Esta é a primeira coluna sobre as intervenções históricas de empresários poderosos para o desenvolvimento da Floresta Amazônica.
A Borracha
Foram os índios da América Central os primeiros a descobrir as interessantes propriedades da borracha natural. Já havia então na Europa a demanda do material para a confecção de ligas e suspensórios. Com a industrialização, vieram os usos em correias, elásticos e mangueiras, além de botas e capas. Aproveitavam o fato de que a borracha era flexível e também estável, uma vez sujeita a um processo de cura.
A borracha natural é extraída através do corte da casca da árvore da seringueira. Resulta um líquido branco chamado látex. Este é o isopreno, o monômero da borracha. Depois, ao coagular, forma-se um polímero, que é mais denso.
Charles Goodyear descobriu em 1839 o processo de vulcanização, onde o enxofre e o calor foram adicionados para tornar a borracha estável e resistente. O material perfeito: barato, flexível, moldável e duradouro. Em seguida, seu maior uso passou a ser nos pneus da nascente indústria do automóvel.
O Primeiro Ciclo
A Amazônia é o celeiro da borracha – no Pará e no Amazonas, e por causa dela no Acre, brotou um extraordinário surto de progresso a partir de 1879. Por quase um terço de século, o Primeiro Ciclo da Borracha tornou Belém e Manaus as mais ricas e avançadas cidades brasileiras.
Esta foi também uma riqueza cruel, que mutilou e escravizou os seringueiros, muitos deles cearenses fugidos da seca. Um contraste entre violência e civilização, como diz Pedro Moreira Salles.
Até que as mudas da seringueira, contrabandeadas a partir de Santarém por um aventureiro inglês, foram plantadas em série na Malásia e no Sudeste Asiático, produzindo uma borracha de produção mais controlada e barata.
Nesta época, foi construída de forma épica a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. Ela evitaria os trechos encachoeirados desses rios, permitindo a exportação da borracha da Bolívia. Este país sem saída para o mar havia nos vendido o Acre, com o compromisso de construirmos a ferrovia. Em 1912, sua inauguração coincidiu com o fim do Ciclo, pois a borracha brasileira deixou de ser competitiva. Conheci em Porto Velho um pequeno trecho turístico ainda em funcionamento, nostalgicamente operado por antigos funcionários.
O Segundo Ciclo
A Amazônia mono produtora entrou em estagnação – no seu rastro, desemprego, êxodo e ruína. Porém, com a II Guerra Mundial, os japoneses invadiram o Sudeste Asiático e cortaram o fluxo de suprimento de borracha para o Ocidente. O Governo americano solicitou ao brasileiro que os seringais amazônicos fossem urgentemente retomados. Foi o Segundo Ciclo da Borracha – aos 35 mil seringueiros desempregados, juntaram-se 54 mil nordestinos, alistados compulsoriamente. A produção necessitava alcançar 2,5 vezes a então existente.
O passado se repete e os homens trabalham para virar escravos, no dizer de Euclides da Cunha. Esse Ciclo é fugaz: dura entre 1942-45, quando a guerra acabou. Os soldados da borracha não tiveram qualquer assistência, 30 mil deles morreram de malária, febre amarela, hepatite ou do ataque dos animais selvagens. E, os que não desperdiçaram a vida, perderam o emprego: no fim desta saga, apenas 6 mil dentre os recrutados retornaram à sua terra natal.
O apogeu do café no Sudeste tornou a região politicamente esquecida – agora foi o tempo dos Barões do Café, não dos Barões da Borracha. E a sombra da miséria uniu-se á da floresta. Com a invenção e aperfeiçoamento da borracha sintética (polibutadieno), a versão natural tornou-se coadjuvante na produção dos pneus. Os pneumáticos modernos deveriam ser duradouros, aderentes e pouco resistentes à rotação. E estes conteriam agora até 20 tipos diferentes de borracha, inclusive e modestamente a natural.
A Ford
Já havia automóveis na primeira metade do século XIX, mas sua produção só evoluiu no fim do século com a criação na Alemanha do motor a combustão. Surgiu no início do século seguinte o Modelo T da Ford, um veículo robusto, seguro e barato. Ford criou em seguida a linha de montagem, com ganhos de processo e de escala. O preço entre o primeiro e o último Modelo T, vinte anos depois, caiu para um terço.
Até Ford, os carros eram artesanais, e ele os tornou integrados, seriais e industriais. Foi no início do século XX a mais lucrativa empresa do mundo, e uma das mais inovadoras. Henry Ford era então o mais rico dos homens. Devo dizer que, na minha juventude, pude conduzir dois de seus grandes êxitos: o Modelo T e o Motor V8, confesso que sem grande perícia.
Mas Ford seguia também um princípio que é pouco comentado: a verticalização. Isso significava que pretendia produzir, ao invés de comprar, os seus insumos, como vidro, ferro e madeira. Talvez os enormes investimentos para a produção do aço deixasse este material fora do seu alcance. Mas não a borracha dos pneus, afinal um produto natural de tecnologia acessível, e aqui começa uma nova história.
A Fordlândia
Em 1927, a Ford adquiriu 10 mil km² em Aveiro no Pará (depois expandidos para 15 mil), nas margens do Rio Tapajós, a meu ver o mais belo dos afluentes do Amazonas. Essa área é do tamanho do Líbano ou da Jamaica. Seu propósito era extrair o látex a partir das seringueiras que seriam cultivadas lá. Entretanto, o solo era árido e pedregoso e as mudas foram plantadas sem o espaçamento adequado. Na floresta, elas são distantes entre si, evitando a concentração das pragas naturais.
Mais tarde, o projeto foi relocado para o solo mais propício de Belterra ao norte, onde desenvolveu-se melhor. Mas o formato do plantio continuou errado, com bosques densos e homogêneos facilmente sujeitos ao ataque das pragas. Deixe-me comentar duas ironias: essas terras ficavam próximas de Santarém, de onde meio século atrás as sementes brasileiras haviam sido pirateadas. E as sementes vieram agora do Sudeste Asiático, pois lá haviam sido melhoradas geneticamente.
Além de ignorar o ambiente, os administradores da Fordlândia também desconheciam o povo que o habitava. Os seringueiros eram sujeitos a horários fixos, anunciados por sirenes, tinham de portar crachás como se estivessem em escritório, eram alimentados por hambúrgueres que detestavam, moravam em casas pré-fabricadas e eram estimulados a participar de bailes e a assistir filmes de Hollywood.
Evidentemente que se revoltaram, revidaram contra os gerentes e só foram contidos pelo Exército. Mas o advento da borracha sintética acabou por sepultar a Fordlândia. A empresa foi indenizada em US$ 250 mil e abandonou o país. Deixou para trás milhares de casas em duas cidades, escolas e hospitais, portos e estradas, inúmeras instalações e 5 milhões de seringueiras.
Mas toda essa estrutura tornou residentes muitos dos antigos trabalhadores. No seu artigo, Pedro Moreira Salles diz que a exploração da Amazônia passou por duas fases, a do extrativismo e a da agropecuária. A primeira extrai recursos da floresta; a segunda extrai daquilo que deixou de ser floresta.
Assim, em especial a partir de 1970, a região tornou-se uma nova fronteira agrícola, com a soja e o gado, que criaram um novo dinamismo na economia local. Enfim, a utopia virou realidade. E, onde esses novos homens não interferiram, a floresta voltou a tomar conta da paisagem.