Saida do Mundo – Rumo ao Vinson

0

Cheguei aqui em Punta Arenas há 3 dias para me preparar para a expedição ao Vinson, a mais alta montanha da Antártica e para mim, a última das montanhas do chamado Sete Cumes, a escalada da montanha mais alta de cada continente.

Mas, apenas agora após uma reunião com o pessoal da ALE, a única empresa que organiza os vôos para o continente Antártico (não a península antártica) que realmente estou sentindo que estou indo. A reunião teve um caráter sóbrio. Se falou sobre preservação ambiental, manejo de dejetos e esse tipo de coisa, mas também se falou muito sobre o que é ou pode se tornar esta montanha se as coisas não vão conforme planejado. Se falou muito sobre o frio e os ventos terríveis que vamos enfrentar e o risco constante de congelamentos de extremidades. E, claro, tudo isso acompanhado de fotos horríveis para fazer “cair a ficha”.

Claro que tudo isso não é novo para mim. Após o McKinley no Alaska, poucas coisas são preocupantes em relação ao frio. Mas, por outro lado, as vezes ao se sentir experiente é que os descuidos acontecem. De modo que foi ótimo ter tido esta palestra. Ela também me mostrou outra coisa que já sabia, mas que foi reforçada. A complexidade da organização desta operação é imensa.

Vamos voar para uma base em pleno coração da Antártica a 80 graus de latitude sul e a pista é de gelo azul. O gelo é tão duro que algumas pessoas estarão a postos para nos ajudar a caminhar até um pedaço com neve onde existe menos chance de escorregarmos. Como não levamos nossos crampons a bordo nossas botas triplas são muito escorregadias. Aí seremos transferidos para uma grande barraca onde, se tudo der certo, em uma hora embarcaremos novamente para um vôo de 45 minutos até o campo base do Vinson. Neste campo inicial existem dezenas de pessoas trabalhando durante os 3 meses que existe a possibilidade de se realizar escaladas ou travessias entre elas cozinheiros, mecânicos, pessoal de comunicação, meteorologia e até 4 médicos. Estaremos em contato diário com esta base durante toda a expedição.

Mas, não foram só más notícias. O tempo está razoavelmente bom e existe uma boa chance de voarmos amanhã as 7 da manhã. E outra coisa, seremos apenas 14 pessoas na montanha, nosso grupo de 6, um grupo alemão e um grupo inglês. Isso, nos dias de hoje, é uma chance única. No campo base do Everest quando escalei estavam ao redor de 500 pessoas, No Aconcagua a cada ano uma pequena cidade é montada no campo base com centenas de pessoas. Mesmo no Mustagata, um 7600 que escalei no ano passado, estavam ao redor de 100 pessoas e isso que é uma montanha remota e razoavelmente desconhecida

Conheci meus companheiros de expedição ontem e aos pouquinhos vamos nos integrando. Com o cancelamento da travessia da costa ao pólo, meu primeiro plano para este final de ano, não tive outra opção que me associar a um grupo internacional para escalar o Vinson e estar em uma expedição assim complexa e razoavelmente longa com gente que não conheço foi nesses últimos meses um fator de preocupação. Mas, creio, tudo correrá bem. Meus companheiros de expedição são fortes e experientes e isso é muito bom. Não é uma coisa boa estar em uma montanha como o Vinson com gente que não sabe o que está fazendo. Isso aconteceu no McKinley onde um canadense decididamente não deveria estar lá. Não tinha nem experiência nem forma física para uma montanha difícil como aquela e atrapalhou o andamento do grupo pelos 20 dias que lá estive.

O líder da expedição é um neo zelandês de ao redor de 50 anos com sete cumes de Everest, dois de Vinson e muitas outras montanhas. Típico kiwi, ele tem um sorriso fácil, um bom humor invejável e uma maneira tranqüila de lidar com tudo. Imediatamente me identifiquei com ele e, creio, é recíproco. O fato de sermos ambos guias e de vivermos nas montanhas cria um vínculo imediato. Tem o Peter, um australiano de 53 anos, triatleta que apesar de não ter um currículo de montanhas muito expressivo, escalada em rocha e gelo e participa de competições de iron man ao redor de mundo e assim escolhe suas férias. Já esteve no Brasil para fazer a de Florianópolis e acaba de chegar do México onde fez uma. Como boa parte dos australianos, o Peter é simpático, falador e boa gente.

A Marion é francesa, tem 40 anos e está acabando um ano sabático de escaladas ao redor do mundo. Tem um vasto currículo de montanhas difíceis como o Pumori no inverno e o Cholatse, ambos no Nepal e não se interessa por completar os Sete Cumes ou mesmo de escalar o Everest. Prefere montanhas com menos gente. Depois de escalar o Vinson, na sequência fará o chamado Last Degree, a travessia dos últimos 120 km do grau 89 de latitude sul até o pólo sul. Como coincidência, fará esta travessia junto com a Andrea Cardona que está chegando na Antártica dia 16 de dezembro e com quem possivelmente encontrarei. Depois disso ela fará o Vinson a caminho de também terminar os Sete Cumes e se tornar a segunda latino americana a completar este feito.
Marion é muito simpática e também acredito que será uma ótima companheira de expedição.

O último membro da expedição que conheci é o Karsten da Noruega. Com 58 anos, piloto profissional, mas com bom preparo físico, alto e magro, ele não poderia ser mais escandinavo. Reservado, calado e no mínimo me achando estranho com minha maneira de conversar um monte, fazer perguntas pessoais e sorrir muito. Respondeu às minhas perguntas brevemente e é dessas pessoas que em grupo como que desaparecem.
O último companheiro de expedição conhecerei amanhã, se voarmos amanhã,. Também australiano, tem trinta e poucos anos e está já na Antártica correndo uma ultra maratona de 100 km.

Punta Arenas é uma cidade sem muita personalidade. A beira de um mar gelado e encrespado, com casas nem bonitas nem feias, não deixa muita impressão em quem a visita. Normalmente ponto de partida para as atrações da Patagônia, principalmente as lindíssimas Torres Del Paine, é um lugar de passagem. Mas, apesar disso, o fato de cruzar na rua com muitos mochileiros me faz imediatamente sentir-me em casa.

O grupo todo está em um hotel bacana, mas como sempre, me sinto mais a vontade em um simpático hostal para onde pretendo voltar ao final da expedição. Ontem sai caminhando para comprar um gravador desses pequenos para registrar meus pensamentos durante a expedição. O céu estava azul com poucas nuvens, mas como sempre por aqui, soprava um vento gelado. Apesar disso estava de camiseta e sem gorro. Acabo de cortar meus cabelos bem curtos para não dar trabalho na montanha onde ficaremos até 20 dias sem banho e sentia o vento na minha cabeça. Um leve cheiro de maresia vinha do mar batido e me sentia vivo e feliz. A poucos dias estava nos Estados Unidos percorrendo o oeste americano em um confortável carro, depois estava em São Paulo por 3 dias vendo amigos e família e agora estou próximo a sair do planeta rumo a Última Fronteira….amo minha vida!

Compartilhar

Sobre o autor

Manoel Morgado é médico de formação, mas trabalha como guia de montanha há 20 anos, atuando em vários países ao redor do mundo. Há 15 anos é montanhista, tendo como ápice de sua carreira a conquista do Everest e também a realização do projeto 7 cumes. Ele nasceu no Rio Grande do Sul, se criou em São Paulo e dede 1989 não tem casa.

Comments are closed.