Powershot A720IS

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Sexta-feira, estou dentro da mochila e com pilhas novas, à espera que aqueles dois se decidam a sair de casa. Pelos comentários imagino que provavelmente não irei resistir ao frio esperado na Serra da Estrela. Estou determinada a dar o meu melhor, mas não sei se consigo fotografar um dia seguido com temperaturas que podem atingir os -10º!


Sábado toca o despertador e parece que a minha dupla não quer sair do quentinho dos lençóis, algures na Covilhã, mais ainda quando o Paulo abre a janela e vê uma espessa nuvem no alto da serra. Com esforço, decidem-se a vestir as múltiplas roupas que a actividade exige e ainda meio ensonados conduzem em direcção à curva do Cântaro, pouco seguros do que fazer. Finalmente a decisão: “Paramos o carro lá em cima, descemos pelo corredor largo, fazemos todas as cascatas que nos aparecerem pela frente e terminamos com a Cascata do Inferno ”… parecia um bom plano, talvez um pouco ambicioso, mas um bom plano.

Saímos do carro no meio da névoa. O termómetro marcava -10º e a suave brisa gelada que soprava era suficiente para pintalgar de branco as mochilas e as pestanas, que ao piscar quase se colavam!

Rapidamente chegamos à “Cascata das Couves” que aparentava estar em excelentes condições.
Em pouco tempo, o som dos piolets cantava no gelo. Através da minha lente vi-o ali empoleirado, com o ar mais feliz do mundo a gritar “ O gelo está excelente!”. A ela, sentia-lhe a ansiedade. Enquanto assegurava, tentava atabalhoadamente fotografá-lo. Pouco depois estavam pendurados na “Diedro de Cristal”, por essa altura já o sol iluminava um esplendoroso céu azul e eles berravam um para o outro em tom de gozo, “What a glooooorious day!!!”

Chegada a vez da Daniela, ela passou-lhe carinhosamente o casaco de penas, para que ele, ao dar segurança, não gelasse até aos ossos e foi aí que…como resultado de um bolso por fechar, saí disparada a escorregar pela vertente. Via-os cada vez mais longe, mas nem por isso me pareceram muito preocupados com o meu destino. “SPLASH!” Caí desamparada numa ribeira. Encolhi-me na minha bolsa protectora que sentia cada vez mais húmida e fria. Percebi pelas conversas que ouvia à distância que não me viriam buscar de imediato…fiquei confusa, não era eu uma mais-valia? Não quereriam eles as fotos das cascatas anteriores?

Com o passar dos minutos, tive de me conformar com a minha (má) sorte, ao longe escutava apenas o som dos piolets a cravarem-se no gelo.

Estava eu já sem esperanças de sobreviver, quando escutei o ruído de crampons na neve dura, a virem na minha direcção. Eram eles! Só agora vinham à minha procura. Entristeceu-me perceber que ainda assim nem falavam de mim, a sua preocupação era saber como estaria a próxima cascata.

Após o meu resgate, escalaram a custo a difícil “Canalito” e longos minutos depois, subiram uns calhaus e avistaram uma grande cascata ainda fina. Não ia ser desta que a Daniela teria a sorte de fazer a jóia da Estrela, a “Cascata do Inferno”.

Mas ainda havia por ali gelo para subir e aqueles dois estavam imparáveis! Rápida e avidamente, dirigiram-se para a “Cavalo de gelo”, que por se apresentar mais técnica que o normal, ainda deu algum trabalho.

Como se não lhes bastasse, com a noite a aproximar-se rapidamente, decidiram sair pelo “Corredor do Cavalo”, bonita via com alguns ressaltos empinados e um final em neve excelente, a “4 patas”!

Chegaram ao carro já de noite, felizes e a desejar mais dias assim.

Os “mais dias assim” vieram logo no dia seguinte!

O Domingo começou pela “Cascata da Curva do Cântaro”, que apresentava um início vertical, algo duro para aqueles braços cansados das “pioladas” do dia anterior.

Mais abaixo, descobriram gelo e pedras para o dia inteiro, que consideraram fantástico pois a vontade de se meterem em vias mistas era …ENORME! Começaram por trepar os dois largos da “Estrela Nocturna”, excelente para aclimatar os crampons ao granito serrano (bom… os piolets também se aclimataram ao granito, entre gancheios e cóquinadas!).

Seguiu-se o primeiro largo da “Chá das 5”, com um interessante passo de oposição entre gelo e rocha, para caçar o gelo que esperava mais acima. Saíram pelo que apelidaram de “Variante das 4”, um largo deveras interessante para quem gosta de se arrastar pelas pedras e cravar o piolet em…em…qualquer coisa… depois de o esborrachar várias vezes contra o impenetrável granito!!!!

Não contentes, decidiram abrir mais uma via de misto. O primeiro nome que surgiu foi: “O Cóquinador” (ilustrativo, não é??). Mas uns minutos mais tarde, em jeito de homenagem ao dia de São Valentim, a via foi apelidada de “Enquanto eles trabalham, elas ficam no sofá.”!

E eu…cansei-me de os fotografar!

E na Segunda-feira??
Na segunda os esfomeados queriam mais! Mas a neve caiu em força e todas as estradas de acesso ao maciço central foram fechadas! Eles tentaram! Tentaram pela Covilhã e depois por Manteigas, mas a neve sabotou os planos, ao ponto de arriscar o retorno pelo mesmo caminho.

O Carnaval em Manteigas

Ass: Cannon Powershot A720IS
(com alguma ajuda da Daniela Teixeira).

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Sobre o autor

Daniela Teixeira e Paulo Roxo é uma dupla portuguesa que pratica escalada (rocha, gelo e mista) e alpinismo. O que mais gostam? Explorar, abrir vias! A Daniela tem cerca de 10 anos de experiência nestas andanças e o Paulo cerca de 25. A sua melhor aventura juntos foi em 2010, onde na cordilheira de Garhwal (India - Himalaias), abriram uma via nova em estilo alpino puro na face norte da montanha Ekdante (6100m) e escalaram uma montanha virgem que nomearam de Kartik (5115m), também em estilo alpino puro. Daniela foi a primeira e única portuguesa a escalar um 8000 (Cho Oyu). O Paulo é o português com mais vias abertas (mais de 600 vias abertas, entre rocha, gelo e mistas). Daniela é geóloga e Paulo faz trabalhos verticais. Eles compartilham suas experiências do velho mundo e dos Himalaias no AltaMontanha.com desde 2008. Ambos também editam o blog Rocha Podre, Pedra Dura (rppd.blogspot.com.br)

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