Travessia Serra Fina Full – MDA em 75 h – 2023

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Há um dito clássico de que se quer, dá-se jeito e se não quer, acha-se defeito. Muita coisa na vida segue essa linha, somos conduzidos pelo equilíbrio entre o desejo e a continência. Humanos, em resumo. Teorizamos, conjecturamos, sentimos e agimos em resposta a esse fluir de vida que nos permeia. Quando não mais flutuamos, nos tornamos matéria inerte. Por vezes, “morta/apagada” ainda que viva e perspirante.

Quando o Douglas propôs fazermos uma nova expedição SFF, eu, de pronto recusei: nem f*&!%*%! Mesmo depois de 5 anos, não havia me esquecido do quanto aquela pernada fora exigente. Mas os anos de farda e comando lhe trouxeram um pouco de psicologia e tato na lida com as pessoas (pouco, eu disse). Malandramente, argumentou: os amigos do Paraná haviam nos recebido em duas trilhas de rara beleza cênica e igual dificuldade… poderíamos retribuir a gentileza, disse. Não pegou no calcanhar de Aquiles, porque D. Cida me batizou Rogério, mas me venceu na hora. Não era mais “se”, mas quando.

Com a temporada se avizinhando, marcamos para o feriado de Páscoa, de forma a poder postergar, caso o tempo não estivesse adequado. Queríamos receber os amigos com a Serra Fina esbanjando beleza e boas condições visuais. Também havíamos de considerar os inúmeros preparativos em curso para a intensão de concretizar, ainda que apenas na tentativa, uma travessia Alpha-Crucis, essa sim, merecedora do título-troféu de “mais difícil” do Brasil.

Com a data alvo montada, tabulamos os nomes e dados dos amigos e ficamos de campana, na data prevista de abertura. Uma leitura conservadora das informações postadas pela Ruah! nos fez entender que as reservas passariam a estar disponíveis à zero hora do dia 22/03/2023. Então… acontece que não é um programa, regido pela lógica matemática, que faz esse processo. São pessoas, pessoas reais. Que dormem e acordam, exatamente como todos nós. Tolamente, aguardamos até as 2 horas da madrugada, atualizando o site a cada pouco, antes de desistir e ir dormir, prometendo retomar os esforços assim que acordássemos. Cansado da travessia da véspera Poços de Caldas – Águas da Prata que até vara vulcão montanha acima tivera, apaguei em segundos. Cansado? Sim. Ansioso, sempre. 5:08 estava de pé… lavei o rosto, fiz o clássico ritual matinal e 5:15 tentei novamente… como se por mágica (trabalho da Ruah! nos bastidores do site) estava tudo lá: opções e mais opções para fazer quase que tudo que se quisesse lá em cima. Com todos os dados tabulados, em pouco mais de 5 minutos as 7 reservas estavam feitas e pagas. Nossa tentativa para o feriado de 06/04/2023 estava alinhavada.

Feliz com a celeridade que essa parte crucial se desenrolara, avisei no grupo as boas novas, me troquei e fui tomar café com meus pais. Sabedores dos gostos estranhos do filho, em grande parte herdados do meu pai, nas caminhadas quando era ainda mais moleque, não tentam me desmotivar, apenas repetem o clássico rol de cuidados que a vivência lhes faz saber da importância. Não posso dizer que pratico todos, sempre. Mas devo ficar numa escala de uns 90% ou mais. Procuro ser cuidadoso, mesmo. Já vi (e sofri) de várias e várias bobeadas. Depois, pode ser engraçado… ou trágico.

Segunda feira, dia de labuta, então deixei a sequência de preparativos para o pós-expediente. Mal batera 17 h, voltei aos mapas e planejamentos com o Douglas. Desde o horário em que entraríamos na serra, horário em que os dois grupos sairiam, um de SP e outro de Curitiba-PR, onde e como nos encontraríamos, transfers, alimentos, equipamentos etc. São muitos os detalhes para um rolê desse naipe transcorrer sem maiores incidentes. Não se tratava de atravessar a serra, simplesmente. Isso já havíamos feito de n maneiras, com tudo que é tempo, sob o intenso brilho do luar (Travessia Achados e Malucos – quando acordei às dez da noite, achando que o sol já estava alto), no breu quase absoluto da noite de lua nova (Serra Fina Full em 3 dias). Já havíamos subido no rabo de uma frente fria particularmente intensa, no que se esperava ser o “maior frio da década, talvez até o maior já registrado no País” … placas de gelo de 7 cm no cume, estalactites de gelo numa nascente pouco conhecida. Subimos equipados para o pior dos climas pensados, e infelizmente para o nosso intuito, a massa de ar polar perdeu grande parte da força ainda antes de alcançar as terras altas da Mantiqueira. Nossa esperança de estar no lugar e momento certo para registrar aqueles cumes nevados dissolveu-se como neve ao sol. As condições de temperatura cumpriram, com folga, o requisito… já o tipo certo de umidade, não se fez presente. Cauteloso, eu que já pegara -14°C na única vez que acampei no Ruah, subi bem mais pesado que o usual. Dentro da barraca e abrigado do vento pela suíte próxima do livro de cume, fiquei nos tépidos -2°C… coerente com o registado fora dela, a pouco mais de um metro de distância, marcava -8°C. De madrugadinha deixei o aconchego da barraca para aliviar parte da água extra regando as moitas da face leste da PM, mas o vento fez com que os trabalhos fossem encerrados antecipadamente, assim que o tremer incontrolável da minha carne deixou claro quem mandava, ali: a montanha, sempre. Só progredimos realmente no montanhismo, quando isso se torna parte da nossa essência. Pelas minhas contas, com o vento, a sensação térmica no cume estava próxima de -30°C. Com 3 calças (segunda pele, pluma, calça de trilha) e 5 blusas (segunda pele, segunda pele extra, fleece, jaqueta de pluma e jaqueta de chuva), dois gorros e duas luvas foram poucos os minutos que resisti, a face, descoberta, doía com o frio.

Voltando ao rolê em pauta, o tempo nos dias antecedentes à primeira data, parecia não ser o adequado para a empreitada proposta. Sinalizamos isso para a Ruah! no dia 02/04/2023 e permanecemos acompanhando, na esperança de que a passagem das más condições (para nós) se antecipasse em dois dias. Foi uma grata surpresa a pronta resposta da empresa no sentido de buscar uma solução contingenciai para a imprevisibilidade das condições climáticas. No dia seguinte, 22h, informei à Ruah! da necessidade de postergarmos a travessia para o feriado seguinte, Tiradentes. Entraríamos na montanha no dia 20/04/2023, antes das 18:00, em função do fechamento do posto de controle. Os colegas do Paraná sairiam pouco após a meia noite, aguardaríamos o William sair do trabalho, às 11:00, e tocaríamos direto para encontrar os carros de resgate contratados com os amigos Rodrigo Souza e Patrícia.

Registros SFF: extensão 50,9 km, altimetria total (subida) 5.574 m e 5.617 m (descida).

Apesar da dificuldade de conciliar compromissos profissionais com os melhores horários para a pernada, tínhamos a pretensão de, se possível, passar pelo Passo dos Anjos ao pôr do sol, para proporcionar uma das vistas mais belas da travessia aos nossos amigos do Paraná. Para quem vem pela primeira vez, é onde se entende o porquê de Serra Fina

A mudança da data nos privou da amiga Cleicimara. Éramos 7, passamos a 6: eu (Santos), Douglas Reginaldo Torres Garcia, William Marcelino (SP); e de Curitiba/PR, Guilherme Willian, Erick Fernando e Vilmar Gomes (Dindo).

As tralhas: travessia de 51 km e ganho de altimetria de 5.000 m

Tabela de controle

O pessoal do Paraná chegou na rodoviária do Tietê às 6:20 e, pela logística montada, o Erick seguiu no ônibus das 08:00 para Passa Quatro/MG, chegando lá às 12:30. Os outros 5 seguiriam em carro locado até o Hostel Serra Fina onde deixaríamos o carro, nos reuniríamos e seguiríamos com os dois transfers contratados. Detalhe (importante) o hostel oferece banho quente e tem uma pizzaria integrada. Confesso que a promessa dessa pizza nos acalentou em muitos momentos durante a trip.

Dia ensolarado, previsão de mar de almirante e céu de brigadeiro. Nos encontramos com os curitibanos Dindo e Guilherme, pouco antes das 9:00, cumprimos as formalidades para retirada do veículo, fizemos um tetris preliminar com as cargueiras e aguardamos o Willian chegar. Com a malta que seguiria de carro completa, fiquei na fila para validar o tíquete de saída, enquanto eles davam um jeito de colocar mais uma cargueira monstra onde não caberia uma bolsa de mão…, mas como disse lá no começo, quando se quer… deu-se jeito. Com isso, conseguimos adiantar um pouco a saída de SP, e 10:00 estávamos na estrada, com a intenção de fazer o mínimo de paradas para viabilizar o Passo dos Anjos ao pôr do sol aos curitibanos. Tocamos dentro da velocidade permitida, comigo ao volante da viatura, Guilherme de navegador e copiloto, Douglas dividindo a posição de oficial de comunicações com o Willian e o Dindo responsável por afiançar que não éramos uma corja qualquer em caso de eventual inspeção pelo policiamento rodoviário. Felizmente, não foi necessário, rsrs… pois prejudicaria o cronograma montado “na ponta do lápis”. Foi crucial esse tempo “ganho”, pois pegaríamos trânsito em SP (de lei) e um congestionamento maior devido à algum acidente na altura de São José dos Campos, que evitamos com parcial sucesso, desviando pela cidade. Uma vez que estávamos dentro do cronograma, fizemos uma parada para banheiro e almoço em Aparecida, atualizamos a posição para controle dos amigos dos transfers.

Alimentados, voltamos para estrada às 13:16 e 14:10 chegamos no Hostel Serra Fina onde rapidamente nos fardamos de trilheiros, colocamos as cargueiras nos carros, as tralhas de “civilização”: chaves, moedas, roupas de retorno, toalhas etc. no carro alugado e embarcamos nos transfers. Os paranaenses seguiram com o carro da Pat, pilotado pelo Felipe, do Hostel e, nos paulistas seguimos com o Souza. Chegamos na portaria de controle às 15:23 e 15:30, após cumprirmos os trâmites de acesso (verificação de Shit Tube ST ou KD kit de dejetos), conferência documental e das declarações firmadas, fizemos as primeiras fotos com o amigo Rodrigo, demos início na pernada, descendo suavemente até o ponto de cruzo do riozinho bem ao lado da Toca do Lobo. Nova seção de fogos/registros, coleta de um litro de água por cabeça e 15:38 começamos a subir em direção ao Cruzeiro, um mirante de onde se descortina a cidade de… Cruzeiro, rsrs.

Willian Marcelino, Douglas Garcia, Vilmar Gomes (Dindo), Guilherme William, Rogério Alexandre e Erick Fernado. Eis a malta.

Seguimos pela crista da serra ganhando altitude a cada passada, sem o escorregar dos pedregulhos que era tradicional do Quartzito, uma montanha que se desfazia sob os pés dos trilheiros. As ações de contenção da erosão pela água descendo pela trilha, por parte da Ruah! resultaram em uma miríade de degraus, maiores ou menores, conforme a necessidade oportunidade do trecho. Puristas talvez aleguem que “mata” a alegria da trilha. Eu não vejo que prejudique. Há (já havia) diversas interações antrópicas antes do incêndio e do consequente regramento instituído pela Ruah! sob diretrizes da Associação dos Proprietários da Serra Fina -APSF.

Subimos sem presa, dosando o caminhar com paradas para retomar o fôlego e contemplar a impressionante vista que as terras altas da Mantiqueira nos revelam. Eram muitos os clicks e flagrante a alegria dos nossos amigos sulistas. Eu subi com 1,5 litro de água, e me policiando para tomar de pouco em pouco. O sol de fim de tarde e o vento fresco não traziam sede e sei por experiência que é fácil desidratar nesse cenário. Mesmo com disciplina, ao chegarmos no ponto d’água da base do Quartzito (16:28), eu ainda tinha pouco mais de um litro de água na cargueira. Paciência e precisão é trabalho constante. Deixei que abrissem uma grande distância à frente, para que eu pudesse fazer as fotos panorâmicas com meus amigos “perdidos” nas montanhas. Por vezes, tomava à frente e abria uma distância considerável para fazer tomadas com meus amigos em primeiro plano e as montanhas e vales em suas costas e abaixo.  As fotos ficaram muito legais, mas a estratégia de fazer “tiros” para alcançá-los e o descuido na alimentação cobrariam seu preço. Alcançamos o cume do Quartzito (2013 m) às 17:13 e aguardei que se distanciassem para fotografá-los passando pelo Passo dos Anjos sob o sol que findava a quinta-feira.

Trupe no Quartzito. Capim Amarelo à esquerda. PM ao fundo.

Passo dos Anjos, ao pôr do sol.

Feitos os registros, tratei de alcançá-los para subirmos, à passo tranquilo, o Capim Amarelo e seus falsos cume. Como combinado previamente, todos tínhamos lanternas de cabeça de fácil acesso, e as colocamos conforme as sombras nos acolhiam.

Alcançamos os 2.392 m do cume às 19:17, com a escuridão da noite de lua nova já absoluta senhora da serra. Três barracas dividiam todo o espaço do cume. Uma ocupação reduzida, para um feriado. Durante toda a travessia, essa seria uma sensação que nos acompanharia… com o custo dos ingressos, ainda que justo para viabilizar os controles e ações de manejo, uma enormidade de trilheiros que antes caminhava ali, não mais o fazia. Lembro que o afluxo à SF crescia em progressão geométrica, praticamente dobrando de um ano para o outro. Arrisco, sem ter conhecimento do número de visitantes registrados nos livros de cume (que não sei se estão disponíveis) que a frequência caiu para ⅛ do ano de 2020. Algo a se refletir. Ingressos “sociais”, com maior antecedência? A política de tarifas desenvolvida pela Ruah! já é complexa e busca atender aos diversos anseios, inclusive dos moradores do entorno, esportistas etc.

Mais uma preocupação para a Ruah! e as prefeituras do entorno, dado o potencial de geração de renda, impostos, e empregos que esse atrativo, único no País e “próximo” de suas principais megalópoles apresenta.

Fizemos uma breve pausa, procurando não perturbar os campistas e, após registrarmos a passagem no livro de cume, começamos a descida do CA, em busca do Maracanã e sua fonte de água. Eu seguia com muitas câimbras, buscando tratar uma provável hipoglicemia com soro e doces. Lembram dos “tiros” de fotografia e da minha falta de disciplina? A fatura se apresentava com câimbras intensas, porém que, mesmo dolorosas não impediam de prosseguir. Tomei remédio, me hidratei bastante, tomei repositor de sais etc. – nada resolvia de fato. Como ainda conseguia andar (apesar de me perceber trôpego por vezes), meio que dei de ombros e continuei a me arrastar junto com o pessoal.

Talvez uma boa comparação do meu estado de ânimo fosse com aqueles doguinhos que depois de muito ficarem dentro do quintal, têm um parque para correr e cheirar…. um tal de corre para um e outro lado, até voltarem, de língua de fora, e desabarem ao lado do pote d’agua… as duas espécies de orquídeas abundantes ali, sempre me alegram enormemente….  então, nós ainda tínhamos previsão de andar por muitas e muitas horas antes de poder desabar e descansar. Com a noite, o frio chegara com gosto, e ficar parado em qualquer ponto mais exposto, era receita certa para intensa tremedeira. Restava andar dosando a velocidade com o fôlego.

Acianthera hamosa

Zygopetalum Maculatum

No Maracanã, alcançado às 21:08, encontramos mais alguns campistas e trocamos breves palavras antes de retomar a caminhada, agora em direção a crista do Melano, onde prevíamos que passaríamos a precisar das proteções contra o vento e a queda de temperatura sensível que ele acarretava. No Maracanã nos abastecemos com dois litros por cabeça, eu havia bebido menos do que propusera até ali, e passei a prestar mais atenção nisso. Meu descuido deixara a situação chegar a um ponto que remédios e cuidados não revertiam os sintomas. Apenas pareciam garantir que não piorassem. Aceitei minha penitência com uma dose de “por que eu me meto nessas roubadas?”, “vou vender os equipamentos tudo” e “respira, sofre e anda. E não chateia”.

Como nossa progressão, ainda que meu arrastar-se freasse o grupo estava muito célere e o tempo estava cada vez mais frio e ventoso, decidimos alterar os planos e acampar no camping da cachoeira vermelha, até o dia clarear e só então atacar o Tartarugão… se até ali, andávamos a passo, para não chegar muito cedo no cume e acabarmos por ficar tempo demais expostos aos ventos lá em cima até o sol nascer, agora tínhamos motivação extra: cada minuto ganho era um minuto a mais acampado, confortável e quentinho, dentro de nossas barracas.

Assim, jantei minhas câimbras, trinquei os dentes e tratei de acompanhar o passo mais rápido agora. Nas subidas fazíamos paradas de 20, 30 segundos e retornávamos o caminhar, cientes que faltavam algumas horas para o almejado descanso abrigado.

Dessa forma alcançamos o cume do Melano (2559 m) às 23:01 e, vestimos as proteções contra o vento, passamos a caminhar por sua crista em direção ao camping. Passamos por diversos pontos de acampamento alternativos, todos vazios, mas estávamos bem tranquilos quanto a nossa capacidade de alcançar o camping planejado com segurança, o que de fato ocorreu, às 00:32. Arrisco dizer que antes da uma da matina todos estávamos bem abrigados, em nossos sacos de dormir. Para montar minha barraca, tive que improvisar com pedras, porque a areia que cobria a laje não excedia 2 cm de espessura. De qualquer modo, qualquer mesmo, estendi as proteções do piso da barraca, armei a barraca usando as pedras abundantes como lastros para as linhas, arranjei o isolante na parte mais altinha, abri o saco de dormir e pouco depois de vestir a roupa de dormir, já ressoava tranquilo. Sempre o primeiro a dormir, nunca sofro com roncos dos amigos, aprendi faz tempo, kkkkk. Acordei às 05:07 com a noite ainda fechada. Aproveitei o amplo espaço da barraca, virei para o outro lado e dormi até a alvorada começar a vencer o negrume da noite.

Agora, com o dia clareando, não havia mais tempo para se esconder sob os lençóis, então tratamos de vestir as roupas de trilha e preparar as mochilas de ataque. No meu caso, isso quer dizer, deixar na barraca o que não me acompanharia na subida ao cume do Tartarugão. Coloquei o saco de dormir para secar ao sol, preso por uma pedra e parti atrás do pessoal, que já achara as passagens secas e me orientaram por onde transpor os muitos pequenos cursos d’agua que formam a Cachoeira Vermelha. Subimos o Tartaruguinha, descendo pela encosta norte mirando um conjunto de duas lajes que nos levaria, sem necessidade de varar mato, até o pé do monstro da vez. A partir dali fomos intercalando trechos de subida com pausas para retomar o fôlego e, às 07:44 não havia mais o que subir, com o Willian tocando primeiro o tubo de cume dos fora de rota dessa travessia. Cheguei em seguida, e, sabedores do carinho que o Douglas nutre por esses tubos, aguardamos a presença de todos para abrirmos. Constatamos, com certo grau de alívio que as chamas não haviam destruído o tubo de cume deixado, mas o calor irradiado pela rocha, o danificara em parte. Fizemos uma rápida manutenção no tubo, registramos a passagem e as páginas já preenchidas do livro, constatando que, antes de nós, o último registro de passagem era do amigo Felipe Lacerda em 2022. Os fora de rota tem essa particularidade, são de acesso muitíssimo menos frequente que aqueles da travessia padrão. Talvez, menos de 0,5% dos trilheiros que atravessam a SF tenham condições de acessá-los. Para os mais inóspitos, essa proporção deve ficar inferior a 0,1%. Isso… 1 a cada 1000 trilheiros. São poucos, pouquíssimos que se dispõem a entregar o suor (e o sangue) que esses cumes exigem como paga. Planejamento prévio intenso? Também. Mas, ali, na hora de romper a macega no peito, onde filho chora e mãe não vê, o que sobra é suor ardendo nos lanhos da carne ferida pela vegetação bravia. É não esmorecer quando as formigas, grande como feijões lhe cobrem o corpo. É sentir a boca seca e os pulmões faltarem. Segurar o coração dentro do peito, quando ele quer pular pela boca. É teimosia. É sofrido, e é lindo. Para esses, a SF reserva alguma das suas vistas mais belas, com trupes de trilheiros, ínfimos pontinhos coloridos batalhando para galgar os infindáveis metros das cristas, perseverando a cada desiludir de um falso cume alcançado. Amo isso.

Cume do Tartarugão. À esquerda, perfil da Deus me Livre. Na direita, São João Batista.

Saudações Paranaenses à SF. À direita, Ruah Norte. Ao fundo, o cume das Agulhas Negras.

Manutenção feita, e como dessa vez não exploraríamos suas encostas, iniciamos o retorno às 08:12, voltando sobre nossos passos até o Tartaruguinha e dali até o acampamento, arrumamos as tralhas e tocamos em direção à Pedra da Mina. Passamos pelo camping da Florestinha do Rio Claro às 10:11 e subindo com dois litros d’água por cabeça em média, alcançamos o cume da PM às 11:15. O paranaense Guilherme teve o privilégio de ser o primeiro a alcançar os 2798 m de altitude da quarta montanha mais alta do Brasil, nessa travessia. Bicho brabo, suando embaixo de uma consciência de quase 20 kg, ainda assim andava rápido, mesmo nas subidas.

Ainda não totalmente recuperado da bobeada no início da caminhada, comuniquei que não faria o ataque ao Ruah Norte (maior) na intenção de me poupar para os inéditos. O Erick aproveitou a muleta e manifestou que fugiria da raia junto. Como nesses roles, quem descansa carrega pedra, logo descíamos para o falso cume, junto com o Douglas e o Erick para pegarmos água para todos. O Guilherme ficou preparando o rango. Arroz, feijão e legumes com calabresa. Esses piás carregam peso, mas a gastronomia é apurada, rsrs.

Rapidamente, nos servimos do rango, dando prioridade para quem de faria o ataque ao Ruah Norte. Combinei que 12:40 estaria na encosta da PM para registrar o feito, nos despedimos e o grupo tocou para descer PM via Paiolinho, acessar o colo entre a PM e o RN e depois galgá-lo, desviando das partes mais fechadas da quiçaça.

No horário combinado, fiz alguns registros do Ruah Norte, porém por mais que procurasse, não consegui notar nenhum sinal deles. Esperei até 12:50, com alguns cliques “de sorte” e decidi descer uma parte do acesso ao Paiolinho, afinal, algo poderia tê-los atrasado. Sem sinal nenhum dos pontinhos amarelo, laranja e preto de suas roupas, voltei ao ponto mais alto da encosta e fiz mais alguns registros. Às 13:27, tive a impressão de ver algo colorido se movendo no cume do RN. Fiz alguns cliques e voltei para a suíte em que havíamos montado o acampamento provisório para esperá-los e fugir do sol que castigava. Encaixei a cabeça numa pequena sombra da parede de pedras, com o isolante sob o corpo e chapéu protegendo o rosto, cochilei. Acordei algumas vezes com a chegada de montanhistas ao cume, quase que todos acessando pelo Paiolinho. Nenhum deles relatou ter visto o nosso grupo na encosta, mesmo assim não me preocupei, haja vista a notável expertise e preparo do pessoal. Aproveitei o tempo para fazer mais uma refeição, macarrão quatro queijos e para acompanhar um chá de quentão. Quando o sol brilhava, a temperatura era amena, mas quando alguma nuvem passageira trazia sombra, a temperatura despencava bruscamente, principalmente quando havia vento.

Como suposto, estava tudo bem com eles, apenas vencer a quiçaça da encosta havia demandado muito mais suor e tempo que o suposto. Como gosto de pontuar, subir montanha varando mato no papel é fácil, lindo, de boa. Na realidade é bemmmm desgastante.

Rapidamente, enquanto eles retomavam o fôlego da segunda subida da PM dessa travessia, guardamos todos os equipos e nos colocamos em movimento, descendo a PM agora em direção ao Vale do Ruah, onde faríamos a transição pelo colo, para subir o São João Batista (Pico do Avião). Discutimos sobre onde acampar para os ataques seguintes e, apesar das áreas planas e arenosas do vale do Ruah serem por demais convidativas, optamos por fazê-lo na encosta norte do SJB, de forma a não incentivar o camping na área de nascente do Rio Verde.

Nesse ponto, gostaria de registrar que, apesar de particularmente duvidar da eficácia de se obrigar o porte e o uso do ST, defensor que sou do enterrar em locais apropriados, não observei, em toda a travessia, nenhum “banheiro” como antes havia. Pode ter sido apenas falta de observação mais cuidadosa, mas frente ao merd**** generalizado que havia em diversos pontos, a melhora foi muito substancial. Mais um ponto a favor das iniciativas da Ruah! na gestão e preservação desse lugar maravilhoso que é a SF.

Subi na frente e, afoito, errei o trajeto de menor desgaste, cumeando um pequeno morro que não permite acesso ao cume real. Identificado o engano, voltei rapidamente para avisar ao pessoal que me seguia, com os corpos vergados pelo peso das cargueiras, para que fizessem a transição quase que em nível para a verdadeira base do SJB. Eles não chegaram a subir muito de forma desnecessária, mesmo assim, tenho certeza de se perguntaram nessa hora, que faziam ali, no meio do “nada” subindo uma encosta íngreme, com cargueiras pesadas e seguindo um zé ruela que errava o caminho… entendo vocês, eu também me questionaria, kkkkk.

Corrigido o erro, iniciamos a lenta subida ao SJB, fazendo pequenas paradas para retomar o fôlego antes de prosseguir encosta acima. Alcançamos o tubo de cume às 16:03, para constatar que infelizmente, o descuido de algum trilheiro anterior expusera o livro à ação da água, estando inutilizado. De forma que o substituímos por um que levávamos e o recolhemos para tentar em SP, recuperar o que fosse possível das informações.

Você, que me lê, tenha em mente que os livros de cume cumprem funções de registro histórico, de auxiliar na gestão da travessia, bem como de agilizar o trabalho de resgatistas e bombeiros em caso de desaparecidos e/ou perdidos. É importante que sempre seja registrado o nome e origem dos integrantes do grupo, afinal “pedros” são muitos, mas “pedro, de Resende” é (pelo menos naquele momento, único, ali), de onde se chega e para onde se parte. Data e hora também devem ser registradas. Em caso de ataques, deve-se fazê-lo na ida e na volta. Dessa forma, sua passagem pela montanha fica “mapeada” e a área de busca, em caso de necessidade, sensivelmente reduzida. Registre também se o tempo (clima) estiver diferente do esperado. Acidente ou dificuldade inesperada na trilha também é algo que deve ser anotado. Isso porque permite maior acurácia na estimativa de velocidade de deslocamento do perdido/desaparecido.

Sempre envolva o livro com saco plástico, se o encontrar sem caneta, reponha (montanhista deve ter sempre consigo duas canetas e uma caderneta para essa manutenção coletiva e voluntária). Se o tubo de cume tem material para emergência e você não precisa, deixe-o (o material) lá. Caso precise usar, informe ao grupo mantenedor, para que seja programado /diligenciado a sua reposição. Nesse caso, de necessidade emergencial, torcemos que lhe seja muito útil.

Descemos o SJB em direção aos destroços do avião monomotor, que ainda brilham por entre a vegetação dos campos de altitude da sua encosta. No colo de transição, aguardei os colegas acessarem os destroços, estudando a carta topográfica para a instalação, correta, do tubo de cume do Índio Vuitir.

Com a volta do pessoal, seguimos descendo até a extremidade sul do IV, onde instalamos o novo tubo, com uma dedicatória ao Rodrigo Souza, de Queluz, conhecido também como “menino do Rio Claro”, grande amigo e profundo conhecedor da SF. Andou por grande parte da serra, tanto no lado mineiro, quanto paulista, desde pequeno. Poucos palmilharam tanto aquelas montanhas quanto ele. Sofreria um acidente no dia seguinte, sábado. Estamos torcendo e esperando sua pronta e plena recuperação, para voltarmos a caminhar nessas matas.

Tubo instalado, voltamos sobre nossos passos até o cume do SJB, vestimos as cargueiras e descemos em direção ao primeiro platô, para acamparmos. Acima de nós, no cume do SJB que rapidamente se perdia no lusco-fusco do final de tarde, deixamos o Douglas fazendo a manutenção do tubo de cume e combinamos de aguardá-lo com uma sopa quente.

A prioridade era buscarmos um local abrigado do vento e que permitisse armarmos, e bem, as barracas. Escolhi uma laje de pedra, com um pequeno areal na extremidade, em ângulo com a linha da crista (proteção do vento vindo do Sul) e em desnível com a laje superior, me abrigando de rajadas de leste. Um pouco menos cru no armar da minha barraca, em poucos minutos consegui um resultado bem satisfatório. Com a minha casa de montanha pronta, fui verificar se alguém precisava de ajuda e escolher algum lugar para o Douglas montar a barraca dele. Encontramos um pequeno areal próximo à barraca da dupla Dindo/Erick que tratamos de limpar de pedras e deixar em condições de uso. Voltei à minha barraca, vesti a roupa de dormir, e com tudo arranjado, cai para dentro dela. Preparei minha janta colocando 450 ml de água para ferver, primeiro um purê de batatas com bacon de proteína de soja, molho de tomate e depois uma porção de risoto de frango. Para acompanhar, suco de abacaxi. Para aquecer, um caldinho de feijão e uma caneca de quentão. O pessoal do Paraná me pediu o canivete emprestado, pois não achavam o abridor de latas. Emprestei, já com a lâmina solicitada aberta. O discreto alarido desse acampamento contrastava com o sisudo acampar da véspera, onde cada qual tratou de fugir do tempo inclemente com a brevidade possível. A decisão de pernoitar ali, e ainda mais, de fazê-lo “cedo” se mostrara muito acertada. Empanzinado, abrigado e aquecido, parti para os braços de Morpheus.

Foi uma noite sem maiores perturbações. Rajadas de vento marcaram presença a noite, minha barraca se comportou bem, talvez por estar mais abrigada. Teve quem sofresse com os ventos noturnos. Nessa noite a temperatura mínima, dentro da minha barraca alcançou 4°C. Considerando o tamanho dela e o efeito de microclima gerado, é provável que a temperatura ambiente tenha ficado próximo a zero, ou até um pouco abaixo. Talvez uns -2°C.  As águas próximas não congelaram, talvez por influência da pressão atmosférica ou porque a temperatura naquele platô não chegou a ser negativa.

Barraca do Guilherme vista da base do Ruah Leste

A alvorada foi “declarada” às 06:01 e rapidamente as mochilas de ataque para o dia foram arranjadas. Levei apenas capacidade para um litro de água, e isso é pouco (foi suficiente, mas muito justo). Partimos do acampamento pouco após as 07:00 descendo a laje de pedra até o Vale do Ruah, no colo entre o Ruah Leste e o SJB. No ponto de cruzo do vale, houve uma lata de sardinha, extremamente corroída, quase a se desfazer sobre o totem. Não a encontramos, talvez as intempéries a tenham terminado de consumir. Ou talvez algum outro grupo a tenha recolhido como lixo e retirado para a civilização. No passado, já debatemos sobre deixá-la ali ou não. Pelo cruzo, atravessar o vale até a laje ao pé do RL é rápido, não se faz necessário molhar as botas. Do outro lado, para ligar a “laje de chegada” com as “lajes de subida”, faz-se um vara-mato em nível, procurando não descer para o vale bem subir para a encosta. O capim estava mais fechado, não encontramos rastro bom, de forma que acabamos por fazer a passagem em fila indiana, o frente abrindo passagem, desembaraçando as folhas de capim que se entrelaçam e os demais, buscando deixar a passagem um pouco menos discreta para que conseguíssemos voltar por ela. Registro que isso é uma arte… ocorre por vezes de você apanhar da vegetação na ida e na volta… e ficar put**** é pior; não vence a vegetação e ainda estraga a vibe do rolê.

À esquerda, morro do erro. Atrás, à esquerda, Tartarugão. Centro: PM, vista do Ruah Leste.

Com muita técnica, paciência e suor, completamos a passagem de ida para as lajes de subida às 7:53, após um breve momento de recuperação de forças, iniciamos a subida alternando o conjunto de lajes já conhecido com curtos trechos de vara-mato e 08:27 alcançamos o cume para constatar que os bombeiros de SP instalaram no totem a placa de localização e orientação Y33 e que o caderno do tubo de cume estava danificado pela água. Registramos suas condições e dados, dentro do possível e o recolhemos para secar e tratar na civilização. Tratamos de efetuar a manutenção do tubo de cume, deixamos um novo livro com uma síntese do anterior. O Douglas levara uma verruma, mas efetuar os furos inferiores da espessa tampa de PVC com ela tomara muito tempo na véspera de forma que pediu que eu acendesse meu fogareiro de emergência para fazê-lo com o ferro rubro. Fiz o que pediu, mas enquanto a pastilha de combustível começava a combustão, conclui que seria mais eficaz utilizar o punção do meu canivete. Para não perder a chama aberta, fiz um chá quente. Dividimos as tarefas de escrever no livro, manutenção do tubo, aumento do totem para proteger o tubo da degradação pela luz solar, registros fotográficos dos trabalhos e do entorno e contemplação entre todos, reservando a parte de contemplar e fotografar para os amigos do Paraná, neófitos na Serra Fina.

A trupe, no cume do Ruah Leste, com Itatiaia ao fundo.

Reparo (troca) do livro

Concluídos os trabalhos no cume, iniciamos o retorno à base às 09:18, e como a descida é muito menos desgastante que a subida, 09:40 estávamos de volta ao início das lajes. Refizemos o caminho de ida, tentando desviar o mínimo da passagem desembaraçada anteriormente. Não tivemos grande desvio, de forma que 10:00 já estávamos caminhando pela laje do colo SJB – Camelo 1. Procuramos subir apenas o necessário, mas o grau de inclinação da encosta nos obrigou a subir até um platô e dali descender até o colo.

Criamos coragem e iniciamos a caminhada pela crista dos Camelos, subindo de descendo na sequência Camelo 1, Camelo 2, Camelo 3 (onde o Erick optou por nos aguardar o retorno), Camelo 4, Camelo 5 e finalmente, láááá em baixo, o cume do Camelo 6 às 11:44, onde constatamos, felizes, que o livro estava íntegro, totalmente preservado. O material de emergência também estava completo: cobertor de emergência, sachês de mel, toco de vela e isqueiro, ambos protegidos por tubo plástico adicional com tampa de pressão. Fizemos os registros devidos no livro e iniciamos o longa e cansativo retorno, cumeando o Camelo 5, Camelo 4 (tubo de cume) alcançado no retorno às 12:15. Desmontamos parte do totem, e constatamos que, nesse cume também tanto o livro de registro quanto os materiais de emergência estavam íntegros e preservados. Registramos a passagem, guardamos o livro e o material de emergência no tubo de cume e o recolocamos sob a proteção do totem.

Camelo 6. Material de emergência e livro de cume.

Continuamos o retorno, nos reunindo às 12:48 com o Erick que optara por aguardar nosso retorno no cume do Camelo 3. Passamos pelo Camelo 2, que também guarda livro de cume e que estava íntegro, e com o material de emergência intacto. Essa constatação sanava a dúvida que tínhamos, há tempos, sobre o corredor perdido em julho/2019 ter ou não utilizado o material de emergência implantado. Por qualquer motivo, o caso não recebeu atenção da imprensa e entendemos por respeitar a privacidade do esportista, já que seu nome não havia sido divulgado ao público. Com o livro íntegro, fizemos o registro rapidamente e remontamos o totem. A guarda do tubo de cume nos totens tem a função de protegê-lo da degradação pelos raios UV, que deteriora “rapidamente” as propriedades dos plásticos, tornando-os frágeis e quebradiços. As pedras também impedem que rajadas de vento anormalmente intensas acabem por lançá-lo nos vales. Acredite em mim, amigo: quando venta com vontade lá em cima, até o corajoso desanima.

Com o tempo ruim, a Páscoa na SF nos escapou, mas o Moai (ou Alpha) da cultura Rapanuí, abrilhantou o retorno dos Camelos.

Retornamos a passo contido, poupando a água remanescente, até o acampamento no platô do SJB. Arrumamos as tralhas, consumimos a água abundante que dispúnhamos ali e iniciamos a marcha montanha acima (e abaixo) até o Vale do Ruah, onde seguindo a rota tradicional, completaríamos nosso inventário de água para o seu limite, dada a extensão a ser percorrida na jornada em sequência, antes que se alcançasse fonte de água confiável. Nesse trecho encontramos grupos de trilheiros que desciam da PM para acampar no TE. Cruzar a nascente principal do rio, que vem do colo RL-SJB com a intervenção de melhoria da Ruah! ficou muito tranquilo. Não há mais necessidade de se equilibrar nas toceiras de capim, ou de escolher com cautela onde o solo é mais firme, buscando evitar afundar até os tornozelos na turfa. Uma espécie de ponte/estrada de pedras guia os passos do caminhante no trecho mais crítico. Pode parecer perfumaria para os puristas, mas essa ação alivia o pisoteio da área de nascente, contribuindo para minimizar o impacto antrópico. De forma geral, todos os grupos que encontramos tinham pelo menos um integrante contundido, o que retardava a progressão do grupo. Na cachoeira do Ruah, eu coletei 5,4 litros de água, fazendo minha mochila mais que dobrar de peso. Decidimos não fazer a janta ali, para ganharmos cerca de uma hora de luz para caminhar mais rápido, decisão que se mostraria bem acertada. Havíamos planejado que pernoitaríamos no cume do Cabeça de Touro, em bivaque, mas a incerteza quanto ao tempo nos fez decidir alternar para acamparmos no cume, mas em duplas, nas barracas com estrutura autoportante. Eu faria dupla com o Guilherme, o Will com o Douglas, o Erick com o Dindo. Deixaríamos o material que não utilizaríamos na descida do Cupim de Boi, em direção ao colo CB – CT.

Com a decisão alternativa tomada, apertamos o passo para aproveitar o final de tarde, buscando alcançar a crista do CB com o sol poente. Rapidamente cruzamos o que faltava do Vale do Ruah, desviando se infindáveis poças de água decorrentes das chuvas nos dias anteriores. O trabalho de manejo da Ruah! nesse trecho tornou a navegação dentro do vale, antigo crux da travessia, bastante óbvio, evitando a abertura de caminhos alternativos.

Do outro lado do vale, deixamos o vale para subir o Pico da Brecha, notando como o manejo da trilha, alargando a passagem tornava a progressão mais célere e menos sofrida. Para nós, que estávamos inteiros, resultou em ganho de tempo… para aqueles que estão se arrastando, seja por exaustão física ou por alguma contusão, tornam o avançar dos metros menos árduo. Logo passamos outro grupo que havia iniciado mais cedo e às 16:11 iniciamos a descida até o pé da crista do CB, mantendo o imponente Vale das Cruzes à nossa direita.

Seguíamos à frente: eu, o Will e o Erick. De tempos em tempos fazíamos paradas para garantir que a distância entre nós e o segundo grupo não se tornasse muito expressiva. As cargueiras, nesse trecho estavam em sua carga máxima e caminhávamos mais ou menos vergados sob o peso adicional da água necessária para enfrentar a exploração do CT e do Alto dos Ivos Real, no dia seguinte. Ventava frio, então procurávamos fazer paradas curtas e manter uma velocidade próxima do segundo grupo para reduzir aos poucos a distância que nossa afoiteza havia criado. No cume do CB, a trupe se reuniu novamente, e sob os últimos minutos do crepúsculo, iniciamos a descida do CB. Depois de nos afastarmos uns 15 m da crista e descermos uns 10 na vertical, escolhemos um ponto abrigado de olhares curiosos para guardar nosso material excedente até a manhã seguinte. Deixei ali 3,5 l de água, minha barraca e toda a comida que exigia cocção para consumo, assim como os doces, as castanhas e guloseimas de lanche de trilha para o dia derradeiro.

Perto da carga que levava há pouco, agora minha mochila voltara ao normal.  Com o Douglas à frente desescalamos a encosta, não sem sustos e perigos. O Douglas sofreu umas 3 quedas maiores, felizmente sem consequências mais graves. O pessoal relataria, depois, que olharam na face da Morte, de perto, algumas vezes. A mata havia fechado bastante a passagem, e as árvores mortas, “Pelada” e “Peladinha” que nos serviam de referencial haviam caído e as partes remanescentes de seus troncos não se destacava acima do dossel da vegetação fechada. Encontramos a sequência de passagens técnicas corretas para desescalar aquela encosta na base da tentativa e erro. As coisas começaram a melhorar quando encontramos uma enorme moita de fúcsia, que imediatamente me assegurou estarmos no rastro. Aqui, abro um breve parênteses quanto ao registro de GPS: onde a distância entre o “caminho certo/viável” e o “incerto/mortal” se mede em metros, não se pode fiar nos registros. É necessário interpretação do terreno a cada lance, para que não se acesse um ponto que não permita progressão segura nem retorno sem equipamento técnico, de que não dispúnhamos.

Achado o rastro da trilha antiga, foi questão de segui-lo, lenta e atentamente, enquanto eu sinalizava ao Douglas que, naquele trecho, o registro de passagem estava à direita, à esquerda ou à frente. Ele, na ponta do grupo, testava o seguir à frente, enquanto eu, logo atrás ficava atento a variação na disposição dos tufos de capim que pudesse denotar um rastro de trilha ao lado. Quando algo (normalmente, as folhas entrelaçadas das toceiras obstava o progresso, era sinal inequívoco que havia uma mudança de direção que não havíamos notado. Como eu vinha atento ao conjunto “facilidade de progressão X variações na linha do dossel de capim X registro de passagem pelo GPS” na maioria das vezes, rapidamente corrigíamos o rumo e avançamos pelo rastro da antiga trilha. Com esse trabalho de equipe em pouco tempo (para as condições em que estávamos, bem pouco mesmo) alcançamos o Totão, uma rocha quase cúbica de 3 m de aresta que se projeta da laje. Dali, o Totinho à esquerda e acima indica onde se precisa chegar para poder progredir pelos trechos de laje até o pé do CT. Para acessar o Totinho à esquerda um curto vara-mato na diagonal para direita leva a uma mini “crista” sem vegetação. A partir daí é questão de seguir buscando a aresta direita do CT, de totem em totem e depois subir no tradicional zig-zag de encosta, buscando sempre as lajes e os rastros de passagem. Fizemos a progressão sem pressa, com diversos intervalos curtos para recuperar o fôlego.

Guilherme fazendo a manutenção do Totão. Cupim de Boi ao fundo.

Cerca de 20:00 alcançamos o cume, com o Erick puxando a frente de conquista. Rapidamente tratamos de avaliar a área disponível para camping: uma laje de rocha quase que totalmente plana e trechos de vegetação baixa ao redor, que comprimida sob a dupla camada do fundo das barracas e da sua respectiva lona de proteção, faria às vezes de acolchoado extra. Quando alcançamos o cume não havia vento mais forte, apenas ocasionas brisas que pouco incomodavam. Apesar disso e da temperatura aparentemente não estar tão baixa, tomamos a ação combinada de vestir as roupas de dormir para o tronco antes de nos dedicarmos à montagem do acampamento. Tal proceder visava preservar o precioso calor corporal e se mostrou efetiva, pelo menos no meu caso. Adicionalmente às minhas roupas de tronco, o Douglas me emprestou por um tempo sua jaqueta de pluma e quando estava dentro do saco de dormir, com ela, chegou ao ponto de estar muito quente, então devolvi a jaqueta e fiquei apenas dentro da barraca + saco de dormir.

A janta preparada pelo Guilherme consistiu numa saborosa macarronada com cebola, bacon e linguiça. Como de praxe, jantei e capotei até a alvorada seguinte. Felizmente, optamos por evitar o bivaque, uma vez que perto das 03:00 tivemos uma breve, porém intensa chuva nos acalentando a alma do peso das barracas carregadas montanha acima.

O domingo amanheceu menos espetacular que os dias precedentes, com a região das Agulhas Negras sob nuvens cinzentas e chuva. O tradicional tapete de nuvens cobria o Vale do Paraíba, sob nossos pés. Eu havia obtido uma atualização da previsão climática pelo comunicador satelital, e uma vez que a chuva prevista como “possibilidade” durante a madrugada se concretizara, não havia motivo para duvidar do resto da previsão, que apontava alternância de períodos sob nuvens com períodos de sol pleno.

Desmontando o acampamento no CT. PM ao fundo.

A experiência dos paranaenses com o tempo mais próximo do mar conflitava com o que ocorre nas terras altas da Mantiqueira, lá, os mesmos sinais que aqui denotavam um tempo de sol entre nuvens indicavam chuva, por vezes intensa no começo da tarde. Tal diferença de evolução decorre da microescala no desenvolvimento das perturbações atmosféricas. Ficamos fazendo hora, lendo os livros de cume, arranjando as tralhas nas mochilas de ataque até as 08:00, quando sob sol mais firme partimos para os destroços do avião Bandeirante que repousam no colo entre o cume principal do CT e o cume secundário, onde há um tubo de cume adicional, que nos guardava uma grata surpresa: dois geólogos, em 15/03/2020 registraram a passagem por ali, Graciano Carlos de Freitas, natural de São Miguel do Anta/MG e mestrando pela UFRRJ e Heber dos Santos Silva, de Seropédica/RJ, também mestrando pela UFRRJ, aproveitando para deixar eternizado o apreço pelas respectivas companheiras. O livro havia sido utilizado para a finalidade a que se destinava, fechado e preservado adequadamente e o material de emergência permanecia completo, pronto para fazer a diferença em uma necessidade real. Também estava anotada, a passagem do guia Vinicius da agência TREK, na véspera.

Itatiaia ao fundo. À esquerda, Cupim de boi. À Frente, Cabeça de Touro, após o Vale das Cruzes.

Aos que desconhecem, após o incêndio da SF, no período em que ficou fechada a visitação pública, foram feitas diversas incursões de cunho acadêmico/científico para subsidiar as ações de preservação e gestão da área. Essa era a condição de contorno dessas pesquisas de mestrado. Vou procurar as dissertações, certamente trazem informações interessantes para o conhecimento da orogênese daquela região.

Enquanto o Douglas e o Will guiavam os amigos do Paraná, eu fiquei fazendo a manutenção do tubo de cume e os devidos registros da pernada em que estávamos metidos. Fiz alguns registros deles na asa do avião, que é visível tanto do cume do Bandeirante quanto da encosta do Alto dos Ivos. Com o Três Estados à sua frente, localize o CT, depois o falso cume. No colo entre os dois, a cerca de 40 m abaixo do horizonte, em dias de sol, observará uma mancha brilhante na mata, que parece água escoando pela rocha. Não é. É a parte visível da asa do avião Bandeirante.

Douglas descendo o CT. Ao fundo, do lado direito, o Cupim de Boi.

Asa do avião Bandeirantes na encosta do Cabeça de Touro. Ao fundo, Pedra da Mina.

Com os registros feitos, iniciamos o retorno ao acampamento no cume principal às 09:30 e, depois de arranjar as cargueiras com as tralhas, 10:20 iniciamos a descida. Sem a dificuldade de vencer a gravidade para ganhar os metros necessários, e como para baixo todo santo ajuda, 10:41 estávamos na base do CT, buscando as lajes que franqueiam o acesso ao Totinho e dele, ao Totão. O retorno, com a luz do dia foi muito menos árduo, mesmo precisando galgar a encosta do Cupim de Boi com as cargueiras. Para reduzir o risco que eventuais montanhistas se exponham naquela encosta, deixamos duas pequenas fitas laranjas direcionando a descida na parte mais delicada da encosta. Ao descer, haverá primeiro um totem, e desse totem, as fitas estarão visíveis.  Evite derivar muito para a direita, porque na borda é um paredão à prumo. O acesso passa por moitas de bambuzinho e de fúcsia. Ao nível das moitas de fúcsia, já terá superado a parte mais vertical da encosta e é momento de, descendo, dobrar a direita e começar a buscar o colo CB-CT.

Cabeça de Touro, último dia. Prontos para iniciar o sofrer sob as cargueiras, novamente.

Chegamos no ponto do cruzo com a trilha clássica da SF às 11:47, marcado pela placa de cume do CB com a altitude registrada de 2543 m. De extra, só faltava o ataque ao Alto dos Ivos Real. Tínhamos 6h 43 minutos para cobrir um dia de SF clássica + 1 ataque. Estávamos dentro do cronograma e pretendíamos manter as coisas assim. Deixamos o CB em busca da área de acampamento CB – Três Estados e dali começamos a longa subida que dá acesso à base da encosta final do TE. Subindo sem pressa, parando para retomar o fôlego e apreciando a paisagem, fomos aos poucos passando um grupo de trilheiros que tinha uma integrante com um dos joelhos contundido.

Alcançamos o cume do TE às 12:40 e fizemos uma parada mais longa para apreciar o finzinho da travessia. Quando o grupo guiado começou a chegar, aproveitamos para pedir que fizessem um registro nosso e, em seguida, às 13:10 retomamos o caminhar, agora descendo a extensa encosta do TE em busca do acesso ao Bandeirante, penúltimo cume da travessia clássica e para nós, o antepenúltimo.

A clássica errada para esquerda na base do Bandeirante foi muito dificultada pela sinalização explícita providenciada pela Ruah! que aponta que nesse trecho, o caminho é para cima. E isso, literalmente. Uma escalada praticamente vertical de uns 15 m, à direita, conduz o montanhista à sequência da trilha, agora em cota mais elevada. Do Bandeirante, não tardamos muito para alcançar o Alto dos Ivos, deixando as cargueiras ao lado da trilha principal, de forma que não dificultassem a passagem do grupo que havíamos encontrado mais cedo. Nos dedicamos a estudar como faríamos o acesso ao Alto dos Ivos Real. Seguindo totens, fitas, rastro da trilha e a própria lógica de instalação e manutenção de trilhas, às 15:18 celebramos com uma foto o alcançar dos 2.535 m do último fora da rota desse rolê e iniciamos o retorno ao Alto dos Ivos (clássico – falso cume – 2.509 m).

Alto dos Ivos Real

Vestimos as cargueiras e retomamos a caminhada, rapidamente ultrapassando o grupo guiado pelo Ricardo, que gentilmente nos deu passagem. A meta agora era chegar até as 18:30 na estrada, conforme combinado previamente com os amigos que faziam nosso transfer. Como todos dispúnhamos de água com certa sobra, tomamos a cautela de verificar com os montanhistas que encontrávamos a situação, para que, caso estivessem “à seco” poder compartilhar um pouco do precioso líquido. Mesmo com o tempo despendido nos dois controles de saída, no Pierre e na porteira próximo à estrada, apertamos o passo para concluir o rolê antes das 18:30, como combinado.

Brasileiros de pontualidade britânica: foto feita às 18:30 pelo Guilherme, primo do Rodrigo Souza.

Encontramos a Pat e o Guilherme subindo a estradinha em nossa direção, com a intenção de aliviar os últimos (os piores?) metros da nossa pernada. Gentilmente, declinamos do “alívio” ofertado e tocamos até a BR, ponto clássico do resgate. Nessa hora ficamos sabendo do acidente que o Rodrigo sofrera, e que aguardava transporte em ambulância para São José dos Campos, onde seria submetido a uma complexa cirurgia no pé fraturado. Nosso resgate nos levou até o Hostel Serra Fina, onde encomendamos duas pizzas deliciosas e banho quente para todos. Enquanto arrumávamos as tralhas, para que coubessem no carro, descartamos vasilhames vazios e os nefandos saquinhos dos ST/KD.

Aproveitei que minhas coisas estavam meio que mais compactas que a média para ser um dos primeiros a tomar banho. No friozinho noturno, a água quente parecia mistura de bálsamo e massagem nos músculos. Foi bom demais. Acredito que única coisa que conseguiu me tirar de sob o chuveiro para o frio noturno foi perspectiva de saborear pizza com coca cola zero.

As pizzas estavam muito boas e foram acompanhadas de cerveja, para quem não dirigiria e de coca cola para os motoristas do retorno. No meu caso, Coca Cola zero, rsrs… brindamos à conclusão, sem ferimentos graves, mesmo com o -portar do orifício na mão da descida noturna no Cupim de Boi dessa terceira Serra Fina Full. Nominalmente, os sem-juízo que já concluíram essa pernada, cada vez mais extensa e intensa são: Rogério, Douglas, Marinaldo, Rodrigo, Zagaia, Areli, Wilian, Vilmar (Dindo), Guilherme e Erick.

Os piás que nos acompanharam nesses dias foram os primeiros paranaenses a concluir a Serra Fina Full, e em sua (até agora) máxima extensão. Gurizada forte, que representou com muita bravura os montanhistas do Paraná. É importante registrar que, mesmo sendo muito mais desgastante fisicamente que a tradicional travessia (51 km e 5.500 de subida X 32 km e 2.200 de subida), com cargueiras particularmente pesadas (livros e material de reposição, alicate, tubos de cume, água adicional para os ataques), o principal insumo de um rolê desses é o planejamento prévio, com acompanhamento da evolução ao longo da pernada. Uma vez na serra, mais que a força das pernas, conta a persistência e a determinação em prosseguir, mesmo cansado, frio e doído. Com o perdão da aliteração, coisa de DOIDO mesmo. Daí, Malucos da Amantikir.

Grande amigo, Rodrigo Souza

Amigo sem juízo nenhum, mas de coração de ouro. Me inventa as trilhas mais insanas (“tive uma ideia!” é sinal de algo ousado, complicado e perigoso está sendo maquinado), riscando na carta topográfica e nas fotos trilhas que, se já existiram, foram perdidas há muito tempo. Um montanhista de coração aberto que concluiu a subida da face sul da PM, o Rio Claro num domingo e na quarta seguinte estava na SF, combatendo o incêndio que grassou naquelas altitudes, no começo da pandemia. Amigo que vi chorar igual criança, franco e convulsivo, de ficar com a face riscada pelo correr das lágrimas, lavando as cinzas que irmanavam todos os combatentes. Um maluco tão apaixonado por essas montanhas, que desceu do combate das chamas na encosta do Misericórdia, tendo assegurado (junto com outros brigadistas) que as chamas não alcançassem o Ruah Norte no domingo e na terça me dava a honra de escudá-lo no guiar do grupamento de bombeiros de SP pelo Rio Claro, em direção à PM novamente para avaliar as condições, e, caso necessário iniciar a abertura de um aceiro que pudesse conter o avanço das chamas. Menino do Rio Claro, paciência, força e Fé, logo você retomará as pernadas que tanto adora. Forte abraço, torcendo pela sua plena recuperação.

F

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6 Comentários

  1. Igor Henrique em

    Huum, achei que eram picos que não estavam liberados ou seja proibidos, porém nada disso foi mencionado… Um tanto quanto irresponsável pelos participantes.

  2. Como enterrar fezes nas cristas da mantiqueira?? Solo basicamente rocha, onde tem vegetação não chega a 10cm!
    Absurdo! Ainda se diz “montanhista” !

    Outra coisa berrante é não cumprir as regras em vigor e ainda divulgar na mídia! Estes picos não estão liberados para visitação!
    Espero que os responsáveis tomem as devidas providências.

  3. Cleyton Varchaki em

    Parabéns aos Montanhistas!

    Bacana ver o pessoal de estados diferentes reunidos.

    Travessia para gente grande! Moçada experiente, que faz a coisa com planejamento e segurança.

    Esses terão história para contar, além de amizades para a vida.

    Abraços

  4. Parabéns a todos.
    A montanha está lá para ser escalada, proibida ou não.
    Não dêem atenção ao pessoal que fica no teclado reclamando do feito dos outros, afinal ainda não descobriram um remédio para a inveja.

  5. Hiro Tatskugotochi em

    Empreitada absurda, desrespeitosa, mentirosa e ofensiva. Felizmente foram desclassificados do mosquetão. Bando de abobados.

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