. Fiquei um tempão ali, apreciando a bela vista q se tem da Serra do Itacolomi. O boteco tava cheio de locais e jovens estudantes curtindo um pagode, e não demorou em receber convites pra festas nas trocentas republicas q la tem, pra ver o jogo do Atlético e ate pra um churrasco à tarde. Agora eu sei pq a moçada daqui demora uma década pra se formar.. Declinei dos convites (a contragosto, claro) pq tava afim de conhecer aquele museu a céu aberto, considerado Patrimônio da Humanidade. Afinal, já q estava ali fui dar um rolê.

A primeira coisa q faço é me dirigir à Praça Tiradentes e pegar um croqui no Centro de infos turísticas. Francamente, andar por Ouro Preto requer disposição e fôlego, pq qdo não se esta descendo uma ladeira se esta subindo noutra. No entanto, se embrenhar em seus becos, apreciar as muitas igrejas, ver a irreverência da republicas estudantis oferecendo vagas ou simplesmente estar ali já é uma legitima volta ao passado. Me surpreendi c/ o numero de joalherias por metro quadrado aqui. Fui no Mirante, de onde se tem uma geral da cidade e da serra, e na seqüência, de pois de comer algo, fiquei enrolando na Pca Tiradentes, apenas vendo o vai-vem da turistada sentado no monumento ao centro. Não sei pq eu chamava a atenção, quiçá pela enorme cargueira a tira-colo, quiçá pela semelhança com Tiradentes, já q alem de barbado e cabeludo tava bem sujo.. O final de tarde acentua o clima de magia do Brasil Colônia na cidade, mas já era hora de partir. Peguei o busão as 18:50&nbsp, – apenas pra passar mais frio lá dentro q na serra, a noite!? -&nbsp, e chegar em sampa no começo da manha do dia sgte.

Assim, 300 anos depois, as minas de ouro estão quase-vazias. Rebeldia, talvez apenas nas republicas estudantis de Ouro Preto. Contudo, atravessar as montanhas das Gerais de maneira independente, tal qual os inconfidentes, é descobrir q as riquezas naturais dali não deixam por menos àquelas q foram outrora motivo de fartura da região. Alem de ser uma volta no tempo, é constatar q passado e presente podem coexistir na mais perfeita harmonia. E q numa pernada recheada de carrapatos pode ser tb um belo tesouro, principalmente qdo ao percorrer estes caminho se exercita o prazer da descoberta.

Texto de Jorge Soto com fotos de Cleusa Oliveira e Katia Zander
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
http://jorgebeer.multiply.com/photos

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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