Off Road no P.E. Jurupará

0

Abrangendo a região sul de Ibiúna e uma pequena área de Piedade, o PE Jurupará desponta como uma unidade de conservação recente e pouco conhecida, mesmo localizada a apenas 100kms de São Paulo. Criado em 1992 e cujo nome significa “garganta d’água” em tupi-guarani, aproveitamos um dia de tempo ruim pra alcançar descompromissadamente seu pto culminante, o Morro do Descalvado, de suposto fácil acesso. De relevo montanhoso e situado numa região isolada, foi tb a deixa prum reconhecimento inicial do lugar, rasgando suas precárias vias de acesso num raro momento “off-road”. Contudo, mal sabíamos q mesmo rolês “fáceis” podem apertar perrengosamente além da conta.

Eram aproximadamente 7:30hr qdo o Nando e o Rodrigo passaram pra me pegar, naquela manhã de domingo de tempo incerto. O brumado forrava o firmamento enqto a Pajero preta (e repleta de adesivos) do Rodrigo rasgava o asfalto da Rod. Raposo Tavares (SP-270) na direção de Piedade, a 85km dali. A previsão de tempo era desanimadora, por isso q decidimos fazer um primeiro reconhecimento de carro pelo PE Jurupará, indo de encontro ao Morro do Descalvado, onde as poucas infos davam conta de que seu acesso se dava mediante precária estrada de chão. Desta vez não haveria trilha nem maior desgaste com caminhadas (ou se houvesse, seria mínimo), seria tudo feito no possante 4×4. E se sobrasse tempo, esticaríamos a alguma cachoeira próxima. Tem coisa melhor q um trilheiro folgado? Era o caso praquele dia preguiçoso.
Chegamos em nossa primeira parada pouco antes das 9hr, já com fina chuva teimando em fustigar o parabrisa do veiculo. Piedade é uma pequenina cidade fundada as margens duma antiga rota tropeira, cujo nome homenageia uma santa, Nossa Sra de Piedade. Simpática e de ar interiorano, passamos no mercado pra comprar nosso “lanche de trilha”: 1kg de linguiça, 20 pães e carvão. Afinal, trilhar off road consome energia, e precisávamos de bastante proteína animal pra saciar nossa fome pós-rolê. De preferência, bem assada numa grelha improvisada.
 De Piedade zarpamos em direção ao morro, distante ainda 32km, tomando a mesma estrada pra Tapiraí, ou seja, a SP-079. O céu cinzento ora abria e fechava, mas predominantemente permanecia encoberto, envolto naquela nebulosidade clara. E acompanhando sempre a sinalização da “Vila Élvio”, não demorou pra abandonar a via principal em prol de duma vicinal, no caso, a Estrada Municipal Giacommo Bassi, serpenteia a abaulada morraria na direção sudeste. Apesar de asfaltada, a via está tremendamente mal cuidada com trocentos buracos ao largo de td trajeto.
 Mas depois de quase 15km trepidantes finalmente chegamos na pacata e charmosa Vila Élvio, onde fizemos apenas um breve pit-stop pra descanso e breve apreciação do lugar. A Vila Élvio é uma antiga vila operária q imediatamente me lembrou a do Taquarussu, em Paranapiacaba, á diferença q esta era um tiquim maior e seu simpático casario ainda mantém algum comércio rolando. Com inconfundível ar interiorano, o lugar leva o nome do filho dum imigrante italiano q, por volta de 1935, criou ali uma colônia agrícola q orbitasse sua indústria instalada em Piedade. Como seu ramo era o de fabricação de móveis, encontrou ali vegetação abundante pra tocar seu negócio. Próspera, a colônia cresceu  e ganhou contornos de cidade em miniatura, com armazém, padoca, escola, quitanda, etc, q se perfilam ao largo de duas ruas largas. No centro, a Igreja de Sta Terezinha (tb conhecida como Igreja da Vila) se eleva num morro, como q guardando td ao seu redor, por sua vez cercada de verde.
 Hora de zarpar, afinal o tempo fechava cada vez mais. Tomamos então uma estrada de chão q bordejava uma bela represa e tocava pra leste, sempre acompanhando uma plotagem prévia do Nando, q por sua vez dava as instruções pro motora Rodrigo. Despertou-me a atenção um grupo de jipes no sentido contrário. “Será q não guentaram o tranco ou tão voltando mesmo?”, falei pros meus colegas. “E daí? A gente ta com um 4×4 também!”, respondeu alguém. E assim prosseguimos nossa jornada sinuosa em meio a morraria forrada de reflorestamentos de pinnus e algumas pastagens, embora as placas indicando já estarmos nos dominios do PE Jurupará tivessem surgido a um tempo. Despertou-me tb a atenção q apesar de ser reserva florestal, inúmeras chácaras de recreio, pequenas fazendas, sítios e até pesqueiros surgiam a margem da precária via.
 Depois de um tempo subindo e descendo suavemente, a subida apertou de vez, as casas começaram a rarear até sumir de vez e a estrada ficou cada vez mais difícil de transitar. Na mesma medida, os onipresentes reflorestamento deram lugar a Mata Atlântica de encosta, verde e exuberante, e o tempo subitamente fechou de vez! Primeiro um brumado se debruçou sobre a  paisagem emoldurada pelas janelas, depois o flash cegante antecedeu o rimbobar dum trovão, e finalmente o mundo desabou na forma duma chuva torrencial! Foi aí q comecei a ter dúvidas se o 4×4 seria suficiente pra encarar o desafio, na altura do bairro da Fazendinha. Lama tão pastosa como ardilosa cobria a precária estrada, q já tinha enormes buracos, cascalho solto e valas no trajeto. Ainda assim, o hábil motora não se intimidou e mandou ver, decidido.
 O mundo caia lá fora e o continuo sobe e desce chacoalhava fortemente o veiculo. Foi ai q numa descida percebi q o carro começou a virar devagar pro lado e me segurei fortemente nas laterais, esperando apenas o tranco da batida com a alta encosta da margem da estreita estrada. Pow! O veiculo tinha deslizado numa vala e entalado a traseira contra uma arvinha, fechando por completo a estrada. Passado o susto, fomos obrigados a sair do carro e ajudar a empurrar pra q a frente tivesse condições de manobrar. Feito isso, o Rodrigo acionou a tração e, jogando lama por td lado e quase subindo a encosta, conseguiu sair daquela armadilha q quis dar cabo na nossa diversão. Esse parecia ser o primeiro sinal do q viria depois, mas ainda assim teimamos em prosseguir nossa jornada.
 Na sequência, após muito sacolejo aqui e ali, do carro sambar em tds as direções e de vencer atoleiros q deixariam qq jipeiro corado de inveja, começamos a bordejar o q era um verdadeiro abismo, embora a paisagem revelada a nossas direita se restringisse a um véu fino e opaco. Cautelosamente, o motora fez esse trecho devagar enqto este aqui q vos fala rezava pro carro não deslizar desta vez pra direita, mas o intrépido Rodrigo tirava de letra mais um obstáculo, naquela q já não era mais uma estrada e sim uma trilha larga, pois o mato teimava em entrar pela janela. “Meu, a visibilidade ta quase de 10%!”, resmungava ele.
 Não faltava muito pra chegar no cume, tanto q ele era até visível através do arvoredo, bem próximo mesmo. Mas ai o Rodrigo parou pois havia um curto e último trecho de descida e subida íngremes (ambos transbordando de lama e buracos) q nos separava dos 1200m do topo. “Aqui eu vou ter q ir com tudo, e na subida acelerar pra não cair nas valas!”, disse ele. E lá fomos nós, a valente Pajero desceu jogando terra pra td q é canto e na subida ganhou terreno aos poucos, porém patinando pros lados. A adrenalina de tds a mil,claro!
 Vencido este trecho nosso bravo motora  manteve a alta velocidade e, numa curva, eis q surgiu nosso carrasco. Uma árvore tombada obstruía metade da estrada, no qual o motorista não teve tempo de desviar. O tranco do impacto assustou td mundo, apesar do carro possuir um quebra-mato, mas foi qdo vimos fumaça saindo do capô q tivemos ciência da gravidade da situação. Um galho grosso e afiado perfurara (como q com precisa mira laser) o radiador, penetrando justamente no vão do quebra-mato. “Fudeu!”, falamos quase q em uníssono. Rapidamente fomos ver a dimensão dos estragos e percebemos q a grade tava detonada e provavelmente a bomba de refrigeração tb.
 Lógico q nossa prioridade mudou completamente: retornar enqto ainda o veiculo tinha o motor funcionando! A famosa Laje do Descalvado tava bem ali, ao lado, mas de onde estávamos vimos q não se enxergava palmo a frente e dificilmente curtiríamos algo com aquela chuva digna de Noé. Dando as costas ao cume e seu visual panorâmico zero, o Rodrigo fez o caminho de volta, mas desta vez tomando uma via em melhores condições q tínhamos visto antes. Foi uma volta demorada, pois sempre q a temperatura do motor atingia seu limite, eramos obrigados a estacionar pra deixá-lo esfriar e assim prosseguir jornada. Era isso ou fundiríamos o motor, aí sem chance alguma de retorno. Ademais, estávamos num cafundó onde dificilmente um guincho chegaria. Logo nossa esperança era ao menos alcançar um local onde houvesse sinal de celular e uma estrada decente.
E assim, fomos perdendo altitude lentamente trepidando em meio aquela via medonha cercada de mata densa, até q por volta do meio dia conseguimos chegar numa das portarias oficiais do PE Jurupará, a do Nucleo Descalvado, onde explicamos nossa situação ao único guarda-parque de plantão q ali se encontrava. Este gentilmente nos ofereceu um telefone q funcionava (os nossos tinham sinal zero) onde o motorista conseguiu acionar o seguro, q garantiu-nos um guincho e transporte dentro de 2 ou 3hrs!!!  “Senta q isso vai longe!”, pensei comigo mesmo.
 E foi durante essa interminável q aproveitamos pra fazer a nossa boquinha, sob a marquise duma decrépita escolinha abandonada, cujo chão era forrado por fezes de cavalos! Naquele pitoresco e nada higiênico local improvisamos uma grelha pro churrasquinho, enqto o mundo caia la fora naquele dia de frio congelante! Conversando com o guarda tivemos uma noção da situação dali. Desabafou do descaso q o governo municipal tem com o parque, e q faz das tripas coração pra manter aquela base funcionando. Relatou dos conflitos constantes com moradores q ainda resistem no parque. Sim, o Jurupará é totalmente constituído por terras públicas, algo raro na realidade da grande maioria das unidades de conservação: possui grande quantidade de áreas ocupadas – algumas por populações tradicionais que chegaram ao local antes da proteção legal incutida ao território, e outras tantas por ocupações irregulares advindas de especulação imobiliária. E do medo q tem por estar ali naquele cafundó, sozinho! Anda armado e trajando colete pois não raramente um ou outro “mau elemento” de Ibiuna vai ali tentar arrombar alguma propriedade.
 Forramos o bucho sobrando migalhas até pra galinhagem do entorno, a chuva amansou um pouco e nada do guincho. Vendo q estávamos largados até pelo seguro, resolvemos judiar mais do carro do Rodrigo e ver se guentava chegar até Ibiúna. E lá fomos nós numa moribunda Pajero, porém ainda funcional, no q restava de estrada ruim naquele fim de mundo. E tropegamente enfim chegamos no q pode se chamar de civilização, no minúsculo Bairro do Salto, cuja semelhança com Manoel Ferreira (de Biritiba-Mirim) é enorme. Ali, um punhado de casas, uma vendinha e um boteco formam um conglomerado de onde finalmende nasce o asfalto até Ibiúna, coisa de 20km dali. E o tempo fechando novamente…
 Após chamar o seguro mais uma vez , esperar mais 3hr pelo menos embaladas a 5 litros de Itaipava e sandubas com linguiça, percebemos q ninguém ainda iria nos tirar dali. Largados ao deus-dará, resolvemos ir embora dali do contrario passaríamos a noite ao relento e tds tinham compromisso dia sgte. Apóis um trecho de estrada pro veiculo do Rodrigo, aos trancos e barrancos chegamos na estância turística de Ibiúna. Mas ainda 70km nos separavam de casa. Era comecinho de noite e ai finalmente chegou o guincho pra nos “salvar”. Pois é, agilidade no serviço é isso ai! Quase 7hrs de espera! Particularmente cheguei em casa pouco depois das 22hrs, já o resto deve ter demorado bem mais. E daí? Afinal quem ta na chuva é pra se molhar, não?
 Bem, linhas gerais esta primeira (e breve) visita ao PE Jurupará deixou boas impressões, a despeito do perrengue acima descrito. Infelizmente esta enorme unidade de conservação – assim como o PE Itaberaba – transpira um inconfúndivel ar de abandono, não tem estrutura alguma pra receber visitantes, passa por um longo (e moroso) processo de desapropriação de seus inúmeros moradores, e a distância entre seus atrativos é longa e se dá por terríveis estradas de chão. E atrativos tem de sobra (principalmente no setor sul), uma vez q o parque está repleto de cachus, oriundas dos inúmeros rios e as três represas q cortam o lugar. Sem contar nas várias trilhas q estão sendo implementadas, como a do Ribeirão das Onças e do Córrego Malacacheta. Em tese, o parque não está aberto a visitação e pra isto é necessário obter prévia autorização. Mas como é daquelas unidades de conservação repletas de acessos informais nada impede sua entrada (ou saída). Em tempo, um bom veiculo tracionado é fundamental pra conhecer as belezas naturais mais distantes do lugar. E claro, de preferência num dia de tempo bom, seco e ensolarado.
Compartilhar

Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

Deixe seu comentário