Travessia Buenópolis – Joaquim Felício (Parque Estadual Serra do Cabral)

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A oportunidade de trilhar por um dos biomas mais singulares do Brasil, repleto de registros de eras remotas, cachoeiras, frutas mais ou menos conhecidas, nos rastros e vislumbres da fauna ressabiada, é convite de corar o mais cínico dos montanhistas. Desnecessário dizer que aceitei de pronto.

A proposta era percorrer cerca de 50 quilômetros do cerne do PE Serra do Cabral, em três dias, durante os dias do feriado prolongado de 15 de novembro. Necessário notar que os 835 km entre SP e Buenópolis / MG exigiriam cerca de 13 horas de estrada. De forma que para honrar os compromissos profissionais de segunda, precisávamos iniciar o retorno cedo. Com uma conta de chegada, a partir do horário do último ônibus para Santos (23h25), considerando 1 hora de deslocamento entre o Itaquera e o Jabaquara, nosso horário “limite” de chegada em SP seria 22h30. Para cumprir esse proposto, ajustamos o horário de início do retorno para 9 h do último dia. A altimetria projetada não era expressiva, 1200 m de ganho vertical, em pouco mais que dois dias. Mesmo iniciando a caminhada “tarde”, próximo das 10 h de sexta, o ambiente aberto, sem maiores obstáculos à progressão nos favorecia.

O PESC foi criado há poucos anos, em 2005. Faz parte da Cordilheira do Espinhaço e suas rochas constituem o espigão divisor das águas de dois importantes tributários da margem direita do rio São Francisco: os rios das Velhas e Jequitaí.

Na semana que precedeu a trip, concluí as últimas compras, preparei os mapas de backup, revisei o tracklog com o sentido definitivo e na quarta fui dormir com a mochila pronta. Pretendia trilhar com 1 litro d’agua, reabastecendo nas muitas nascentes que cruzaríamos no caminho. Considerara que a autonomia de 2 litros permitiria atender às necessidades, caso as primeiras nascentes estivessem secas. Não era o esperado, pois chovera na região nos dias precedentes, pelo nosso acompanhamento.

Na quinta ainda, o Cristiano reportou que já estava em Buenópolis e que lá, chovia. O acoplamento entre a previsão numérica e a realidade aumentou nossa confiança que o tempo se apresentaria como projetado: parcialmente nublado, com períodos de sol e algumas pancadas de chuva. Clima espetacular para trilhar pelo cerrado, onde o que mais castiga o andarilho é o sol forte que a ausência de sombras nas cristas não oferece abrigo ao trilheiro. Na quinta passei pela academia, na derradeira tentativa de minimizar a sofrença e depois segui para o escritório. A correria do serviço fez com que o dia passasse célere e as 16h18 iniciei meu périplo em direção ao ponto de encontro, no Tatuapé. Uma rápida caminhada até a rodoviária e 17h25 parti de Santos, no ônibus da Cometa. Nosso horário de partida do Tatuapé 21h30, mas a extensão da viagem e as interfaces necessárias tornam incerto o ajustar de horários, então prefiro sempre chegar com maior antecedência e preocupar-me menos. Felizmente a viagem transcorreu sem anormalidades, de forma que ainda consegui jantar na Liberdade antes de encarar o último tramo entre a Sé e o Tatuapé, chegando às 19h37 na lanchonete de sempre, onde consegui uma mesa, coloquei o celular para carregar e fiquei fazendo hora.

Partimos de SP às 21h37 com 17 lugares ocupados na van, sob a destra condução do Edson. Nosso colega Fernando Nunes tivera uma emergência familiar e precisara renunciar à viagem para dar apoio em casa. Faço votos que tudo tenha evoluído da melhor forma. De passagem por Bragança Paulista, pegaríamos o Ricardo Borges, completando o escol. Dormitei um pouco até Bragança e, dali, embalei num sono mais profundo, acordando apenas para as idas a banheiro e café da manhã, tomado na simpática Lanchonete e Pamonharia BANCO DE PEDRA.

Mais alguns cochilos, agora com o dia claro e pouco antes das 10 h paramos em frente ao pequeno hotel PIMENTA em Buenópolis. Coloquei as lentes de contato, vesti a cargueira e iniciamos a caminhada do primeiro dia. Nossa previsão de percurso era de 22 km com 810 m de ganho vertical. Os primeiros passos foram prelúdio do que seria os dias: passamos primeiro por um pé de acerola frutificando e logo, depois, à esquerda um pé de cajuzinho do cerrado. A primeira placa do PESC, logo ao final do trecho urbano foi alcançada às 10h22, sinalizando os caminhos possíveis ali: Trilha Descobrindo o Cabral, com 10 km de extensão e, nosso objetivo para o almoço, a trilha para a Cachoeira do Riachão, com 8,5 km. Sem dispor de informações do que a “Descobrindo o Cabral” reservava, mantivemos o planejado e seguimos em direção à parte alta da Serra.

Em minutos, deixamos as ruas da pacata cidade e iniciamos a subida da Serra por uma antiga estrada que o tempo e as intempéries lentamente apagam. Algumas centenas de metros encontramos pés de Cagaita, carregados da deliciosa e insidiosa fruta. Consumimos algumas e tratamos de auxiliar na dispersão lançando as frutinhas que não consumimos em direção da mata do entorno. Escudado pela Amanda, subi alternando posição com a dupla Cristiano – Ronald, nas paradas para retomada de fôlego e contemplação da paisagem. Sem forçar o passo, alcançamos a placa 2, onde nos detivemos por alguns momentos, matutando sobre as informações: a “elevação” apontada era na verdade, a altimetria a partir da primeira placa e distância percorrida já permitia supor isso. A elevação desse ponto é 900 metros em relação ao nível do mar. Observando-se a placa, nota-se que a logomarca do PESC, em preto contra o fundo amarelo indica a direção Buenópolis enquanto o logo em amarelo contra o fundo negro indica a direção Joaquim Felício. Pequenos detalhes que podem evitar enormes confusões caso sejam observados.

Seguimos ganhando altitude, apreciando a paisagem e as frutíferas de beira de estradinha que a natureza, frente ao abandono humano, aos poucos retoma. Ora mangueiras centenárias à esquerda, ora um ingazeiro solitário à direita. Pixiricas, abundavam nos trechos com maior fartura d’água, quando a drenagem da estradinha, assoreada, tornava as margens pequenos charcos.

Às 12h52 alcançamos a bifurcação de acesso à Cachoeira do Riachão, onde nossos colegas haviam deixado as cargueiras, partindo de ataque. Nossas mochilas, por sua vez, com o peso bastante otimizado nos permitiam a cautela e a soberba de as mantermos conosco, aproveitando para treinar um pouco mais as pernas e os pulmões. A queda da Riachão, mais apropriadamente uma cascata bastante formosa que forma pequenos poços entre os degraus de rocha.

Na descida encontramos jatobás, cactos coroa-de-frade, e guabirobas, ainda imaturas. Apreciamos um pouco as águas, surpreendentemente tépidas, e retomamos a caminhada, em direção ao nosso ponto de acampamento planejado, nas proximidades do rancho do Riacho das Pedras. A trilha segue bastante evidente até cruzarmos o Riachão, nas proximidades de um humilde rancho. Ali, contorna-se a cerca pela direita e a trilha segue menos batida por algumas centenas de metros. Com alguma atenção, encontra-se os rastros das passagens anteriores, com o complicador de que são muitos os rastros de passagem de gado vacum, grande parte do tempo meio que paralelos, por vezes divergentes.

Nesse trecho encontramos, às 14h10, um pé de Mama-Cadela (Brosimum gaudichaudii – S17.84247º W44.23936º aproximado) frutificando bravamente. Sendo uma planta lactescente, desafia a regra clássica de segurança alimentar – C.A.L. (não seriam seguro para consumo as frutas Cabeludas, Azuis ou Leitosas). Por precaução, apenas provei o sabor e registrei para conferir posteriormente.

Pouco depois, cruzamos uma porteira e seguimos à direita algumas dezenas de metros antes de dobrar à esquerda, no azimute 330º verdadeiro para percorrer cerca de 1700 m com suave inclinação, antes de modificarmos a direção a direção para o azimute 111º verdadeiro e caminharmos beirando o Rio das Pedras à média distância até cruzá-lo, quando encontramos às 15h30, a dupla Emerson e Karine se refrescando antes de prosseguir, na vizinhança do Rancho das Pedras. Dali seguimos mais algum tempo até que, às 14 h encontramos a “Toca”, um arranjado de pedras que soma paredes ao teto de uma lapa, formando um abrigo para descanso da comunidade de coletores de Sempre Vivas que sobrevive do extrativismo dessas flores. Alguns feixes das delicadas plantas estavam abandonados ali, talvez por alguma emergência ocorrida com o coletor.

Logo à frente encontramos um vaqueiro e sua filha tocando uma pequena manada, de cerca de 20 animais que, ao saber da intenção de concluirmos a travessia em Joaquim Felício esclareceu que seguiríamos na mesma direção. Deixamos que se distanciassem algumas vintenas de metros, de forma a não perturbar a lida da dupla.

Os encontraríamos, terminando de desencilhar os cavalos, já no Rancho do Chicão. Não perguntamos, talvez o vaqueiro fosse o próprio. Como o gado manifestava desconforto com nossa proximidade, seguimos rente à cerca, prontos para usá-la de escudo, até a porteira do rancho, onde os cumprimentamos e aproveitamos a porteira do pequeno curral para cruzar a cerca. Seguimos descendo pouco mais de duas vintenas de metros e alcançamos nosso pessoal que já iniciara a montagem do acampamento para aquele pernoite, às 16h40. Muito sabiamente, haviam concluído que não seria a melhor estratégia buscar acampar a primeira noite no Rancho da Cachoeira João Correia, distante ainda cerca de 6 km e que consumiria aprazíveis 2 horas de marcha no dia seguinte. Dessa forma aproveitaríamos melhor o frescor matinal para alcançarmos a cachoeira com os corpos aquecidos, ávidos de um banho refrescante.

Preparei para o jantar uma porção reforçada de purê de batata com molho de tomate, queijos provolone e parmesão ralados, tomates em flocos, alho e cebola. Com o grau de fome adequado, estava muito apetecível. A Amanda preparou um refresco de limão muito refrescante. Traçamos também dois lanches dos que ela levava. Alimentados e aquecidos, caímos para dentro de nossas barracas, para uma noite que prometia ser longa e que permitiria repormos as horas mal dormidas na viagem.

Optara por montar minha barraca num trecho do caminho acreditando ingenuamente, que não haveria outros passantes por ali naquele final de tarde e durante a noite. Ledo engano. Ao longo da noite, perceberia que os transeuntes naquele bucólico acampamento dispunham de tração nas quatro patas… felizmente, fomos adotados por um destemido cãozinho que fez nossa segurança ao longo da noite, sinalizando a aproximação de alguma rês errática e com quase total êxito, a tocando para longe de nossos pequenos abrigos. Mesmo assim, o sono de alguns, no qual me incluo, foi de vigília. Por dóceis que fossem, qualquer dos nossos vizinhos beirava meia tonelada de músculos e patas. A expectativa de ser atropelado por um ou vários desses úteis ruminantes não era nada alvissareira.

A minha espartana barraca, buscando o menor peso, não dispunha de estrutura, exigindo o correto arranjo de todas as ancoragens para se sustentar, de forma que transportá-la para outro local seria um pouco trabalhoso. Pensando à posteriori, devia tê-lo feito, por segurança. Como a preguiça me venceu, acordei muitas vezes ao longo da noite, para verificar os arredores, sempre com receio de, ao lançar a luz da lanterna para a mata distante que faz as vezes de pasto, divisar uma infinidade de olhos brilhantes, convergindo para nosso acampamento. Lembrei-me de Nietzsche sobre o observar de abismos: “cuidado, ele olha de volta pra ti”. A leveza da Plex Solo Classic Tent da Zpacks é excepcional: mesmo com o protetor adicional de piso e as estacas, o peso ainda permanecia abaixo dos 600 gramas. A ausência de estrutura e a parede simples são características que demandam algum aprendizado no uso e, realmente não arriscaria o emprego dela em condições de vegetação mais agressiva.

A Amanda optara por uma barraca tubular, que exige reduzida área de montagem, leve e funcional. Como ponto fraco, permite apenas que se rotacione o tronco, sem dificultando maiores mudanças de posição. Antes de dormir, tratei de colocar os eletrônicos para recarregar, descobrindo que, por qualquer motivo, as proteções do. celular impediam a sua recarga, apontando a presença de água nos contatos. Dessa forma, decidi poupar a bateria do aparelho, para caso fosse necessário.

Apesar dos sobressaltos de uns e outros, muitos dormiram de forma mais despreocupada e, apenas uma vez, uma solitária vaca cruzou o acampamento, muito próximo das barracas. Primeiramente cruzou o riacho e pata ante pata foi contornando as barracas até que, ao ser escorraçada pelo nosso valente segurança, terminou de cruzar o acampamento em desabalada carreira, fazendo tremer o solo e explicitando o poder desses dóceis animais, mesmo em solitário. Faz pensar que a proximidade de uma manada, mesmo que sem nenhum distúrbio ou agressividade dos animais merece cautela, e estar em seu caminho, algo a ser evitado.

 

 

Dia 2

Aproveitando o dia que nascia, 5h10 deixei a barraca para preparar o café da manhã e apreciar o sol que despontava no horizonte. Dispúnhamos de lanches de queijo, frutas frescas (manga, cagaitas e jatobás) e desidratadas diversas, batata frita e doces. Sem pressa, desmontei acampamento, arranjei as tralhas na mochila e auxiliei a Amanda no arrumar de cargueira. Às 6h30 iniciamos o deslocamento, sem pressa, procurando interpretar o tracklog e o terreno para evitarmos o zigue-zague pela parte de charco que havíamos visto os primeiros que partiram fazer. Cruzamos o riacho, e seguindo em direção a origem das vaquinhas que surgiam à noite, logo encontramos um carreiro bem pronunciado que passamos a seguir, ganhando altimetria de forma bastante suave. Após algum tempo, a trilha passa a seguir mais próxima das formações rochosas da esquerda e gradualmente, enquanto subimos, buscamos a orientação norte. Após superarmos o colo entre os dois morrotes, começamos a derivar para direita (rumo NE) até que se tornou possível andar em nível, com o rumo Leste. Nesse trecho, nos afastamos do tracklog de referência, em função de uma manada com comportamento menos dócil. A solução padrão de levantar os bastões e “tocar” os animais com “êêêêê boi” fez com que nos acompanhassem por algumas centenas de metros e procuramos ter com alternativa para proteção a canaleta do rio Embaiassaia, nesse trecho ainda um pequeno riacho. Pouco depois, cruzamos uma porteira e alcançamos o rancho de um dos moradores mais antigos da serra e que nomeia a cachoeira próxima, a João Correia. Ali, na parte mais reservada pela porteira, uma vaca e sua cria pastavam sob a sombra de grandes mangueiras. O acesso ali, é facilitado por uma estradinha vicinal que chega pela direita, ligando com Joaquim Felício.

Numa passada de olhar pelo rancho, me pareceu ver uma jaboticabeira à distância. Nessa hora estávamos acompanhados do Ronald e do Cristiano e deixamos por verificar se era ou não a frutífera no retorno, após visitarmos a cachoeira, antes de retomarmos o trajeto, cruzando o rio Embaiassaia a última vez.

Seguindo pelo rastro aberto algumas centenas de metros, às 8h30 horas, passamos a descer à esquerda pela vegetação em direção ao leito do rio por onde acessaríamos a base da cachoeira. Na descida, as pedras bastante agudas e com pontos que davam impressão de serem escorregadios, minaram a confiança da Amanda na descida segura. Apesar da insistência dela para que eu fizesse o descenso enquanto ela aguardava meu retorno, não me arrisquei a fazê-lo. Há alguns dias, em outra travessia por cânions, ela sofrera algumas quedas e preferia pecar pela prudência. Gosto de trilhar sob elevado grau de segurança e o desconforto dela me serviu de alerta para que respeitasse (mais) a descida. Decidimos retornar e conferir se a impressão quanto à árvore havia sido acurada.

No rancho, não havia apenas jaboticabeiras carregadas: identifiquei, num pomar meio que abandonado, pés de seriguela (imaturas), mangueiras, jambeiros. Talvez figueiras, não quis invadir o pomar para conferir. Fizemos uma pausa para lanche, aproveitando a sombra do pomar. Comemos jaboticabas com fartura antes de retomar a caminhada. Ainda colhi vários jambos amarelos, para comermos mais à frente.

A porteira que daria acesso à sequência da trilha encontrava-se trancada, com um farpado adicional, de forma que passamos por baixo para prosseguir cruzando o rio Embaiassaia. Nessa hora fomos interpelados por dois vaqueiros, um dos quais encontraríamos diversas vezes nas próximas horas. O sr. Jaci, que saberíamos depois ter a alcunha de “Branco do Barro”, ao saber do nosso destino e que estávamos autônomos, sem guia, nos deu algumas orientações sobre os próximos quilômetros.

Cruzamos o rio Embaiassaia e seguimos perdendo altitude de forma suave, com o talvegue do vale à nossa esquerda e uma escarpa rochosa à direita. Ao longe, na parte mais parte do vale, um singelo rancho foi ofertado pelo Sr. JACI (038 99902-5808) como eventual abrigo, em caso de necessidade. Nos detivemos por algum tempo conversando com o simpático vaqueiro, antes de retomarmos a caminhada, buscando um colo entre os morros rochosos.

Uma subida suave nos levou a um trecho mais arenoso, onde seguimos, eu e a Amanda alguns metros à esquerda do grosso do grupo. Já quase no final do trecho, pouco antes de uma voçoroca originada pela erosão pelo que parece uma antiga estradinha, fomos alertados da presença de maribondos que picaram alguns dos passantes. Uma vez que não havia escutado nenhum tipo de ruído que denotasse os insetos e que estávamos a uns 20 metros de distância, mantivemos o rumo e o passo. Logo após cruzar a voçoroca, encontramos uma nova porteira, por onde seguimos praticamente em nível antes de começarmos a perder altitude em direção ao primeiro cruzo com o Córrego da Banana. Nessa descida fomos alcançados pela Fernanda que fizera uma pausa para almoçar e, com base no que entendera combinado no poço da Cachoeira João Correia, às 13 horas, ao passarmos pelo camping originalmente pensado, à esquerda da trilha, seguimos com as cargueiras, buscando o ponto de acampamento alternativo, já nas proximidades da Cachoeira da Bocaina. A Fernanda nos estudos prévios à viagem observara uma área plana, com trechos de areal que supunha ser uma boa alternativa. Alcançamos esse ponto, escondemos as cargueiras da Fernanda e da Amanda às 13h25 e tocamos em direção à última cachoeira da travessia, a do Bocaina.

Nos guiamos pela própria declividade do terreno, buscando o tributário do Bocaina, para através dele, acessar o leito do rio principal.

A descida pela margem esquerda do Córrego Bocaina foi lenta, sempre na expectativa de encontrar algum rastro de passagem pregressa que facilitasse o avanço. Sem sucesso, descemos fazendo mato e escolhendo os trechos onde as lajes rochosas permitiam avanço menos sofrido por entre os cactos e arbustos. Encontramos uma pequena pitaya de mandacaru que degustamos. Mesmo com o avanço pela margem atravancado, chegamos na base da Cachoeira da Bocaina às 14h20.

Descansamos alguns minutos, aproveitando a força das águas para relaxar os músculos em turbulenta massagem e banho antes de iniciarmos o retorno rio acima. Analisando a feição do cânion que havíamos margeado e a dificuldade na progressão durante a descida, optei por fazer o retorno por dentro das águas, e em pouquíssimos minutos, estávamos de volta ao ponto em que deixamos de seguir o tributário do Bocaina para seguir em sua margem.

Assim que deixamos as margens do tributário, encontramos uma pequena manada pastando, nos alertando para a cautela adicional para a escolha do ponto de camping. No ponto de acampamento que havíamos escolhido mais cedo nos informaram que haviam decidido alternar o acampamento dessa noite não para o ponto em que estávamos, mas para outra área mais a frente, após o rancho do Wanderson. A nova posição seria ainda mais próxima da conclusão da trilha, fazendo com que o último dia de travessia demandasse menos quilômetros, permitindo levantar acampamento mais tarde e trilhar os quilômetros finais bem tranquilamente. Optamos por tocar para lá, pois ainda era bastante cedo e estávamos com os músculos revigorados após o banho na cachoeira.

Caminhando sem pressa, encontramos uma fruta-do-lobo ao lado esquerdo da trilha, com marcas dos dentes do maior canídeo do nosso país e importante regulador da fauna de herbívoros. Nesse ponto, saberia depois, que encontraram um pequeno pé de pera-do-cerrado, fruta que procuro observar há um bom tempo. Paciência, não se pode ver tudo com apenas um olhar.

Ao chegarmos no ponto de acampamento para a segunda noite, tratamos de escolher locações planas para as barracas, deixando espaço para os colegas que chegariam mais tarde e que depois saberíamos que optaram por pernoitar no rancho do sr. WANDERSON (038 99893-3359) que além de recebê-los de forma muito hospitaleira, se ofertara para guiá-los a duas lapas históricas. Após montar acampamento, busquei no calçamento da estradinha uma rocha plana para utilizar como base para o fogareiro de combustível sólido (pelo risco de cozinhar com chama aberta ao nível do solo). Preparei para esse jantar uma porção generosa de cuscuz marroquino, com uvas passas, farinha de frutas vermelhas liofilizadas, pedaços de mangas, coco e mamão desidratados. Os pernilongos zuniam em uma nuvem ao redor do acampamento e logo, não havia mais valente fora das barracas. Durante a noite, uma breve pancada de chuva contribuiu para refrescar o ambiente e nos embalar o sono.

 

Já acampados, soubemos que foi plural a interação humano-marimbondos, na base da Cachoeira do Bocaina… Leticia, Karine, Ronald… a lista se estende um bocadinho.

Dia 3

Acordei com o nascer do dia, vesti as roupas de trilha, desarmei acampamento e arranjei as tralhas dentro da cargueira. Em seguida, com a Amanda e o Emerson tendo também terminado de arranjar suas mochilas, partimos à frente dos colegas, pois pretendíamos buscar a “lapa da Santa” a partir da informação recebida na véspera.

Foto: Emerson Takami

O Emerson me acompanhou na busca da tal lapa, enfiando-se comigo numa fenda entre as rochas até um salão amplo, porém de teto baixo, o que parecia resultar do colapso da rocha que formava o do teto anterior. Certos de que ali era a tal “lapa da Santa” tratamos de apertar o passo para alcançar a Amanda que seguia alguns minutos à nossa frente.

O pessoal que viria depois, passariam por dois pontos singulares, guiados pelo Wanderson: a Lapa da Santa e um sítio arqueológico com pinturas zoomorfas.

Foto: Willian Marcelino.

Nesse finzinho de trilha, ainda encontramos pés de araticum, mangaba e cagaita, os dois últimos com frutos maduros. Subimos até a base das antenas, para tentarmos sinal telefônico e tranquilizarmos os familiares antes de retomar a caminhada em direção à simpática cidadezinha que as curvas e mirantes nos permitam divisar, algumas centenas de metros abaixo da nossa posição. Após alguns quilômetros, deixamos a estradinha e pegamos um começo de corrida d’água, que por sua vez, mais à frente segue como trilha, com as águas escorrendo à direita.

O trecho de descida mais íngreme rapidamente nos levou ao Mirante do Cristo, onde dois Arcanjos trombeteiam a ressurreição do Nosso Senhor. Chegamos às 8h36, tomamos “banhos de gato” com a água remanescente, trocamos as roupas e aguardamos a chegada dos colegas para iniciarmos o retorno à São Paulo.

Aproveitei para pedir à Ele que olhasse por nós durante a nossa volta, protegendo-nos de qualquer acidente. Reconheço que recebemos a Graça pedida: por mais de uma vez, em nosso retorno, estaríamos a poucos metros de acidentes de maior ou menor gravidade. Apesar desses eventos prejudicarem o horário de retorno, é importante notar que tivemos pequeno desconforto face ao que ocorreu com os envolvidos nos acidentes que testemunhamos ou que passamos ao largo.

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