Sistemas de Equalização e forças envolvidas na montagem de paradas duplas

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Uma breve abordagem sobre as forças envolvidas em sistemas de equalização em “V“.

A idéia deste post surgiu em virtude de uma disciplina da FEF/Unicamp sobre escalada. Na última aula falei
um pouco sobre algumas das forças envolvidas durante uma escalada.

Falamos rapidamente sobre Fator de Queda, sobre a resistência dos materiais
(mosquetões, fitas, cadeirinhas, etc…) e como esse assunto já havia sido
abordado em aulas anteriores, o foco foi dado para sistemas de
ancoragem.

Na escalada em “top rope”, com a corda vindo de cima, as únicas
forças envolvidas no sistema são as forças do peso do próprio escalador.
Como não existem quedas (pois a corda sempre está tensionada), não é
necessário preocuparmo-nos com nenhuma dissipação de energia. É por isso
que na escalada em “top rope”  utiliza-se costumeiramente cordas
estáticas.

Já na escalada guiada, onde existe a possibilidade de quedas, gerando
forças que demandam que a energia seja liberada (para que a força do
impacto seja amenizada), é fundamental que a corda utilizada seja uma corda
dinâmica
.

A maior força de impacto que pode ser gerada no ponto de reunião, ou
seja, na parada, é uma força do tipo “fator 2“, ou seja, quando ocorre uma queda do
escalador que está guiando e este não consegue realizar a primeira
proteção após iniciar a escalada. Em outras palavras, o escalador cai
todo o comprimento da corda que existe entre ele e o ponto de reunião.

Essa energia do impacto será grandemente dissipada na corda, por isso
é importante que ela esteja em condições de realizar o seu trabalho.

A energia restante será dissipada na ancoragem do ponto de reunião
(ou seja, na “parada”).

Um parabolt de 10mm de diâmetro, inserido em um granito sólido, deve
ser capaz de suportar forças de cisalhamento da ordem de 2100Kgf, ou
seja, tecnicamente bastaria um único conjunto de chapeleta+parabolt de
10mm para suportar uma queda do tipo “fator 2″ (que certamente não pode
exceder os 12KN ou algo como 1200kgf).

(veja mais sobre parabolts, chapeletas, etc… em :  www.marski.org/component/content/article…
)

Entretanto, a rocha quebra, pode haver uma falha no material do
chumbador, enfim… usualmente os pontos de ancoragem nas montagens das
paradas costumam ser duplicados. Essa redundância no sistema proporciona
segurança, desde é claro, que seja realizada de forma correta.

A forma correta de montar-se uma parada é chamada de “parada
equalizada em V”.  A “parada equalizada em V” pode ser auto-ajustável ou
pode ser bloqueada. Para saber como montar uma parada equalizada e as
coisas que não devem ser feitas, recomendo a leitura do meu artigo em :

www.marski.org/component/content/article…

Enfim, uma parada auto-equalizavel é montada assim (quando se utiliza
proteções fixas, é claro) :

Quais são as forças exercidas em cada uma das proteções fixas ? Ou
seja, quanto de força cada chapeleta recebe ? Essa força varia em função
do ângulo formado entre as fitas ?

Vejam a imagem a seguir :

Não vou demonstrar como chegamos a esta fórmula mas basta sabermos
que a força em cada uma das ancoragens possui uma relação com a força
exercida no mosquetão mestre (ou base – o mosquetão que irá receber a
força de impacto da queda) e também com o ângulo formado entre as fitas
utilizadas na ancoragem.

Quando este ângulo é bem pequeno, até uns 50 graus, cada ancoragem
recebe uma força de apenas uns 55% da força total. Em outras palavras,
se exercermos uma força de “100Kg” no mosquetão base, cada “chapeleta,
grampo P, etc…” em uma parada duplicada e equalizada em um sistema “V” 
precisa suportar apenas cerca de “55Kg”.

Na medida em que aumentamos este ângulo, as forças na ancoragem
começam a aumentar de tal forma que quando é formado um ângulo de 120
graus, cada proteção fixa suporta 100% da força aplicada no mosquetão
base.

E contrariando o senso comum (que em geral está errado.. rsrsrsrs),
quando passamos dos 120 graus, a força exercida em cada uma das proteção
fixas começa a exceder a força exercida no mosquetão base. Ou seja, as
forças começam a aumentar de forma exponencial !

Existe uma outra forma (ERRADA !) de se montar uma parada que é
chamada de “Triângulo da Morte” ou ainda de “American death triangle” :

Nessa forma de montar-se uma parada ou ponto de segurança, as forças
exercidas nos pontos de ancoragem aumentam de forma mais rápida em
função do ângulo.

Vamos supor que exercamos uma força de “500Kg” no mosquetão mestre.  A
tabela a seguir mostra quanto de força é aplicada em cada uma das
proteções fixas em função do ângulo formado entre as proteções, e faço
ainda um breve comparativo entre uma ancoragem montado em “V” e uma
montada usando o “triângulo da morte”.

Notem que com 120 graus em uma parada montada em “V”, cada proteção
recebe 100% da força do mosquetão mestre. No “triângulo da morte” isso
acontece com apenas 60 graus !

E o gráfico abaixo mostra esse crescimento exponencial :

O que o gráfico acima mostra é que as forças aplicadas nas ancoragens
crescem de forma exponencial em função do ângulo formado. E que em uma
equalização usando o triângulo da morte, estas forças crescem mais
rapidamente…

Disponibilizei uma planilha (em formato Excel) para quem quiser fazer
suas simulações :

http://www.marski.org/downloads/ancoragem.xls

Portanto, pense muito bem quando você for montar sua parada
equalizada usando uma costura guia… em caso de queda “fator 2″ as forças
não serão dissipadas no sistema equalizado e sim apenas na proteção
fixa onde está a costura guia…  se for uma proteção fixa “a prova de
bomba”, não há maiores problema em fazer isso…

Por outro lado, se a parada estiver montada sobre proteções velhas ou
duvidosas, é muito mais seguro que o escalador da segurança esteja
ancorado a uma das proteções fixas e que a corda do escalador que irá
guiar passe por dentro do mosquetão base (ou mestre), dessa forma, em
caso de queda, a força é distribuida nas duas proteções fixas (e não
apenas em uma).

Para saber mais, vale a pena ler o artigo a seguir (em inglês, da
Petzl) :

www.petzl.com/en/outdoor/news/events-0/2…

Abs e boas escaladas seguras !

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Sobre o autor

Davi Marski (In Memorian) Era guia de montanha e escalador em rocha e alta montanha (principalmente nos Andes) desde 1990. Além de guia de expedições comerciais, ele ministrava cursos de escalada em rocha. Segundo ele mesmo "sou apenas mais um cara que ama sentir o vento frio que desce das montanhas". Davi levava uma vida simples no interior de São Paulo e esforçava-se por poder estar e viver nas montanhas. Davi nos deixou no dia 19 de Novembro de 2014.

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