Os Refúgios

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Leia a seguir sobre os refúgios de vida silvestre, que funcionam no Brasil como um espelho público dos santuários privados que você conheceu na coluna anterior. Os RVIS são uma realidade ainda nova no país, e devem se tornar mais conhecidos com a visitação de Alcatrazes, nosso mais recente refúgio.

À semelhança de um parque natural, um refúgio de vida silvestre é definido no Brasil como uma área de proteção integral, ou seja, onde não são admitidas atividades de exploração.

Seu objetivo é proteger os espaços utilizados para a existência e a reprodução da flora e/ou da fauna. Diferentemente dos parques, porém, um refúgio pode ocupar uma área privada, desde que o aproveitamento desta não interfira na preservação.

Tabela da Relação de RVIS Federais (Fonte: ICM Bio)

Os refúgios brasileiros foram influenciados pelos national wildlife refuges norte-americanos, que há mais de um século procuram preservar a vida selvagem e, em especial, as espécies ameaçadas, bem como oferecer recreação e educação ambiental. Se nosso sistema de PNs é bastante extenso, o de RVIS é ainda recente e limitado.

Existem apenas oito RVIS federais, todos eles de 2002 em diante (ver tabela). Abrangem uma área significativa de 270 mil ha e têm uma relativa concentração em ambientes marinhos. Nem todos os nossos biomas estão neles representados. A mais recente adição foi o maravilhoso Arquipélago de Alcatrazes, que finalmente poderá ser visitado.

Alcatrazes, o mais Recente RVIS, no litoral de São Sebastião, SP (Fonte: ICM Bio)

A presença de ilhas é explicada pelo fato de que funcionam como um enclave natural, com características diferenciadas. As ilhas tendem a apresentar endemismo na flora e na fauna e acolher espécies migratórias. São então espaços a serem vigiados e conservados.

Você pode estar se perguntando qual a diferença entre um parque e um refúgio. Os parques são em geral criados por sua beleza cênica. Além disto, a preocupação com a proteção ambiental é mais genérica, como conservar uma região de cerrados ou de veredas, um grupo de cavernas, um maciço rochoso ou um conjunto de cânions. E os parques são locais de caminhadas e travessias, diferentemente dos refúgios, voltados para o avistamento ou contemplação.

RVIS da Ilha dos Lobos, Torres, RS (Fonte: Ibama)

Um refúgio se preocupa com espécies particulares: por exemplo, as focas e leões marinhos que aportam na Ilha dos Lobos (RS), as várzeas e os campos úmidos em Campos de Palmas (PR), as fragatas e os atobás que residem em Alcatrazes (SP) ou o grande número de espécies ameaçadas em Una (BA).

RVIS dos Campos de Palmas, Palmas PR (Fonte: ICM Bio)

Neste último exemplo, a área não foi desapropriada, apenas foram impostas limitações ao seu uso, o que não seria admissível num parque. O mesmo ocorre nos RVIS de Campos de Palmas e de Veredas do Oeste Baiano, que é aliás uma área imensa. Nestes casos, o RVIS me parece uma estratégia para ocupar sem desapropriar – gerando portanto grandes conflitos com os sitiantes e fazendeiros.

RVIS Veredas do Oeste Baiano, Jaborandi, BA (Fonte: ICM Bio)

Vou comentar sobre o sistema americano de refúgios. Bem mais antigo do que o nosso, foi iniciado em 1903 com a pequenina Pelican Island. Há talvez duas razões para explicar este movimento.

A primeira foi a preocupação pública com a extinção dos bisões nas pradarias centrais e com os graves riscos das populações de aves plumadas, devastadas pelos caçadores na Flórida. A segunda foram as atitudes do Presidente Roosevelt, que era tão popular quanto preservacionista – e sobre quem falei na minha distante coluna Walden, Muir e Yosemite.

Mas o sistema de refúgios é também gigantesco: nada menos do que 600 unidades, distribuídas por 60 milhões de ha e visitados anualmente por quase 50 milhões de pessoas.

Compare com o sistema de parques nacionais norte-americano, que opera 400 unidades em pouco mais de 30 milhões de ha, com a inacreditável visitação de 350 milhões de pessoas. Os americanos dedicam 10% de seu território a estas duas formas de conservação.

Distribuição dos Refúgios Norte Americanos (Fonte: coastalrefuges.gov)

Mas é preciso notar que eles preservam não só áreas naturais, mas também monumentos nacionais, sítios históricos e espaços recreacionais, e são muito numerosos. Os PN naturais são apenas 59, em quantidade menor do que no Brasil. Já escrevi sobre este assunto na também distante coluna Quanto Vale um Parque? e vou apenas comentar que o sistema americano é mais diversificado, abrangente e popular do que o nosso.

Símbolo do NWRS Norte Americano (Fonte: Divulgação)

O símbolo do sistema de refúgios americano é um ganso voador (ver imagem). Como escreveu a ambientalista Rachel Carson: Onde quer que você encontre este símbolo, respeite-o. Ele significa que a terra atrás do signo foi dedicada pelo povo americano para que seja preservada, para ele e suas crianças, tanto quanto seja possível manter de nossa terra nativa. Gostaria de sentir o mesmo sentimento de respeito ao avistar o logo do Ibama.

Refúgio Nacional da Península do Alasca, EUA (Fonte: wikipedia)

Os refúgios dos Estados Unidos têm um aspecto que se assemelha à nossa Amazônia, onde as áreas das reservas são enormes: o Alasca. Ele concentra metade de toda a área a eles dedicados, pois inclui unidades gigantescas.

Mas é como se tivessem na realidade duas Amazônias, pois as reservas marinhas do Pacífico, nos recifes de corais e no mar aberto, também são imensas. Desta forma, os demais refúgios se limitam a pouco mais de 10% da área total.

Refúgio de Gibraltar na Austrália (Fonte: birdrangers.com)

O conceito de refúgio me parece menos preciso do que o de parque. No Brasil, a reserva biológica e a estação ecológica têm o mesmo objetivo de proteção que os refúgios têm, entretanto não permitindo visitação avulsa e sendo mais voltadas para a pesquisa.

Refúgio Nacional de Grays Lake em Israel (Fonte: shutterstock.com)

No mundo, é também mais difícil entender os sistemas nacionais de RVIS, em comparação com o dos parques naturais. Países como a Austrália e a Nova Zelândia, a Suécia e a Polônia, e mais Israel, Nicarágua e África do Sul têm importantes áreas a eles dedicados – como espero venha a ser o caso do Brasil.

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Sobre o autor

Nasci no Rio, vivo em São Paulo, mas meu lugar é em Minas. Fui casado algumas vezes e quase nunca fiquei solteiro. Meus três filhos vieram do primeiro casamento. Estudei engenharia e depois administração, e percebi que nenhuma delas seria o meu destino. Mas esta segunda carreira trouxe boa recompensa, então não a abandonei. Até que um dia, resultado do acaso e da curiosidade, encontrei na natureza a minha vocação. E, nela, de início principalmente as montanhas. Hoje, elas são acompanhadas por um grande interesse pelos ambientes naturais. Então, acho que me transformei naquela figura antiga e genérica do naturalista.

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