Pela borda Leste de Itatiaia

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Longe de Agulhas Negras e Prateleiras, nomes como o rochoso Cabeça-de-Leão, o Pico dos Marimbondos, a bacia do Rio Floresta e o maciço do Gigante são locais totalmente desconhecidos do gde público.

Localizados numa região tão deslumbrante qto inóspita, seu acesso demanda disposição, farejo de trilha e mto vara-mato através de cristas e platôs sucessivos na faixa dos 2600m. Dessa forma resgatamos uma antiga trip do Ângelo e, munido de assessoria pessoal c/ o dito cujo, voltamos pra este rincão selvagem e intocado, bordejando o extremo leste do planalto de Itatiaia. Resultado: uma dura travessia de 4 dias, cujas dificuldades representadas na forma de tempo imprevisível, terreno adverso, assustadoras gargantas de granito e labirintos infindáveis de capim-elefante são tributo mais q justo pra se maravilhar com paisagens q são privilegio de poucos. Uma trip exploratória que passeia acima das nuvens em meio a estes gigantes esquecidos do 1º Parna do país.

RUMO O PLANALTO

O cansaço da noite mal dormida batia forte, mas bastava sentir o cheiro do mato ao redor ou o marulhar do rio q ladeávamos pra nos revigorar e assim dar continuidade a nossos largos passos da jornada q se seguiria pelos próximos 3 dias. Mesmo desfalcados do Eric (q pra variar nos deu cano sem avisar), deixamos Sampa eu, Danilo e Angelo ainda no inicio de madrugada pra estar em Visconde de Mauá quase as 9:30, após subir e descer a razoável estrada de terra q atravessa a Serra da Pda Selada.

Deixamos o carro largado num vale e andamos um curto trecho da cascalhada estrada de chão, imediatamente nos vimos deixando o bucólico rio q costeávamos do alto de sua margem esquerda pra adentrar, enfim, na picada q supostamente nos levaria ao planalto. Ate lá o tempo oscilava entre brumas incertas e aquela nebulosidade clara, passava das 11hrs e nos encontrávamos a 1270m de altitude. Apesar de td esse panorama estava quente, o q era bom sinal.

A picada sobe sem gde declividade tornando o caminhar agradável, em meio a farta vegetação composta principalmente de samambaias e bosques de araucárias, q conseguem filtrar o sol q ameaça sair. Entretanto, surgem varias bifurcações no caminho q podem gerar confusão, mas com bom senso e alguma noção de navegação sabe-se q rumo tomar. Após cruzar um toco q já fora uma ponte sobre um pequeno córrego, a subida parece ganhar alguma inclinação, mas logo torna a voltar à declividade inicial. Um trecho de bambuzal tb pode gerar duvidas, onde a trilha nos fugiu inadvertidamente, mas varando um pouco de mato pra direita a picada é novamente reencontrada, pra felicidade geral.

Assim fomos avançando lentamente, costeando o alto de vales e morros e eventualmente passando pro outro lado, sempre tendo audível algum riacho rugindo do fundo de algum vale. Eventuais frestas na vegetação providenciam alguma paisagem, mas no geral a única visão é da trilha e da mata ao nosso redor. Na cota dos 1475m as paradas tornam-se raras, principalmente&nbsp, em função das nuvens de pernilongos e inconvenientes mutucas, q avançam sem piedade a qq sinal de imobilidade, embora a trilha já nos oferecesse bons obstáculos a serem contornados na forma de mato caído e arvores tombadas. Uma fina chuva parece despencar, mas logo se dissipa dando lugar a mesma nebulosidade clara inicial.

As 13:50 esbarramos num riachinho cristalino, na altura dos 1655m, q molha a goela e refresca nosso rosto suado. Agora a picada sobe indefinidamente uma crista obvia, com mato caindo pra ambos os lados. Mato, diga-se de passagem, cada vez mais baixo, sinal q adentramos aos poucos nos domínios dos campos de altitude. E as 15hrs, na cota dos 1929m, caímos numa picada maior q bastou acompanhar montanha acima. Mas 10 minutos depois emergimos da mata em definitivo e temos uma vista privilegiada do qto foi percorrido ate então, com visus dos vales e montanhas q circundam Mauá . E é aqui q fazemos nosso 1º pit-stop oficial pra lanche, ao som de ruidosas maritacas planando, embora as mutucas insistissem em nos demover desta idéia.

A pernada prossegue de forma tranqüila, sem incidentes, bordejando a encosta montanhosa em nível adentramos num foco de mata onde outro riachinho enche nossos cantis e nos abastece pro pernoite. Saindo da mata logo iniciamos uma árdua subida, em largos ziguezagues, acompanhando uma precária sinalização de totens montanha acima, no mesmo momento em q uma densa neblina toma conta de td paisagem impossibilitando qq visu.

Por sua vez, a encosta é íngreme e o trilho encontra-se bem liso e escorregadio, o q nos faz tomar uns capotes vez ou outra. Ganhamos altura numa encosta q não poderia ter nome mais apropriado: Mata-cavalo. Mas não tarda a darmos, na altura dos 2100m, nos campos de altitude, caracterizado principalmente pela presença abundante daquele matinho rabinho-de-gato, as caratuvas. Mas nossa surpresa maior é encontrarmos tb mto lixo do exercito, na forma de embalagens de bolachas (tipo “Club Social”) espalhadas pela trilha!&nbsp, Enqto isso, o nevoeiro ameaça se dissipar permitindo vislumbres dos maciços ao redor, mas logo tende a nos privar desta vista privilegiada, fechando novamente por completo.

Após subir mais um tanto sempre no mesmo compasso e transpor alguns trechos de espesso capim-navalha, lajes e aderências rochosas, eis q damos finalmente no 1º ombro rochoso da Serra dos Marimbondos, as17:20. O trilho, q agora se torna um sulco bem erodido, sai do capinzal, se enfia na mata e desce a encosta pro fundo vale à oeste, provavelmente ate encontrar a “Rebouças-Mauá”. Assim, na cota dos 2300m, buscamos um bom local pra encerrar o expediente em meio ao alto capinzal, e montamos nossas barracas no centro de um foco considerável de baixos arbustos da crista. Não queríamos ficar muito expostos no capinzal e as voçorocas de altas caratuvas serviriam de proteção suficiente caso ventasse demasiado à noite. Ali tb encontramos mais material militar jogado (ou esquecido) por um tal Cap. Petrônio, ao q parece serem anotações de manobras pela região.

Assim, as 18hr armamos nossas tendas bem próximas e começamos a preparar a janta, relativamente cansados. O tempo lá fora estava totalmente fechado, sem permitir visibilidade alem dos 20m, e nossa esperança era q no dia amanhecesse limpo o suficiente pra podermos navegar visualmente. Torcíamos tb pro Angelo se recuperar de uma forte gripe, e o mesmo cogitava retornar pois afirmava q não gostava de pernar nessas condições já q seu rendimento caia bastante. Enfim, aquela noite foi inteiramente reservada pra rezas e orações coletivas pra q na manha sgte td corresse conforme programado. De resto, à noite choveu e ventou bastante, cobrindo de razão nossa decisão de ficarmos mocozados em meio aos arbustos. Mesmo td isso acompanhado de um frio considerável, dormi feito pedra em meu aconchegante saco-de-dormir, apesar de sentir a parte dos pés ligeiramente umedecida pelo contato com as laterais condensadas da barraca.
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PELA CRISTA DO CABEÇA-DE-LEÃO
O sábado amanheceu radiante, sem nenhuma nuvem no céu. Nossas preces haviam sido atendidas. O sol emergia lentamente das nuvens e despejava seus raios sobre os maciços e vales do planalto q nos cercavam, enqto os vales da baixada, a leste, estavam cobertos por um extenso tapete alvo de nuvens! Animados, mandamos ver um rápido café-da-manhã e arrumamos nossas coisas num piscar de olhos, zarpando assim às 8hrs!

Felizmente, o Angelo sentia-se melhor podendo dar continuidade à pernada conosco.
Assim, continuamos subindo lentamente a extensa e recortada crista da Serra dos Marimbondos, ganhando altura a cada cocoruto vencido, sempre seguindo totens como marcação. Agora não havia trilha, embora houvesse algum rastro de capim pisado aqui ou acolá, e assim avançávamos na raça pelo terreno aberto, navegando visualmente. Um primeiro trecho com forte inclinação foi escalaminhado alternando capim e aderências rochosas, e nos levou&nbsp, a um belo ombro rochoso q serviu de mirante, no qual se descortinou uma panorâmica incrível diante de nós, do alto dos 2430m: ao sul, td crista da Serra dos Marimbondos se estendia em vários morrotes ate culminar num pico imponente, o Pico dos Marimbondos, represando densas nuvens q impossibilitam visu à leste enqto a encosta direita servia de contraforte prum belo platô de capim dourado, à oeste, o belo vale descampado onde as nascentes do Rio Preto correm pro encachoeirados pro norte, ao sopé da desconhecida face leste de Agulhas Negras, ao norte, algum vislumbre das montanhas q fazem parte da Serra Negra.

Após muita contemplação e vários cliques, prosseguimos nossa ascensão pela crista, q lembra muito a do 2º dia da Serra Fina, porém sem trilha. Assim fomos avançando, subindo e descendo continuamente pelo capim e rocha, sempre nos mantendo no alto na acidentada crista, eventualmente desviando de alguns focos maiores de mata ou de enormes blocos de pedra q impediam o avanço. Enfim, bastava apenas bom senso e ficar de olho nos totens dispostos no “caminho”. A medida q subíamos, nos chamou atenção a bela e diversificada flora, como tb a presença em gde quantidade de td tipo de lagartas (de tds tamanhos e cores) nas rochas! Outro destaque foi o divertido berro q o Danilo deu ao quase despencar da encosta.

Dessa forma ganhamos altitude rapidamente e, após um longo trecho final íngreme vencido em curtos ziguezagues, alcançamos o enorme totem q marca o amplo e largo cume do Pico dos Marimbondos, as 10:30hrs!! Ali, do alto dos 2600m de altitude nos presenteamos com um belo descanso e lanche, assim como uma pausa pra ter o rosto soprado pela brisa! O visual lá de cima apenas complementa o do 1º cocoruto da crista, com acréscimos, claro! Alem do vale descampado do Rio Preto ao sopé do maciço de Agulhas, podíamos apreciar detalhes q nos passaram despercebidos desta nova perspectiva: tínhamos vista privilegiada tb do Rancho Caído, antigo refugio hj reduzido a uma clareira com alguns restos de tábuas, um risco obvio cortando o capinzal do platô dourado evidenciava tb a famosa picada “Rebouças-Mauá”, como tb outro risco numa encosta desnuda bem erodida, mais à sudoeste, escancarava a “Rui Braga”, como tb ao sul as brumas permitiam eventualmente visibilidade do maciço Cabeça-de-Leão!

Após um tempo pra beliscar alguma coisa e descansar o esqueleto, ao meio-dia retomamos a pernada descendo a crista q do topo da montanha desce suave pra leste, através do capim. Diferentemente do oeste com céu limpo, pro lado q agora íamos a profusão de nuvens se chocando na montanha não permitiram visu alguma pois tava plenamente fechado, mas o Angelo tendia a nos levar numa sucessão de cristas q, em tese, daria já bem mais adiante da bacia do córrego Floresta (e próximo da crista do Gigante), numa espécie de atalho. Contudo, percebendo q nos dirigíamos num fundo e íngreme vale, resolvemos voltar e descer do topo da montanha no sentido sul, onde pelo menos a declividade era bem menor.

Assim fomos perdendo altitude em meio ao alto capinzal e algumas aderências rochosas, e após atravessar um “mar de caratuvas” caímos num bem-vindo cristalino córrego, onde abastecemos os cantis, na cota dos 2380m. Estávamos, enfim, nas nascentes do Rio Marimbondo as 13hrs, quase no nível do belo e bucólico descampado q serve, por assim dizer, de pequeno vale. O Marimbondo é formado por várias nascentes daqui, pra depois virar pra leste e despencar serra abaixo td encachoeirado rumo Mauá.

Bem, agora tínhamos q ganhar a outra encosta p/ continuar pela crista rumo sul, mas antes tivemos q passar por novo riachinho e um trecho repleto de brejo. Mas o pior viria depois, na forma de um labirinto de enormes touceiras de capim-navalha, onde literalmente “mergulhamos” em suas afiadas folhas&nbsp, e levamos vários tombos por conta do chão irregular. Uma vez q saímos daquele inferno e pisamos em terra firme, bastou seguir pelos lajedos q dominam neste trecho da pernada. Estávamos agora quase na base do majestoso Cabeça-de-Leao, maciço q ganha este nome pq conforme é observado sua face oeste lembra vagamente o “rei dos animais”.

Através de lajedos consecutivos fomos ganhando novamente altura rumo o cume da montanha sgte, num percurso q revelou-se um dos mais bonitos da trip. Repleto de enormes formações rochosas arredondadas, o local me lembrou muito o “Sertão do Cariri”, e me senti no meio de uma enorme mesa de sinuca pré-histórica! O visual q se descortinava a oeste tb foi digno de nota: um bucólico platô repleto de lagos refletindo o céu azul acenava em meio ao capim dourado ao sopé do Cabeça-de-Leao, cercado pelos maciços ao redor num largo e vasto selado, tendo uma nova faceta de Agulhas Negras logo atrás!

Uma vez no alto da montanha, bastou tocar pela sua recortada crista de capim e rocha sentido sudeste, numa sucessão de intermináveis sobe-desce, passando por 4 morrotes no caminho. Pra variar, não há trilha alguma aqui, embora haja alguns totens aqui e acolá. Sempre perguntávamos pro Angelo qdo, enfim, teríamos contato visual do tal maciço do Gigante e ele respondia q seria “a próxima montanha!”, sendo q ouvíamos isso desde o inicio do dia. Mas nossa inata impaciência era recompensada pelo visual q agora tínhamos a leste, onde a bacia do Marimbondo dava lugar à bacia do Córrego Floresta, outro belo platô repleto de charco e capim cercado de pequenos morrotes, onde o córrego homônimo subitamente se debruça na beirada da serra. Ali há uma enorme queda (quase 200m) onde o Floresta despenca verticalmente serra abaixo, sentido Mauá.

As 16:30 damos no topo de uma nova e alta montanha da crista, quase nos 2400m. O tempo já não estava tão benevolente qto antes e as brumas dominavam td paisagem. Daqui vem uma descida de quase 200m ate o selado q dá continuidade à crista, q se espicha ainda pra sudeste. E lá vamos nós, varando mato, capim e arbustos, perdendo altitude rapidamente, capitaneados pelo Danilo q vai abrindo passagem na raça! Eventualmente temos q desescalaminhar trechos mais íngremes, mas sem maiores dificuldades. No caminho, vários mini-sapinhos (ou rãs) despertam nossa atenção em meio ao capinzal.

Uma vez lá embaixo e relativamente exaustos pelo desgaste do dia, ao invés de estacionar no alto capinzal do tal selado jogamos as mochilas num trecho da continuidade da crista onde o terreno era mais plano e o capim, mais baixo. Assim, montamos as barracas as 17:30, na cota dos 2250m. Engraçado foi ver o Danilo e Angelo “brigando” pela melhor “clareira”. Eu estava bem cansado,&nbsp, mãos e pernas raladas e cortadas, mas satisfeito por termos avançado consideravelmente, embora não tenhamos visto sequer aquele tal Gigante. Assim q o dia findou, cada um preparou sua janta e nos recolhemos a nossos “aposentos”, pois o aguardado ataque ao Gigante seria no dia sgte, impreterivelmente. À noite esfriou consideravelmente, teve um breve chuvisco, mas nada de mais. Qdo fui dar uma espiada pra fora me encantei com uma noite limpa, coalhada de estrelas e ainda por cima uma lua cheia iluminando td planalto com seus tons prateados.

Continua com o
ATAQUE AO GIGANTE

Texto e fotos de Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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