Travessia São João Batista – Desemboque – Final

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Debruçando-nos cuidadosamente na beirada da serra pudemos apreciar a majestosa cachu despejando furiosamente suas águas d alto de aproximadamente 100m divididos em dois patamares rochosos! Um espetáculo da natureza q pudemos apreciar embasbacados e empoleirados no nosso cocoruto rochoso particular, assim como o bela paisagem q se descortinava serra abaixo, onde o mar de morros estendia-se ate onde a vista alcançava! Do alto avistamos tb o casebre do tal Eurípedes, q em tese seria o proprietário daquelas terras, mas do qual não vimos sinal algum.

Após este breve tempo de contemplação buscamos a melhor maneira de alcançar a base da cachu, e avaliando ambas e íngremes encostas decidimos q a da margem direita era aparentemente a mais segura. Mas não q fosse trabalhoso, pois primeiro tivemos q varar um matinho de cerrado chucro acompanhando a crista da serra pra somente depois começar a perder altitude através de uma sequencia de rochas desmoronadas, na base da desescalaminhada sussa. E dessa forma atingimos a base da grandiosa cachu, às 14hrs, onde um mega piscinao nos aguardava. Não pensamos duas vezes e jogamos as mochilas no chão pra dar um merecido tchibum naquelas águas refrescantes! Donos absolutos do lugar, aproveitamos a deixa tb pra forrar o estômago, q já vinha reclamando por comida já a um tempo.

Revigorados e descansados, retomamos nossa jornada dando adeus aquela maravilhosa cachu uma hora após aportar ali. Sair daqui foi meio confuso pois uma florestinha impedia navegar visualmente, mas bastou seguir a margem direita do riacho q encontramos vários trilhos de vaca convergindo sentido a tal casa do Eurípedes. Mas não tardou pra termos q desviar naturalmente pra noroeste, cruzar o tal riacho e emergir novamente na morraria ao pé-da-serra. Dando as costas à cachu retomamos o mesmo compasso do dia anterior, sem maiores dificuldades e sem intercedência alguma, indo de encontro a uma seqüência de eucaliptos solitários perfilados à oeste.

Após subir e descer morros interminavelmente e cruzar pequenos vales com focos de vegetação no meio deles, as 17:45 decidimos montar acampamento às pressas do lado de um capão de mata pois um negrume ameaçador tomara conta do céu! Uma chuva brava iminente estava a caminho e queríamos q ela viesse qdo estivéssemos no conforto e segurança de nossas barracas. Infelizmente o local escolhido pra isto não era dos melhores mas não tínhamos opção, levemente inclinado, próximo de cupinzeiros e repleto de terra q logo se tornaria lama era o q melhor se apresentou pra gente. Dane-se.

Dito e feito, mal montamos nossas tendas o mundo desabou com força total! Chovia torrencialmente acompanhado de violentas rajadas de vento q sacudiam td a armação da minha barraca, tanto q tive dúvidas se ela agüentaria tanto sacolejo. Mas o pior e previsível nestas horas ainda estava por vir. Enqto beliscava um lanche logo percebi infiltrações aqui e ali, q remediei enxugando com uma toalha. Mas como a chuva não parava logo formaram-se enormes poças dentro da barraca q simplesmente deixei pra lá, bastava me acomodar onde estivesse seco de modo a proteger principalmente a integridade do saco-de-dormir.

Mas enqto tentava pegar no sono não , demorou pra perceber q estava deitado num "colchão d´água" e um rio enorme corria por baixo da barraca e q as infiltrações tendiam a apenas aumentar em breve. Solução: saquei um enorme plástico e vedei apenas embaixo do isolante (q ate então tava encharcado) de modo apenas a passar a noite seco. E assim, ilhado dentro da minha própria barraca q estava alagada por tds os lados, consegui pegar no sono ignorando a enchente ao meu redor. É, São Pedro, é preciso bem mais q um dilúvio pra prejudicar meu soninho gostoso…

De madrugada levantei pra "regar a moita" pra constatar q a chuva havia dado apenas a uma fina garoa, mas o melhor foi perceber q as poças internas haviam sido drenadas naturalmente, embora permanecesse úmido. Independente desse perrengue pude observar uma leve luminescência corrompendo o breu noturno, siluetando as serras ao norte. "Seriam as luzes de Tapira?", pensei. Deixando de longe essas indagações, belisquei alguma coisa e tornei a dormir profundamente em meu aconchegante saco-de-dormir apenas pra sentir q a região dos pés não havia escapado incólume de se encharcar numa poça interna. Pois é, o cansaço acumulado no corpo dos mais de 20km percorridos ate então era o melhor sonífero q alguém pode ter nestas horas.
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O Canion, a Cachu Parida e a Volta
A segunda-feira de feriado dia 15 amanhecera nublada e ligeiramente fria, mas isso não impediu q permanecêssemos presos a nossas barracas. Pelo contrario, estávamos fora de nosso cronograma e devíamos apressar o passo. Ao desmontar nosso acampamento , pudemos ver o estrago do temporal do dia anterior na forma de muita lama acumulada no fundo das barracas. O Ângelo teve mais sorte do q eu durante o dilúvio, sua super barraca importada impediu q tivesse q se contorcer feito artista chinês quinem eu pra fugir das infiltrações. Mas pensando bem, o q é uma trip sem um perrengue pra contar e rir depois, né?

Tomamos um farto café-da-manhã e arrumamos as coisas rapidamente, sem tempo ate de secar barraca ou roupa molhada, o q deixou nossas cargueiras relativamente pesadas, pra nos lançar na trilha por volta das 8hrs. A pernada teve continuidade naquele mesmo ritmo do dia anterior, envolta em suaves sobe-e-desce ao sopé da serra sem gdes dificuldades e com o mesmo visual recorrente do inicio da travessia.

Com o surgimento de porteiras e cercas no trajeto deduzimos de estar na proximidade de alguma fazenda. Dito e feito, num piscar de olhos e após cruzar o belo Ribeirão da Parida q serpenteava mansamente as colinas ao pé-da-serra, as 9:15hrs chegamos na propriedade do folclórico Mané Perez. No caminho topamos com um turista carioca q andarilhava no sentido contrario e nos informou da existência de pinturas rupestres numa gruta e q havíamos passado batido, provavelmente bem próximo de onde havíamos pernoitado.

A informação encheu os olhinhos do Angelo q estava disposto a retornar pra clicar esta raridade arqueológica. No entanto, apesar de tb incentiva-lo a isso logo a ficha de q estávamos atrasados caiu e decidimos q retornar estava mesmo fora de cogitação. Havia somente q avançar, decisão cunhada de razão do contrario teríamos ambos perdido nosso resgate, no final.

Em meio à porcos, vacas e cavalos encontramos o Seu Mané Perez q nos convidou pra tomar um cafezinho e um agradável dedo de prosa. Nos contou q sua rústica fazendinha, limitada a uma simples casinha, acolhe tanto turistas qto tropeiros em viagem. "10 pessoas na casa e mais de 40 barracas no quintal!", disse ele com seu tradicional sotaque mineiro. Dono das terras da Fazenda Nova Suécia, contou q seu bisavô encontrou as tais famosas pinturas rupestres da região no inicio do século passado, e q cobra uma taxa de R$5 pra visitação da tb famosa Cachu da Parida. Desconfiado q nem ele só, nos deu as indicações de acesso á trilha da dita cuja enqto verificava se nossas notas não eram falsas. Francamente, esses foram os R$5 mais bem investidos num atrativo natureba q revelou-se a maior surpresa de toda travessia.

Partimos do casebre através de uma trilha obvia indo de encontro às cabeceiras do Ribeirao da Parida, q aqui corre mansamente nascendo das entranhas do paredão rochoso, q aumenta conforme nos aproximamos. Mas logo um enorme poção impede nosso avanço, já q íngremes paredões verticais emparedam o rio acima, num vertiginoso canion. Pois é, aqui temos q deixar as cargueiras e levar apenas o necessário, devidamente lacrado num saco-estanque. Adentramos no poção com água acima da cintura ate mergulhar por completo, nadando até a outra margem e alcançar as pedras dos íngremes paredões, q a partir daqui serviriam de escadas naturais a serem escaladas cuidadosamente ate dar um patamar mais seguro e menos inclinado, rio acima.

Daqui não tem mais erro, pois basta adentrar no sinuoso desfiladeiro pela margem esquerda do rio, ora andando pelas pedras ora escalaminhando cuidadosamente paredões verticais de modo a evitar dar de cara com fundos piscinões e pirambas íngremes do trajeto.

Dessa forma aventuresca fomos avançamos lentamente cânion adentro onde cada curva revelava uma nova surpresa, seja na forma dos rasantes das trocentas andorinhas q habitavam o desfiladeiro, seja na forma dos poções e cachoeiras menores onipresentes durante td trajeto. Ate q por volta das 10:50 finalmente chegamos ao final daquele imponente cânion, onde uma majestosa queda d´água, a Cachu Parida, coroava a pernada com seus quase 40m de abundante água despencando ruidosamente naquele vão rochoso totalmente fechado. Apesar de ser a menor cachu de td travessia era indiscutivelmente a mais bonita e impressionante de tds justamente pelo contexto no qual estava inserida! O borrifo d´água aqui é forte e constante e não tarda a nos ensopar num piscar de olhos, ali naquele local privilegiado situado na vertente oeste das entranhas dos paredões da Serra da Canastra!

Retornamos satisfeitos a nossas mochilas por volta do meio-dia, no exato momento em q o sol surgia com força total acima de nossas cacholas! Saboreamos um lanche seguido de um breve descanso e colocamos novamente as cargueiras nas costas. O sol estava de fritar miolos mas não tinha jeito, havia q apressar o passo. E dessa forma demos prosseguimento a nossa inalterada caminhada ao pé-da-serra, subindo e descendo suaves morros forrados de pasto através de trilhos de vaca e varando os eventuais capões de mata no caminho. Felizmente água boa, cristalina e abundante esta presente em td percurso pra molhar nossa goela, já q aquele começo de tarde anunciava-se extremamente quente.

Andamos nesse compasso o q pareceu ser uma eternidade, ate q finalmente atingimos o q parecia ser o final do paredão q acompanhávamos, as 15hrs, uma vez q pra noroeste apresentava-se apenas uma extensa baixada forrada de pequenos morros, onde pipocava uma ou outra fazenda, nenhuma delas reconhecível. Como nossas indicações davam conta de q por aqui estaria nossa destino final, resolvemos galgar ao alto da serra pra ter um vislumbre privilegiado e a partir dali traçar o rumo visualmente.

Desgastados pelo calor e forte sol, subir a montanha foi um sufoco q nos tomou um tempo razoável, mas uma vez no alto da Serra da Chapada finalmente pudemos avistar a Fazenda do Álvaro, nosso destino final, coroando o alto das montanhas uns 6km ao sul!! Pode parecer pouca distancia, mas o trajeto visualizado era bem acidentado, com direito a um fundo vale seguido de uma longa seqüência de morros! "Putaqueopariu, não vamos chegar a tempo!", pensei preocupado, "Vamos ter q nos apressar!". Minha preocupação tinha seus motivos, pois havíamos marcado de nos resgatarem às 17hrs e tínhamos menos de 2hrs pra chegar no horário combinado à fazenda.

Chegar atrasado não seria apenas de bom-tom como tb uma desconsideração s/ tamanho se levarmos em conta o tempo de sobra q tivéramos durante td travessia. Alem do mais, não poderíamos comprometer qq eventual compromisso q o Dib &, Cassandra pudessem ter depois em virtude do nosso atraso, q podia ter sido evitado. Com essa preocupação em mente para com nossos anfitriões, eu pelo menos apressei o passo buscando chegar no horário combinado a qq custo, o q me separou do Ângelo q por sua vez seguiu outro ritmo acompanhando uma plotagem incerta (e desnecessária) no GPS.

Pois bem, sendo assim azimutei bem nosso destino e toquei bala! Eu tava sem minha bussola mas não teve gde problema de orientação uma vez q minha "bussola interna" nunca me deixou na mão, e alem do mais os descampados permitiam avaliar qual direção era mais segura e rápida a seguir. Se bem q neste trecho senti falta da copia da carta topográfica q acabei esquecendo em casa e q teria ajudado horrores!

Bem, a corrida contra o relógio de inicio me fez então descer a Serra da Chapada em meio à vegetação chamuscada ate uma baixada de capim ralo, onde cruzei o Córrego da Cana com água ate o joelho e dali prosseguir pela encosta oposta, ganhando altitude afim de avaliar o terreno sgte. Contornei um morrote ate descer então ao fundo do vale do Córrego Mata-Cavalo, um largo fundo rio repleto de remansos e cachus onde tive q avaliar bem onde seria melhor cruzá-lo. Felizmente onde estava havia uns afloramentos rochosos próximos da margem adentrando no rio, mas isso não impediu q cruzasse o , mesmo com agua ate a cintura, mas q foi feita pelo menos com td segurança possível.

Uma vez na outra margem subi ao alto da serra sgte pra dali prosseguir num trilho de quartzito através de uma crista salpicada de cane-las-de-ema, sempre seguindo pro sul. Desviei de fundos vales mas não tive como escapar de vales menores, o q me obrigou a um continuo sobe-e-desce punk, continuo e desgastante. Entretanto, as vistas proporcionadas deste trecho foram as mais interessantes, selvagemente falando. Mas eis q finalmente alcanço uma precária estrada de terra q agora só tende a subir indefinidamente e q foi o trecho em q quase entreguei os ptos. Mas como diz o pintor-de-rodapé Van Damme, "Retroceder Nunca, Render-se Jamais", continuei firme e forte, cada vez mais próximo da fazenda avistada, onde vi dois pontinhos me encarando. Eram o Dib e a Cassandra á nossa espera.

Cheguei, enfim, ao meu destino um pouco antes do horário combinado, as 16:50, ofegante e com as pernas cambaleando! Estava mto feliz não apenas por ter concluído a travessia proposta mas principalmente por ter cumprido chegar no horário oficialmente combinado. Do Ângelo nem sinal, o q preocupou o Dib e a Cassandra. Bem, vamos esperá-lo né? Fazer o quê.. Mas tb havia prazo pra isso, e o tempo limite estipulado pelo Dib foi ate as 19hrs, pois tinha compromisso familiar inadiável ainda naquela noite. Na pior das hipóteses, se o Ângelo teria de pernoitar na fazenda, pegar carona c/ o caminhão do leiteiro e ter a via-sacra de um dia apenas pra chegar a Ribeirão Preto.

Sendo assim, ficamos aguardando nosso colega no refeitório da fazenda, onde molhei a goela com 4 cervejas geladas q nunca desceram tão redondo qto naquela ocasião, sob o olhar curioso do Brad, o simpático cãozinho da fazenda. Assim como beliscamos petiscos deliciosos de queijo canastra legitimo! O Dib por sua vez fez mto bem em ter permanecido de molho naqueles dias pois o pe dele ainda tava se recuperando, mas invejou sadiamente a pernada q perdeu.

Qdo nosso colega atrasildo finalmente chegou, algo de hora e pouco depois, imediatamente zarpamos na possante Troller rumo Ribeirão Preto, onde chegamos por volta das 22hrs, extremamente cansados. Nos despedimos dos nossos anfitriões prometendo breve retorno pra novas aventuras e garantimos passagens pra Sampa somente pra uma da madruga, tempo de espera q pareceu interminável. O resto é resto, mas o melhor era q a maldita gripe enfim dava sinais de ter tirado ferias permanentes la pela Canastra e ficado por la mesmo, ainda bem.
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Inegavelmente a Serra da Canastra tem muito mais q oferecer q os atrativos limitados pelas cercas do Parque nacional homônimo. A travessia realizada confirma q a região abre perspectivas de maior aproveitamento turístico e cultural para o entorno de São João Batista, Desemboque e Sacramento. Seja pela sua riqueza biológica, cênica, arqueológica e histórica, os descampados e escarpas da Canastra tem muito mais o q desvendar.

Existe ainda a "Travessia do Paredão Norte" completa, saindo de São Roque e terminando em Desemboque, q pelas estimativas de quilometragem deve consumir facilmente de seis dias a uma semana de árdua pernada. Mas claro, esse é um assunto pra outra mega-pernada pela regiao, alem de mais um bom motivo pra retornar a este q é o entorno pouco ou nada conhecido de um dos maiores parques brasileiros.

Texto e fotos: Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
http://jorgebeer.multiply.com/photos

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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