Passagem Oeste

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Julho de 2016 – Alisson Cotrim Wozniak, André (Minhoca) Luiz de Lima, Fernando (Micuim) Hesseln, Gil Abreu de Souza, Henrique (Vitamina) Paulo Schmidlin, José (Chiquinho) Luiz Hartmann, Juliano Santos, Julio César Fiori, Leandro (Bolívia) Pereira da Silva, Michelle Carvalho, Natan F.L.Lima, Ollyver Rech Bizarro, Orisel (Vespa) Curial, Osires (Arame) Curial, Raul (Kerosene) Carneiro Filho e Rodrigo (Xandão) Barbosa.

O tempo não colaborou durante praticamente todo o outono e nas poucas oportunidades que surgiram não encontrei companhia para o perrengue, mas o inverno chegou promissor e não desperdicei a primeira chance de entrar no mato. 
 
O convite veio dos NNM (Nas Nuvens Montanhismo) que aceitaram o Desafio das Vias Históricas para o resgate da história do montanhismo brasileiro através da vivencia direta das novas gerações com as conquistas do passado, promovendo o intercambio de experiências entre escaladores de vários estados da federação. Excelente iniciativa que não aderi por falta de tempo, de competência e excesso de preguiça, mas Marumbi num raro fim de semana com sol é uma oportunidade que não se pode desperdiçar.
 
A farra já começou no trajeto até a Estação Eng. Lange com o Juliano Santos e o Rodrigo (Xandão) Barbosa e prosseguiu na casa do Vita que os NNM estão reformando com afinco, mas se completou apenas com a chegada do Natan F.L.Lima e a Michelle Carvalho algumas horas depois quando o macarrão alho e óleo começava a ser servido com um bom vinho chileno.
 
Lá pelas tantas da madrugada já havia evaporado meio litro de whiskey e dúzias de cervejas quando o Juliano descobriu que esquecera em casa a cadeirinha de escalada e saiu pela vila acordando meio mundo para pedir outra emprestada. No retorno, sem sucesso, ainda conseguiu furar o colchão inflável do Alisson Cotrim Wozniak que chegaria apenas no dia seguinte. A sorte finalmente lhe sorriu pela manhã quando obteve uma cadeirinha por empréstimo de um vizinho que não havia sido despertado na madrugada e partimos para a montanha com o sol alto no céu azul e a cabeça latejando pela ressaca.
 
Seguimos pela trilha vermelha da Passagem Noroeste, mas logo a abandonamos para escalaminhar por um leito seco de grandes pedras roladas pela imensa avalanche que, em tempos remotos, destacou a Agulha do Abrolhos do maciço da Torre dos Sinos. Com uma hora e meia de esforço contínuo já estávamos na base da via Passagem Oeste que se inicia a esquerda, pouco antes do término da estreita canaleta do Desfiladeiro da Catedral. O Natan guiou a primeira cordada pela parede praticamente vertical de 15 metros, exposta e coberta de limo para montar a parada na Laje do Reforço. Segui na mesma linha e a Michelle veio a seguir limpando a via para a segunda cordada do Juliano com o Xandão. 
 
A via Passagem Oeste foi uma iniciativa dos irmãos Orisel (Vespa) e Osires (Arame) Curial que a iniciaram em maio de 1949 e só a terminaram em novembro com a ajuda dos parceiros Gil Abreu de Souza, Henrique (Vitamina) Paulo Schmidlin, Raul (Kerosene) Carneiro Filho e Fernando (Micuim) Hesseln. Com marretas e talhadeiras bateram 13 grampos em 8 investidas, 2 só na investida final quando alcançaram o Pouso do Vagalume já no Parque do Lineu depois de 6:15 horas de escalada. 
 
Curtindo a dolorosa ressaca nem tentamos igualar o tempo dos veteranos que subiram munidos apenas com botas cardadas e corda de sisal com ½” de espessura. Da primeira parada seguimos por uma estreita passagem transversal até alcançar uma diagonal subindo a esquerda por entre vegetação resistente que termina abrupta pouco acima da base de uma apertada chaminé com um pedregulho entalado quase no final que deixava apenas um pequeno espaço para a passagem. Me arrepiou os pelos do pescoço ao lembrar da entalada na Agulha do Diabo, mas não encontrei dificuldade para superar seus 12 metros verticais e chegar na base de uma segunda chaminé bem mais curta e espaçosa. Apesar da maior liberdade de movimentos esta chaminé nos obrigava a  fazer uma manobra de contorcionista na saída quando se tornava necessário alternar a parede de apoio nas costa para desviar de um teto. 
 
Depois de outro trecho de escalaminhada entre taquaras e bromélias chegamos na base da Chaminé Podre que agora é desviada, pela esquerda, escalando uma linha bastante exigente na pedra úmida e lisa, mas superado o crux torna-se menos vertical e leva diretamente ao Parque do Lineu onde chegamos bem a tempo de assistir um belíssimo por do sol com as canhadas cobertas pelo mar de nuvens.
 
Rango, sucos e selfies antes de empacotar as tralhas e contornar o Abrolhos com as lanternas ligadas para reencontrar a trilha da Passagem Noroeste bem mais embaixo. Durante toda a descida a conversa não se afastou da churrasqueira, da picanha e das cervejas que nos esperavam na geladeira. Enquanto o último entrava no chuveiro a Gengis Khan novinha já estava inaugurada e o doce aroma da picanha na brasa se espalhava pela Vila do Marumbi despertando defunto. E o cheiro trouxe também o Leandro (Bolívia) Pereira da Silva com o Alisson e suas cervejas artesanais para completar o time em volta da churrasqueira e prolongar a bebedeira pela madrugada. Notei um significativo estreitamento no vão da porta da casa do Vita quando entrei para dormir, mas nada comparável às chaminés que escalamos naquela tarde. 
 
Novo dia, nova ressaca e os alcoólatras prontos para a próxima. Isto é o que chamo de profissionalismo e só a minha cabeça latejava! Rapidamente selecionamos os equipos necessários para o dia e nos pirulitamos para o Abrolhos, desta vez escalaminhando por uma crista que leva diretamente até as pedreiras expostas do primeiro degrau. Nem todo suor da íngreme subida bastou para evaporar todas as toxinas ingeridas na noite anterior e continuei com o humor duvidoso.
 
Na base da via Cristal Negro encontramos engarrafamento com duas cordadas subindo e uma descendo. Nesta última veio o Ollyver Rech Bizarro que apertou o passo para concluir nessa mesma tarde a Passagem Oeste e carimbar mais duas vias no seu passaporte do Desafio das Vias Históricas. Sol forte e ressaca não ajudam, mas na verdade não entrei nesta via porque conheço meus limites.
 
A Cristal Negro é classificada como 7a e foi iniciada em 1987 por  José (Chiquinho) Luiz Hartmann e André (Minhoca) Luiz de Lima que a protegeram com grampos e chapeletas ao longo dos seus 120 metros. A via é bastante exigente com delicados lances em micro agarras e outros de pura aderência para só facilitar um pouco no final.
 
Desci acompanhado pelo Bolívia assim que os parceiros ganharam vez e iniciaram a escalada em 2 cordadas distintas. Na casa do Vita encontramos a Michelle apanhando para ligar o notebook e procuramos distração até os companheiros descerem da montanha ao final da tarde com seus passaportes carimbados em mais uma escalada bem sucedida. Churrasqueira apitando e nova corrida para limpar a geladeira que ninguém estava disposto a carregar comida na volta. Vi até cena inédita quando quatro cachorros disputavam avidamente o macarrão frio na mesma panela. Só faltaram os grunhidos e felizmente as bebidas haviam acabado na noite anterior. Mais fácil empanturrar burro a pão-de-ló do que os NNMs com cerveja, dos 8 ou 9 porretes que tomei em 59 anos os últimos foram nestas 2 noites. 
 
Quanta irresponsabilidade!
 
 
 
Porto de Cima, Estrada das Prainhas, Estação Eng. Lange, Estação Marumbi, Vilinha, Desfiladeiro da Catedral, Abrolhos, Via Passagem Oeste, Parque do Lineu, Trilha da Passagem Noroeste e Via Cristal Negro.
 
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Sobre o autor

Julio Cesar Fiori é Arquiteto e Urbanista formado pela PUC-PR em 1982 e pratica montanhismo desde 1980. Autor do livro "Caminhos Coloniais da Serra do Mar", é grande conhecedor das histórias e das montanhas do Paraná.

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