RASGANDO A SERRA FINA AO MEIO!!! – P1

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O isolamento, a altitude acentuada, a escassez de água e espaço tornam a Serra Fina uma das travessias + difíceis e emocionantes do Brasil, cujo pto alto é a subida da Pda da Mina, pico culminante da Mantiqueira. Se assim já é difícil, imagine realiza-la no sentido Norte-Sul, transversalmente? Pois foi isso mesmo q fizemos em 5 árduos dias: saímos de Queluz, escalaminhamos o Rio Claro até sua nascente por encostas repletas de mato e pedras escorregadias feito sabão, ate atingir o cume da 4º maior montanha do país, p/ depois descê-la pela crista oposta rumo Bairro do Paiolinho. Radical, selvagem e intensa ao extremo, enfrenta-se paredões verticais íngremes, abre-se c/ facão mata fechada e embrenha-se por mares de capim-de-anta afiados, alem de enfrentar frio e vento cortante c/ temperaturas negativas. Preço justo q se paga p/ fazer parte dos poucos q já conquistaram os 2.798m da Pda da Mina desta forma nada convencional. Td isso emoldurado por montanhas acima dos 2mil metros. Alem de proporcionar novas vistas espetaculares da região + alta do estado, de incontáveis cachus e piscinões de água límpida, esta pernada se caracteriza tb por ser + longa, + difícil,+ bonita. E muito, muito + perigosa.
Fotos José Augusto C.

1º DIA – CHEGANDO NO RIO CLARO
Foram 2 longos anos de planejamento, mas principalmente de negociações c/ o dono da fazenda p/ obter permissão de acesso ao inicio da trilha. Pensávamos q fosse exagero de sua parte, mas estávamos enganados. Tal cautela c/ restrições a estranhos é + q justificada diante das adversidades do trajeto, já q a maioria das pessoas volta dessa travessia s/ concluí-la, de maca. Uma vez assinado um “termo de responsabilidade” cujas clausulas por si já desmotivariam qq um (“..em caso de falecimento..”) c/ itens redundantes alertando dos riscos constantes de lesões corporais, é q bastou combinar datas q coincidissem c/ tempo bom, e pé-na-trilha!

&nbsp,Assim eu, o Ângelo e o Guto desembarcamos em Queluz, onde o Ricardo já nos aguardava, as 12:30. Meia hr depois já sacolejávamos no táxi do Seu Sebastião q – serpenteando morros desnudos por estrada poeirenta – nos permitia 1º contato visual c/ nosso magnânimo objetivo. A enorme muralha da Mantiqueira se impunha de tal forma q nos sentimos acanhados diante de tanta imponência. O sol daquela tarde de quinta-feira e um céu isento de nuvens permitiam visibilidade total da Pedra da Mina, q parece inacessível daquela perspectiva, mas q ao mesmo tempo parecia nos chamar inconscientemente. A montanha nos hipnotizara a tal pto do Ângelo até esquecer seu celular dentro do táxi.

As 13:30 saltamos na Faz. Jaboticabal (500m de alt), onde um rapaz nos recebeu na porteira e a quem entregamos a devida papelada. Uma vez dentro (e + alguns telefonemas) e alguns ajustes finais nas mochilas é q demos inicio à jornada propriamente dita. Dali ainda tínhamos 8 km por precária estrada de terra serra acima, mas felizmente conseguimos carona num caminhão, q compensou nossa saída atrasada de sampa. Sacolejando novamente na caçamba do mesmo, víamos a fazenda ficar cada vez menor lá embaixo, enqto ganhávamos altitude e bordejávamos as encostas de serra forrada c/ mata secundaria. A estrada já é medonha de tão precária q é, obrigando o caminhão a suar nalguns trechos, patinando em enormes piscinas de lama! Aqui calibramos nossos instrumentos p/ medição precisa de altitude e localização, tanto do gps do Ricardo qto dos altímetros do Guto e Ângelo.

Ao chegar numa encruzilhada sinalizada c/ uma placa “Trilha do Rio Branco” (1012m), saltamos do caminhão p/ dar inicio à pernada, as 14:15. Tomamos a estreita estradinha da esquerda e caminhamos tranqüilamente, bordejando c/ aclive imperceptível um morrão, em meio ao frescor de uma gde floresta de eucaliptos. As 14:50 caímos no q parecia ser o “A1”, um pequeno descampado parcialmente tomado pelo mato (1065m). Logo adiante a estrada se afunila + ate se tornar uma trilha larga, onde através da mata fechada podemos ouvir o rugido de um rio, o Rio Claro. Assim, a picada se estreita cada vez + e a mata parece se adensar a pto de invadir a trilha. Após transpor alguns brejos, contornar arvores caídas e atravessar matacões espinhentos de carrapichos, chegamos no inicio da trilha, no “A2”, as 15hrs. Aqui não passa de uma pequena clareira c/ mato alto ameaçando dominar td, não fosse uma discreta placa indicando o inicio da trilha. Entrando na mesma, descemos em meio a um túnel de taquarinhas e muita mata fechada.

Após contornar um enorme bambuzal sob um piso crocante de folhas secas, desescalaminhamos algumas raízes ate dar, finalmente, nas margens do Rio Claro (1098m), as 15:15! Podemos constatar q o rio de fato faz jus ao nome: suas águas são de uma translucidez impar, mesmo encachoeirado, c/ belas e diferentes tonalidades de azul principalmente nos poços! Após uma inicial pausa p/ fotos é q começamos a subir o rio, q neste começo mostra-se razoavelmente fácil de percorrer, s/ gde desnível. Isso significa saltar de pedra em pedra, ora numa margem ora noutra, escalaminhar pedras maiores c/ auxilio dos braços e pernas p/ contornar poços, paredões e cachus maiores, se arrastar por lajes inclinadas escorregadias afim de avançar, e molhar o pé qdo necessário.

Em ambas as margens, encostas inclinadas forradas de muita, muita mata!
As 17:15, já atentando ao horário avançado, notamos q na margem esquerda havia um terreno relativamente “plano” e c/ menos vegetação espessa e alta. Pois foi lá mesmo q estacionamos (1111m), bastando apenas roçar um pouco o capim no chão e alguns arbustos e cipós espinhentos q tendiam a invadir as laterais. Assim conseguimos espremer 3 barracas e eu pude estender minha rede entre 2 arvores. Assim q o vale escureceu e a noite trouxe o frio, trajamos agasalhos a fim de suportar a brusca queda de temperatura. Antes disso, porem, eu já havia comido minha “marmita” e me recolhido à rede, cansado. Os d+ ainda tiveram tempo (e paciência) de preparar a janta no leito pedregoso do rio p/ depois se enfiarem em suas respectivas barracas, por volta das 20hrs.

A noite transcorreu tranqüila, s/ incidentes. Apesar do frio seco e de parecer desconfortável, p/ dormir em rede ao relento basta estar cansado q td passa desapercebido, ainda + enfiado no saco-de-dormir, vestindo roupas extras e pernilongos zunindo no ouvido. De madruga acordei varias vezes p/ me ajeitar na rede, e ficava maravilhado ao ver o céu pontilhado de estrelas e uma lua espiando através das frestas da mata, iluminando nosso acampamento. E ao som hipnótico do marulhar do rio logo ao lado, tendia a dormir novamente o sono dos justos.
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2º DIA – PRIMEIRO DESFALQUE NO QUARTETO
Levantamos naquela fria manha de sexta assim q o sol abraçou o alto dos espigões da serra, as 6:10hrs! Como estávamos ao pé das montanhas, a Pda da Mina não estava visível por haverem outras cristas, tb imponentes, se interpondo no caminho. Apesar disso, o dia estava nublado e começamos a arrumar nossas coisas p/ logo partir na seqüência. Nesse meio-termo, o Guto escorregou numa pedra e caiu parcialmente na água ao tentar explorar uma encosta oposta. Por sorte não foi nada grave, mas encharcou parte da roupa q trajava.

Após um rápido café zarpamos as 8hrs, ganhando inicialmente a margem oposta do rio, q parecia + fácil de transitar. Mas logo a “facilidade” q tivéramos o dia anterior dava lugar a uma sucessão de obstáculos e declividade cada vez maior devido ao afunilamento do vale, tornando o terreno bem + acidentado. Escalaminhar desmoronamentos de pedras enormes p/ avançar em meio a cachus e poções tornou-se regra, demandando fôlego e gde esforço de braços e pernas. S/ falar na atenção redobrada ao encarar trechos “fáceis”: bastava pular de pedra em pedra, não fossem estas besuntadas de limo e lisas feito sabão, e outras aparentemente secas e firmes, mas q eram igualmente traiçoeiras, rolando ao menor contato! Ainda assim, o Guto e Ricardo dispararam na frente, + ágeis, dispostos e confiantes, eu e Ângelo (c/ botas de solado não tão aderente) preferimos avançar c/ lentidão, porem c/ + segurança.

Não tardou e meia hora após nossa saída, ao escalaminhar alguns enormes blocos tombados, encontro o Ricardo caído c/ semblante não muito animador. Me disse q havia escorregado numa pedra, caíra bruscamente sobre o ombro e quiçá bastasse um puxão p/ tentar realocar o dito cujo q, deslocado, seu osso realmente parecia saltar sobre a pele de forma assustadora! Não vou esquecer os urros de dor do Ricardo qdo o Guto e Ângelo tentaram, s/ sucesso, colocar o dito cujo de volta. Não havia jeito, ele tinha q retornar pq seu braço direito estava inutilizado. Pra complicar uma tremenda dor-de-barriga tb o acometia. Entretanto, ele frisava q voltaria, mas q nos não devíamos desistir da trip, embora tal pensamento tb pairasse na nossa cabeça por conta desse incidente. Sendo assim, eu e o Guto ficamos ali esperando, enqto o Ângelo (c/ a cargueira do Ricardo) voltava c/ ele ate o inicio da trilha, de onde este poderia seguir a pé ate a fazenda, e dali ligar prum táxi leva-lo de volta a Queluz.

E lá partiram ambos, as 9hrs, retornando td aquilo q havíamos palmilhado ate então. Nesse meio-termo eu e o Guto ficamos descansando, explorando arredores, tomando conta das coisas do Ângelo ou simplesmente discutindo o ocorrido, enqto afastávamos mosquitos irritantes. O incidente nos havia deixado abalados: primeiro pq o Ricardo era quem tava melhor condicionado fisicamente e agora retornava antes da hora, segundo pq ele era o nosso navegador e usava gps como ninguém, havia plotado os ptos-chave da travessia e era o único q sabia manusear aquele trambolho q agora tava em nossas mãos, de enfeite!!! Ou aprendíamos a utilizá-lo ou nos virávamos estudando atentamente a carta q dispúnhamos p/ prosseguir. Havia um pto de acesso à crista fundamental (q chamamos de “Pto G”), q teríamos q achar de qq jeito, do contrario seriam + 2/3 dias de volta. C/ o Ricardo esse pto seria fácil de encontrar (mesmo c/ mau tempo), mas agora isso era incerto, contávamos apenas c/ nossa experiência em farejo de trilha, leitura de mapas e sorte, principalmente! Seja o q Deus quiser. Continuamos mesmo assim, decididos, afinal não esperamos 2 anos p/ voltar de mão abanando, s/ ao menos tentar chegar ao fim…

Continua em RASGANDO A SERRA FINA AO MEIO!!! – P2 – a seguir.
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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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