Travessia César de Sousa – Sabaúna

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Distrito afastado de Mogi das Cruzes (SP), César de Sousa tem setores onde a urbanização inexiste e quem reside lá se vira como pode, com recursos mínimos, em meio ao mais puro mato! Homenageando um engenheiro-chefe da EF Central do Brasil e carinhosamente chamada de “Selva de Souza”, deste pacato bairro mogiano parte uma agradável pernada que palmilha a modesta cumeada serrana do seu entorno. De enxutos 16km e terminando na simpática Sabaúna, esta breve travessia descortina pitorescos rochedos como a “Pedra dos Bandeirantes”, da “Baleia” e da “Mesa”, além de mirantes q revelam um novo olhar desta região q, geograficamente, divide a bacia do Alto Tietê do Vale do Paraíba. Entretanto, é uma pernada q tb tem seus dias contados.

Foi com a impressão de fazer parte do videoclipe “Thriller”, do finado “Rei do Pop”, q desembarquei na Estação Estudantes neste último domingo, logo no inicio daquela manhã fria e cinzenta. Não era pra menos, o trem repleto de mortos-vivos q – trajados de preto, repletos de piercings e olhar moribundo –  ao invés de emergir das catacumbas retornavam zumbificados da “Virada Cultural”. Passada esta impressão, me dirigi imediatamente ao local combinado, onde num piscar de olhos encontrei a Elaine e a dupla de Ricardos – Simões e Lima – pra em seguida zarpar pro bairro de César de Souza, onde aliás a Elaine reside.

Tomando a via sentido Rio Acima mas depois tocando pra leste, pela Rua João 23, nem percebemos qdo o típico cinza de Mogi deu lugar a um mar de pequenos morros pelados. A surpresa veio mesmo qdo após serpentear os mesmos através duma precária estrada de terra, nos vimos cercados de verdejante e exuberante mata secundária. Estávamos na perifa de César de Sousa qdo estacionamos no interior do rústico “condomínio” da Elaine, na verdade, uma antiga fazenda cujo dono (um mezzo holandês, mezzo alemão) resolveu adaptar as enormes cocheiras espalhadas no vasto terreno pra servir de residência. O lugar é bem simpático e tranqüilo, afastado da muvuca da cidade grande e conta até com uma casa em cima duma árvore!

Pois bem, e assim começamos a breve pernada proposta praquele dia, por volta das 9:30hr. Da entrada do “condomínio” tocamos pela vereda q percorre um gde aceiro dum gasoduto da Petrobrás, acompanhado por duas linhas de torres alta tensão de ambos lados, instaladas recentemente. E tome sobe e desce suave pro norte, com capim alto teimando invadir a vereda nas baixadas do trajeto, enqto no alto das lombadas serranas o visu revelava uma paisagem predominantemente rural, descampada e acinzentada. Tentei visualizar a escarpada Serra do Itapety, mas so consegui apreciar a base do sentinela mogiano pois a cumieira tava td encoberta por espesso brumado.

Em coisa de 10min o aceiro dos gasodutos desembocou no asfalto, onde prosseguimos a pernada agora tocando pra oeste. Depois fui ver q aquela pequena rodovia é onde a Estrada de Sta Catarina ganha o nome de Avenida Nilo Marcatto. Ou seja, uma região de limites, tanto é q ali tb é a divisa geográfica da bacia do Alto Tietê com a do Vale do Paraíba. Foi ai q o Ricardo, mentor intelectual do rolê, me colocou a par q o trajeto daquele dia era uma rota “singletrack” q costumava fazer muito e já a alguns bons anos não o retomava. Dai seu (e nosso) interesse em percorrê-lo a pé de modo a constatar eventuais alterações no traçado do mesmo.

Numa curva, pouco antes das 10hrs, abandonamos o asfalto em favor duma precária estrada de terra assinalada por vários pinheiros perfilados. Esta estrada passa por algumas casas escondidas pela esquerda, mas logo se transforma numa larga picada q começa a subir suavemente os descampados da morraria sgte. Finalmente ganhávamos altitude pra logo dar no alto da modesta cumieira serrana local. No alto, bastou acompanhar um cercado pra leste, sendo q na verdade o sentido a tomar era mais q obvio. Os quadrantes ainda exibiam paisagens opacas: enqto o Itapety ainda permanecia oculto em brumas, o setor sul já abria seus horizontes de forma mais generosa, tendo principalmente o Morro do Macaco e o da Pirâmide em destaque. Este último, segundo Ricardo, já bastante descaracterizado pois tava td cortado por estradas de terra. “Provavelmente vão construir algum condomínio de luxo por lá!”, lamentava  ele.

Mas logo abandonamos o cercado e tomamos um trilho de boi q acompanha a encosta do morro, agora desviando um pouco pro norte. Aqui a crista esta bloqueada por espessa mata e a idéia é contorná-la. O caminho então desce suavemente em meio ao pasto, onde o forte odor de roça logo se torna palpável ao tropeçar com muita sujeira de bovinos “minando” a rota. Após cruzar um pequeno bosque desembocamos num descampado onde foi possível avistar a continuidade da crista e, de quebra, do nosso caminho. Uma óbvia estrada de terra percorre a encosta pelada da serra, cuja crista permanece encoberta por densa floresta.

Retrocedendo um pouco do descampado é encontrada a larga e precária via avistada, q perde altitude e bordeja em nível a continuidade da morraria desnuda, com alguns pequenos capões de mata no caminho. “Poxa, esta estrada não tinha antes! Era uma trilha com mto mato pelos lados!”, lamentou o Ricardo ao constatar essa triste mudança. A pernada então prossegue por essa via q bordeja a serra com pouco desnível, tornando assim a caminhada sussa e bem desimpedida. Aqui a paisagem me lembrou mto a de “mar de morros”, típica da Serra da Bocaina, com vista somente pro norte, pros vales q antecedem o Itapety e até pra linha férrea q interliga Mogi a Guararema.

Mas após serpentear a encosta serrana é chegada a hora de retomar o alto da dita cuja. E na curva sgte é possível avistar um bambuzal onde é possível subir suavemente um ombro ate dar no alto. Ganhando altura aos poucos em meio a pasto e desviando de cupinzeiros, vamos em direção aos enormes rochedos q coroam o alto do morro, tal qual monólitos silenciosos de pedra. As 11hrs chegamos nas ásperas aderências do conjunto de pedras q atende pelo nome de Pedra dos Bandeirantes, nosso primeiro pit-stop do dia. Um dos rochedos de maior porte me lembra muito a Pedra do Elefante (de Ribeirão Pires), mas é o conjunto com as demais pedras q confere charme ao lugar, q tem ate um ótimo ponto de acampamento, protegido sob baixo arvoredo. A vista tb é espetacular, pois privilegia os fundos vales transversais da crista principal e o quadrante norte, tendo os bairros da Vila Suissa e Botujuru ao sopé da majestosa Serra do Itapety, enfiados no meio de pequenos morrotes.

Após breve descanso é retomada a pernada, tomando uma discreta picada q percorre a íngreme encosta de capinzal alto, passa por um outro mirante, uma palmeira solitária e finalmente cai outra vez na crista as serra. Ali é palmilhada uma precária larga vereda, com vistas de ambos lados, tendo novas perspectivas do Itapety e arredores. A caminhada sobre a abaulada crista é tranqüila e agradável mas logo numa curva em declive percebe-se q novamente uma floresta densa e espessa se interpõe no caminho. Ao invés de prosseguir pela larga via (q desce prum vale ao norte) ou encarar a mata da crista, tomamos um trilho de passa a bordejar a encosta de pasto em nível.

E assim a pernada se dá pela íngreme encosta de pasto da serra, passando eventualmente por algum foco de mata maior, mas logo adiante a continuidade da serra apresenta-se de fato mais florestada e menos descampada. No entanto a caminhada é tranqüila em meio a um belo bosque de eucaliptos numa encosta salpicada de enormes matacões, numa paisagem q me recordou bastante o “Vale das Pedras”, do Itapety. O caminho é bem irregular, cheio de mato e repleto de buracos escondidos, o q me deixa meio desconfiado se o Ricardo realmente passava mesmo de bike por ali outrora.

Após desviar da crista florestada, uma colméia próxima e de alguns rochedos enormes pela base, desembocamos no sopé da “Pedra da Baleia”, um enorme monolito q se destaca neste trecho da crista serrana. E ele realmente faz jus o nome pois lembra muito uma cachalote “mergulhada” no pasto. Perto dali, a “Pedra da Foca” destoa num trecho onde a encosta vira penhasco, enqto a “Pedra da Mesa” figura na continuidade da serra. Esta ultima de fato consiste num enorme rochedo incrivelmente plano, enqto do outro não vi nenhuma semelhança com foca. Bem, cada um vê o q quer nas nuvens, né? Tinha até tb uma tal de “Porta do Duende” q, segundo Ricardo, já não havia mais vestígio. De resto, o topo divide seu amplo espaço com um simpático bosque e inúmeros boulders, q fariam a alegria de qq escalador. E ali, no alto da “Baleia”, q tivemos nosso segundo e demorado pit-stop, com direito a lanche, descanso e vislumbre de td Itapety, agora totalmente iluminado de cabo a rabo pelo sol do meio-dia!

As 13hrs retomamos nosso caminho, prosseguindo pela continuidade da serra, q agora começa a desviar pro norte e começa lentamente a descer pelo pasto através de sucessivos largos ombros serranos. O sentido aqui é obvio e após assustar um bando de bois começamos perder altitude mesmo, aos poucos, acompanhando um cercado. A continuidade da serra agora consistia numa sequencia de morros separados entre si por fundos vales, motivo q resolvemos encerrar o expediente ali mesmo, pq já tava bom demais.

As 13:30hr caímos na linha férrea q interliga Mogi a Guararema, e tomamos a direção nordeste, sentido Sabaúna. Uma fina chuva ameaçou cair mas não passou mesmo disso, ameaça. E após andar um tanto tranquilamente, as 14hr chegamos na simpática e charmosa estação de Sabaúna. Ali, tomamos uma breja e refrescos, enqto aguardávamos resgate. Na verdade poderíamos ter tomado duas conduções (uma pra Mogi e outra pra Cesar de Sousa), mas bastou ligar pruma vizinha da Elaine, a simpática Dani, q ela foi lá nos buscar. Enqto retornávamos pela “Estrada do Carapicó” a Elaine soltou uma proposta irrecusável: “Gente, ainda ta cedo demais! Q tal a gente fazer um churrasco lá em casa! Breja já tem..” Olhei pro Ricardo e logicamente q concordamos. E assim correu o resto do dia, entre farta comilança e altas doses etílicas. Afinal, havia q repôr as calorias perdidas durante a “árdua e penosa” pernada. Somos tds “filhos do Homi” tb, né?

E essa foi nossa tranqüila e descompromissada caminhada dominical, uma rota q antigamente era conhecida por vários nomes, como “Trilha dos Bandeirantes”, “Trilha do Elevador”, “Trilha da Bosta Voadora” e outras mais. Independente de nomenclatura, aqui decidi chamá-la simplesmente pelas localidades onde começa e termina. Contudo, diante da triste constatação do q a especulação imobiliária, aos poucos, vem transformando naquela pacata região, este relato pode vir a ser o único testemunho duma belíssima travessia q dentro de pouco deve deixar de existir. Pedras pitorescas, verdejantes bosques e incríveis mirantes devem dar lugar ao cinza de prédios e condomínios. Sim, é o preço da urbanização e do desenvolvimento mogiano, infelizmente.

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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