To Rope or not to be

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Nos finais de Julho, durante uma derradeira tentativa de ascensão ao Gasherbrum II, quase fui desta para melhor quando uma corda fixa se partiu sob o meu peso provocando-me uma queda com cerca de 30 metros.


Estávamos aos 7400 metros, a Daniela e eu, muito perto do campo 4 da via normal da montanha. Preparava-me para “rapelar” uma secção vertical de gelo quando a corda se partiu. Felizmente, no meu alinhamento de queda encontravam-se instaladas outras velhas cordas ás quais me agarrei de uma forma instintiva. Saí ileso e o acontecimento não passou de um grande susto.

Mas, esta hitória não é sobre mim ou sobre este “quase-acidente”. Este texto é uma reflexão geral acerca do uso exagerado das cordas fixas em montanhas consideradas comerciais.

Em montanhas populares as cordas fixas são uma constante. São colocadas para assegurar passagens mais verticais mas, muitas vezes servem sobretudo para assegurar a continuidade de uma máquina comercial já instituída.

A nossa experiência nas grandes cordilheiras do mundo ainda é limitada. Talvez por isso sejamos ingénuos. Talvez por isso nos custe aceitar de bom grado certos procedimentos aparentemente normais em montanhas como o Gasherbrum II.

Na passada época, no campo base dos G`s foram realizadas duas reuniões para as quais foram convocadas todas as equipas de expedição. Em diferentes dias, as duas empresas comerciais estacionadas no terreno convocaram toda a gente para combinar uma estratégia de acção com a finalidade de fixar cordas na via normal do GII. No fundo, pediam material, dinheiro e mão de obra para realizar o trabalho.

A grosso modo, a estratégia consistia no seguinte: todos fornecem parafusos e cordas, todos pagam, todos juntos abrem o trilho. Ou seja, organizar uma mega equipa de forma a garantir a submissão da montanha.

Algumas equipas nem se moveram acima do campo 1, esperando que os carregadores de altitude das expedições comerciais terminassem de fixar as cordas.
Um estilo de escalar montanhas que jamais pensámos utilizar. Será assim em todas as montanhas com mais de 8000 metros?

As cordas foram fixas na via normal do GII até ao campo 4 (7400 mts!). Muitas das ancoragens eram medíocres e dos parafusos de gelo “doados” ás expedições comerciais apenas vimos um colocado. As restantes fixações estavam constituídas por estacas de neve, ou pequenas pontes de gelo.

Todos quantos estavam na montanha utilizaram as cordas fixas, com excepção para Piotr Morawski e Peter Hamor , que as utilizaram apenas na descida.
Enquanto aclimatávamos na via normal (com o objectivo de tentar o esporão dos Franceses), também utilizámos as cordas fixas nos passos mais verticais ou expostos. No entanto, somos obrigados a reconhecer que sem as cordas, a dificuldade desta via subiria em flecha.

A existência das cordas nas montanhas reduz bastante a dificuldade de ascensão e garante o cume a muita gente que, de outro modo, não teria capacidades técnicas para a  realizar.

Não se trata de uma visão elitista, até porque não nos consideramos especiais nem alpinistas acima da média. É apenas uma tentativa de análise de um tema de que pouco se fala e que, em nossa opinião choca com o espírito de aventura e descoberta associados ao alpinismo.
Quando iniciados, sempre pensámos que os Himalaias estavam reservados a escaladores muito experimentados. “Só os melhores conseguem subir montanhas acima dos 8000 metros”. Uma afirmação, hoje em dia, muito longe da verdade.

No Gasherbrum, fomos testemunhas de erros técnicos e estratégias muito graves que poderiam facilmente ter conduzido a acidentes mortais. Notámos que esses erros são fruto da inexperiência.

As cordas colocadas previamente pelas expedições comerciais, em grande parte fruto do trabalho de carregadores de altitude, facilitam bastante o acesso ás grandes montanhas. Deste modo, nos dias de hoje, qualquer um com um mínimo de forma física  pode escalar uma montanha de 8000 metros, mesmo o GII que, sem a existência das cordas fixas, jamais seria considerada uma montanha fácil.

Compreendemos a atracção pelo número mágico dos 8000. Nós próprios nos sentimos atraídos por esse marco. No entanto, existem muitas montanhas no mundo, acessíveis a todo o tipo de pessoas e para todos os níveis de experiência.

Acreditamos que deveríamos ter a humildade suficiente para aceitar o nosso nível e escolher objectivos em função da nossa experiência.

Muito se fala sobre o uso ou não do oxigénio mas, pouco se fala no uso das cordas fixas (instaladas por outros), que em muitas ocasiões servem como uma verdadeira bengala. Ao contar a história após voltar para casa deveríamos ser honestos e objectivos e contar as coisas como de facto aconteceram.

O que nos motivou a escrever este texto foram a série de aspectos negativos que presenciámos este ano: a utilização maciça de cordas fixas, as mentiras sobre supostas ascensões, o abandono de companheiros a meio do glaciar, a utilização de carregadores de altitude como objectos descartáveis. Tudo isto nos fez pensar que existem alguns que escalam apenas para alimentar o seu ego sedento de fama e não pelo verdadeiro espírito da montanha.
 
Paulo Roxo e Daniela Teixeira

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Sobre o autor

Daniela Teixeira e Paulo Roxo é uma dupla portuguesa que pratica escalada (rocha, gelo e mista) e alpinismo. O que mais gostam? Explorar, abrir vias! A Daniela tem cerca de 10 anos de experiência nestas andanças e o Paulo cerca de 25. A sua melhor aventura juntos foi em 2010, onde na cordilheira de Garhwal (India - Himalaias), abriram uma via nova em estilo alpino puro na face norte da montanha Ekdante (6100m) e escalaram uma montanha virgem que nomearam de Kartik (5115m), também em estilo alpino puro. Daniela foi a primeira e única portuguesa a escalar um 8000 (Cho Oyu). O Paulo é o português com mais vias abertas (mais de 600 vias abertas, entre rocha, gelo e mistas). Daniela é geóloga e Paulo faz trabalhos verticais. Eles compartilham suas experiências do velho mundo e dos Himalaias no AltaMontanha.com desde 2008. Ambos também editam o blog Rocha Podre, Pedra Dura (rppd.blogspot.com.br)

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