Travessia Sul da Serra do Cabral

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Ela não passa desapercebida p/ quem circula pela BR-135 e vai pra Bahia, pois destoa da horizontalidade da planície norte-mineira. Elevando-se quase 700m tal qual a “Muralha” da Mantiqueira (na Via Dutra) e estendendo-se por 9 municípios da região, a Serra do Cabral é uma escarpa montanhosa desgarrada do Espinhaço com características próprias. De formato piramidal e delimitada pelos rios Curimataí, Jequitaí e Velhas, foi no seu contraforte sul q realizamos uma travessia selvagem de quase 80kms onde cerrado e sertão se misturam. Saindo do povoado de Vaca Selada e findando na pacata Lassance, eis uma pernada q percorre chapadas, campos rupestres e veredas sob sol escaldante. Mas q é recompensada não apenas pela fartura de água e cachus ainda sem nome, mas tb por uma beleza natural q serviu de referência aos viajantes no período colonial e até pra literatura

Meu interesse pela Serra do Cabral data do ano passado, duma travessia feita nos arredores de Serranópolis na cia do gde andarilho mineiro Antônio Jr Oliveira, mais conhecido como Toninho. A extensa parede q se estendia boa parte do trajeto da BR-135 me fez imediatamente pesquisar a respeito, ansioso por saber q grandiosa serra era aquela. Era a Serra do Cabral e sua riqueza endêmica -selvagem motivou a criação dum Parque Estadual pra fins de preservação, abraçando dois municípios (Joaquim Felício e Buenópolis). De acesso restrito, busquei de tds as formas bolar uma pernada dentro daquela unidade de conservação, mas desisti pelas restrições burocráticas envolvidas. Tb pudera, sítios arqueológicos ainda sob estudo e de acesso limitado eram obstáculos pra adentrar livremente no mesmo.

Mas a Serra do Cabral não se limitava apenas ao pque. Ela é enorme e se estende por bons 9 municípios. Foi ai q o Toninho sugeriu uma pernada pelo seu setor sul, bem longe dos domínios do Pque. Mas ainda assim td cuidado era pouco, uma vez q referências dessa serra são poucas, senão nenhuma. Afinal, o alto daquele filho desgarrado de Espinhaço é desconhecido e selvagem, tremendamente agreste, vasto e seco, e td logística demandava necessariamente um trajeto q incluísse boas doses de água. Não só pra abastecer a goela mas tb pra refrescar o rosto do calor escaldante do alto verão. Pronto. Decidido. E assim surgiu um roteiro mais refinado, q abraçava cabeceiras, nascentes e cachus de rios q despencam serra abaixo.

Dessa forma eu e a Lau chegamos em “Beozonte” um dia antes da pernada por motivos logísticos, numa noite de sábado. Lá o Toninho nos acomodou nas moradias universitárias da UFMG  na cia do Leandro Damasceno, 4º integrante da trip, por sua vez natural de Caeté. Cansados, jantamos um delicioso “macarrão na chapa” das proximidades e na sequencia nos recolhemos, afinal o dia sgte começaria bem cedo com mais um longo deslocamento.

No domingo madrugamos e zarpamos imediatamente pra rodoviária, onde tomamos o coletivo da Transnorte com destino a Augusto Lima as 6:15hrs. Depois soubemos q um 5º integrante da trip chegara atrasado na rodoviária, perdendo a travessia proposta. Pois bem, aproveitamos a demorada viagem pra dar continuidade ao sono, por sinal bem picado naquela noite quente e abafada. Com direito a uma breve parada na metade do trajeto, q não me recordo bem onde foi mas serviu pra tomar nosso desjejum. E tome cochilo novamente…
Acordei de sobressalto com o Toninho nos avisando q era hora de descer. E assim saltamos num solitário pto de bus a margem da BR-135 ás 10:15hrs, logo após passar Corinto e cruzar a ponte sobre um volumoso e barrento Rio das Velhas. Ajeitamos as cargueiras enqto observávamos o busão indo embora em direção a seu destino, distante 20km dali. E assim começamos oficialmente a pernada proposta, tocando por um estradão de terra q nascia perpendicularmente ao asfalto e seguia indefinidamente pra noroeste. Ao longe, podíamos avistar aquela enorme e verdejante muralha elevando-se diante de nós, ainda distante bons 10kms.

A pernada pela estrada de chão transcorreu sem gdes intercedências. Logo no comecinho passamos por um rústico botequinho pra depois andarilhar pela horizontalidade do nada e lugar nenhum, onde o destaque era a onipresente vegetação ressequida de cerrado e uma profusão de gafanhotos jurássicos por td trajeto. O dia, por sua vez, apresentava-se envolto naquela nebulosidade clara, porem bem quente, fato q passou desapercebido neste inicio de pernada quiçá devido a excitação de tê-la iniciado. Ate q passaram uns carros pela gente levantando poeira – a quem ate pedimos carona – mas por serem veículos pequenos e lotados não conseguimos abreviar a quilometragem de estrada daquele dia.

Por volta das 11hrs chegamos no bairro de Vaca Selada – q se resume a um punhado de casebres espalhados – , cruzamos a linha férrea e meia hr depois o pontilhão sobre o largo, volumoso e barrento Rio Curimataí, já cada vez mais próximos do paredão serrano, cada vez maior a nossa frente. Um gde descampado repleto de bois antecede o trecho onde abandonamos, enfim, a estrada. Antes, porém, uma breve parada pra colher mangas e aproveitar o pouco de sombra naquele início de tarde, onde o tempo dispersara td nebulosidade e escancarava um sol forte de rachar.

Dito e feito, exato meio-dia abandonamos a estrada tomando um trilho q nascia pela direita, subindo suavemente até alcançar o sopé da serra, onde a caminhada prosseguiu por um trilho maior q subia a encosta gradativamente. O sol forte daquele horário logo se fez sentir – principalmente pra Lau, q teve princípio de insolação – e td correguinho q descia encosta era bem-vindo não apenas pra molhar o rosto como pra colocar goela abaixo.

Após penosa subida alcançamos uma espécie de pré-topo serrano e dali prosseguimos em nível rumo leste, palmilhando uma precária estrada abandonada com sol castigando forte nossas cacholas. Felizmente as 14hrs fizemos uma parada num simpático riozinho q cruzava a estrada e salvou a pátria naquele inicio de tarde calorenta. Não nos fizemos de rogados e caímos sem cerimônia nos pocinhos e banheiras q o oportuno ribeirão oferecia. Descendo um pouco o curso d’água, havia enormes lajotas inclinadas q culminavam num poção maior, porém raso, onde nos deliciamos a não poder mais. Aproveitamos pra descansar e beliscar alguma coisa, pra alegria da Lau, cujo tchibum revigorara seu estado de forma geral.

Com ânimo e fôlego renovados, prosseguimos nossa pernada abandonado a picada até então percorrida, e passamos a acompanhar o curso do rio, galgando degraus pelo pasto sempre indo pra noroeste. Ganhando mais e mais altitude os horizontes logo se ampliaram e passamos a andar pelo alto abaulado dos cocorutos serranos, com bela vista dos arredores, duma antena próxima e do sinuoso Rio das Velhas, a oeste. Andando agora em nível, logo o pasto deu lugar a um picadão maior em meio a vegetação retorcida, e dali tocamos sempre pelo alto da serra, durante um bom tempo. Flores e mais flores pincelam este trecho agreste e ressequido, de beleza singular.
Após um tantão finalmente começamos a descer suavemente num vale, onde já podíamos ouvir o rugido de agua abundante bem próxima, som q naquele calor escaldante soava como música a nossos ouvidos. Uma vez na margem do rio passamos a acompanhá-lo, palmilhando uma bucólica  vereda de altitude cercada de pasto e buritis perfilados. Em tempo, veredas são os “oásis do sertão”, e buriti significa “árvore da vida” (em linguagem indígena), uma vez q dele se extraem tds os ingredientes necessários á sobrevivência. Olhando atentamente, havia tb ruínas duma antiga olaria a mto desativada. O cansaço acumulado já cobrava seu tributo e não víamos a hora de encostar o esqueleto naquele finalzinho de tarde. Dito e feito, após cruzar pro outro lado do rio – com agua ate a coxa – jogamos as cargueiras num terreno razoável de pasto e terra onde conseguimos armar confortavelmente nossas barracas. Eram apenas 18hrs e o sol ainda nos dava mais 2hrs antes de cair atrás dos morros. Naquele dia totalizamos 22km percorridos.

Antes disso, nos deliciamos nos remansos do rio (Tombador, pela carta), q corria encachoeirado daquela beirada de serra e se afunilava cânion abaixo, em contraponto da serra do mesmo nome, a leste. A gente até se embrenhou mais abaixo, apenas pra ver o curso d’água formar um tobogã sem fim. Claro q nenhu8m de nos testou o dito cujo, e curtimos a segurança dos poços e cachus menos selvagens dos arredores. Na sequência armamos as nossas tendas, mas não sem sermos surpreendidos por um breve temporal q fez questão de ensopar nossas tralhas mas ao menos nos refrescou naquele final de tarde calorento e repleto de mosquitos. Fogareiros imediatamente ronronaram emanando o delicioso odor de macarrão com calabresa defumada, q sumiu da panela num piscar de olhos. Não deu nem tempo de conversa, socialização e nem nada. Td mundo desfaleceu após encher o bucho e capotou em seus sacos-de-dormir. Exaustos, precisávamos recuperar as energias e disposição pro dia sgte e nem vimos a noite coalhada de estrelas.

A manhã sgte irrompeu estupidamente clara e limpa, e não demorou pros braços do Astro-Rei tocar as barracas e nos expulsar devido ao calor. Mastigamos nosso desjejum enqto as cargueiras engoliam td equipamento e, bem mais dispostos e revigorados, demos pontapé inicial da pernada daquele dia pontualmente as 9hrs. Começamos o dia já tropeçando com uma elétrica cobra-dágua ao subir a encosta daquele vale, sentido noroeste. Passado o susto e rasgado o primeiro mato daquela manha, a subida logo suavizou ao se dar através do chão lajotado dum córrego seco. Suavizou em termos, pois mesmo palmilhando em suave aclive praticamente por uma “estrada de pedras”, o calor já logo disse a q veio. Inúmeras paradas foram necessárias, fosse pra recuperar fôlego como pra bebericar goles d’água empoçada no caminho.
Uma vez no alto e abandonando o vale q havíamos pernoitado, encontramos uma trilha q tocava na direção desejada. Bordejamos então um reflorestamento em meio àquela cumieira, lá pelas 10:30hrs, e logo nos vimos descendo suavemente em direção ao vale sgte. A esta altura o cerrado mostrava td seu esplendor com sua vegetação arbustiva de galhos retorcidos. O barbatimão se destacava do mato ao redor como única arvore avistada, com suas folhas miúdas dançando a suave brisa. No chão, desperta atenção a coroa de frade em meio a rochas quartzíticas claras. Nos arbustos a coisa não era diferente, com td sorte de cores nas flores miúdas preenchendo galhos aparentemente secos e agrestes.

As 11:30hrs e sob forte sol daquele horário chegamos as margens do rio sgte – q cruzamos sem maior dificuldade com agua ate a coxa –  onde fizemos uma breve parada sob a sombra do arvoredo e o chiado das maritacas. Havia ali tb um casebre abandonado com sinais de uso recente (caçadores?), uma vez q havia um leito e algum mantimento ainda em condições de consumo. No entanto, a gente não quis nem saber disso e sim da refrescante agua q os poços represados daquele rio tinham, ideais pra amenizar o calor do meio-dia do sertão. Tchibum , sombra fresca e algumas beliscadas de barras de cereais e frutas complementaram aquele breve pit-stop. Aliás, o calor daquela região era tanto q azedava rapidamente as frutas, tanto q perdemos uma maça e duas bananas, o q reduziu nossos mantimentos. De qq forma, eu e a Lau soubemos racionar o restante de modo a não passar fome nos dias restantes.

A pernada prosseguiu pela cumeeira sgte, felizmente através duma precária vereda q não apenas era ornada em ambas margens por vistosas canelas-de-ema  como reluzia os cristais de sua composição quartzitica, típicas do Espinhaço. Mas td q é bom dura pouco, pois logo tivemos q deixar o conforto da picada pra adentrar no mato duro e espinhento de modo a descer pro vale sgte. Afinal, nossa rota não deveria fugir de noroeste. E assim fomos desescalaminhando a encosta sgte nos segurando na vegetação ao redor, enqto usávamos pedras e touceiras maiores de mato como degraus. Nesse processo fatiei o dedo ao encostar de mau jeito numa belezura do capim-navalha, e meus resmungos devem ter sido ouvidos quiçá até em Diamantina. Ao longe, um negrume no firmamento indicava pancadas acompanhadas de trovoadas, mas q não passou apenas de susto pois o vento deve ter levado o temporal proutra direção.

Pois bem, deixamos a ralação pra cair nas margens do segundo rio do trajeto, o córrego dos Porcos, por volta das 14:30hrs. Cruzando ele cuidadosamente pra outra margem, desabamos ali merecidamente nas largas e espaçosas lajes de pedra, onde ficamos mais um tempo. Como era praxe de td parada, lanche e tchibum no piscinão a nossa frente pra amenizar o forte calor daquele inicio de tarde. Aproveitamos tb pra remediar os estragos q a caminhada causara em tds: eu remendava o dedo com esparadrapo; o Leandro cuidava dum corte no pé colocando mais esparadrapo; e com esparadrapo já sendo racionado, não sobrou opção pra Lau cuidar das bolhas no pé com absorvente OB, dica q pelo menos calhou provisoriamente. O Toninho era o único isento de feridas, ou se tinha pelo menos disfarçou bem.

Revigorados, demos continuidade a nossa jornada deixando aquele delicioso vale ornado de buritis perfilados, e assim fomos subindo a sua encosta sgte. Inicialmente em suave aclive através do pasto encharcado, pra depois galgar os degraus rochosos dos campos rupestres formando belos paredões. No alto acompanhamos rio acima com o olhar e avistamos uma bela cachu. “Merda!”, vociferou um inconformado Toninho. “Se soubesse q tinha essa cachu tínhamos parado nela.”, completou. Paciência, ne? Fica pra próxima.

E assim andamos pela larga cumieira sgte em nível durante um tempão, sem desnível algum, rumo noroeste. Na verdade era um vasto planalto cercado de cerrado, onde pelo menos palmilhávamos um obvio trilho de boi pois a areia apresentava pegadas dos mesmos. A horizontalidade daquela paisagem monótona só era quebrada qdo se prestava atenção aos detalhes, da vegetação. Florzinhas alvas coroavam as sempre-vivas, sementinhas vermelhas brotavam de galhos ressequidos e sem vida, e lindas flores de tom rosado formavam espécies de tufos de algodão em plantinhas menores. Enfim, a vida vegetal pulsava nestes cafundós aparentemente seco e sem vida.
Alcançamos o vale sgte sem dificuldade alguma, pois bastou acompanhar a vereda palmilhada e descer suavemente pelo capim ralo ate a margem do rio sgte. Buritis ornando as margens duma sucessão de piscinas naturebas era paisagem recorrente deste sertão, e algo mais q bem-vindo a esta altura do campeonato. Por ser já quase 17:30hrs encerramos o expediente do dia ali mesmo, numa espaçosa clareira perto do rio com uma oportuna e larga pedrona plana q serviu de “mesa de cozinha”.

Após merecido tchibum nos trajamos devidametne de modo a não sermos devorados pelos mosquitos, q endoideceram naquele final de tarde, e imediatamente pusemos os fogareiros a trabalhar. Não demorou pra fatias de calabresa e uma seleta de legumes completarem nosso arroz branco recém cozinhado, q nunca esteve mais delicioso. Enqto mastigávamos a janta antes do horário, apreciávamos o maravilhoso pôr-do-sol por trás das vastas veredas daquele cafundó do Espinhaço. Qdo a escuridão tomou conta daquele espaçoso vale, até q ficamos um tempo conversando na rocha e olhando pras estrelas. Mas o cansaço logo pegou de jeito e nos enfurnamos a nossas tendas. Havíamos percorrido apenas 18km mas o cansaço acumulado cobrava seu tributo com jeito. Naquela noite nem vi, mas me disseram q foi estupidamente entupida de estrelas.

Aquela terça-feira q corresponderia ao último dia do ano amanhecera radiante, tal qual o anterior, e não tardou pro calor logo nos expulsar das barracas. Revigorados e bem mais dispostos, tomamos rapidamente nosso desjejum e arrumamos nossa coisas prontos pra mais um dia de jornada. Já meio calejados da quilometragem e do ritmo da caminhada até q estávamos bem animados. Só não contávamos q aquele dia seria o de menor distância percorrida e o mais perrengoso.

Começamos o dia as 8:30hrs, atravessando facilmente o rio q nos providenciara banho dia anterior, e tocando pra noroeste através duma obvia picada q seguia naquela direção, subindo suavemente. Não demorou pra desembocar num reflorestamento, onde nossa rota se manteve em nível e inalterada. Mas logo tivemos q abandonar a estrada pra ir de encontro a beirada da serra, no vale sgte, sempre noroeste. Mas o trajeto mostrou-se facil e desimpedido, uma vez q foi feito sob a suave encosta gramada e florida duma colina corada de buritis no topo. A Lau até encontrou uma rara e minúscula plantinha carnívora de tons vinhos, coisa q so tinha visto no Monte Roraima. Este trecho era bem bonito cenicamente e mereceu vários cliques por parte da galera.

Uma vez na beirada da serra, ouvimos o rugido duma gde queda bem próximos e, entusiasmados, fomos ao seu encontro. Não deixaríamos passar nenhuma gde cachoeira como fizemos involuntariamente o dia anterior. E assim perdemos altitude suavemente através de vegetação arbustiva de fácil transposição até chegar num trecho mais rochoso. Ali naquele lugar sombreado, a Lau decidiu nos aguardar com as cargueiras enqto os marmanjos iam de encontro á queda, coisa q não demandou mto não.
Bastou dar continuidade a desescalaminhada fácil em meio as pedras, cruzar um foco de bambuzal e num piscar de olhos nos vimos as margens dum belo e encachoeirado rio as 10:45hrs. E q cachoeiras! Um gde véu d’água despejava seu precioso líquido da beirada serrana num poção de tom acobreado, q depois formava piscinas menores logo adiante pra depois derramar-se através duma enorme lajota inclinada noutro piscinao muito maior, mais abaixo. Bem, esse era o panorama q tínhamos visível, pois o rio fazia uma curva e seguia seu curso mais encachoeirado ainda, espremido entre os paredões verticais de rocha daquele cânion serrano! Logico q aqui nos brindamos com o primeiro tchibum do dia, onde o Toninho ate arriscou chegar no enorme poção lá de baixo. Pela carta, acredito q aquele rio era o Córrego do Chicão.

Voltamos de encontro a Lau, q tirava um cochilo sob a sombra de arbustos, menos de meia hr depois. Contamos da cachoeira e do tchibum, mas pareceu q não se arrependeu de não ter nos acompanhado. Abandonamos então a beirada serrana pra prosseguir pro vale sgte, subindo suavemente a encosta daquele belo vale encachoeirado. No caminho, chamou atenção os enormes cupinzeiros pendendo da ressequida vegetação, coloridas taturanas e a onipresente vegetação, particularmente as cores vivas das flores q ornavam arbustos aparentemente sem vida.

Foi ai q deixamos a confortável picada q palmilhávamos pra atacar o vale sgte diretamente, cara a cara. Vale este q mostrou-se o mais acidentado de tds. Começamos atravessando um terreno com chão forrado de canelas-de-ema, q mesmo bem aberto dificultavam a caminhada. Mas logo depois a vegetação arbustiva cresceu e nos vimos rasgando-mato tenso vale abaixo. A brincadeira q até então tava sussa já mostrava sua dificuldade. Eu e o Toninho já tamos calejados disso, mas o Leandro e a Lau sentiam o desgaste maior no esforço em enfrentar mato agreste no peito. Desgaste q era redobrado por conta do forte calor daquele início de tarde.

Pois bem, fomos rasgando mato de modo a descer aquele vale íngreme. Ao longe conseguíamos avistar o véu alvo duma cachu despencando em direção um cânion, desfiladeiro q enfrentávamos na unha. Após um espesso trecho de vegetação ressequida e voçorocas de bambus chegara a vez de mato espinhento servir de obstáculo, mas firmes e fortes avançamos mesmo q lentamente. E assim, após abandonar o mato e acompanhar o leito pedregoso dum córrego seco na encosta (onde o andar era menos dificultado de vegetação) chegamos num trecho mais verticalizado, próximo do rio propriamente dito.

Foi ai q o bicho pegou, uma vez q a vista não era nada animadora, embora maravilhosa cenicamente uma vez q estávamos no meio dum desfiladeiro. Não bastasse a piramba vertical ate a margem do rio, havia ainda q cruzar o dito cujo e subir outra piramba vertical, do outro lado. Um processo q a primeira vista mostrava-se sem garantias de sucesso, na minha rápida avaliação. Pra sanar td isso o Toninho foi na frente pra avaliar melhor o cenário. Eu já descansava de modo a ganhar forças e certo de q teríamos q retornar td até o alto da serra, numa perspectiva nada animadora, qdo o Toninho retornou dizendo: “Podem descer que dá!” Respirei fundo, fiz o sinal da cruz e seja o q Deus quiser.

Lentamente fomos desescalaminhando na vertical as paredes do cânion. Em níveis gradativos íamos nos agarrando em raízes, pedras e até mesmo na terra de modo a perder altitude, tendo cuidado com trechos escorregadios. E assim, em curtos ziguezagues, chegamos na margem do manso rio q serpenteava aquele belo cânion. A paisagem era linda, uma vez qestavamos emparedado por altas muralhas de pedra, de onde algumas vertiam pequenas cachus quinem o “Senhor dos Anéis”. Pois bem, mas tínhamos q cruzar um rio largo, fundo e q possuía algo de correnteza. Nisso eu e o Leandro caímos na agua de modo a testar a travessia com segurança e chegamos a conclusão q era possível. E as pesadas cargueiras? Bem, improvisamos uma “balsa” com o colchão inflável do Leandro, onde prendíamos as mochilas com fita adesiva, e por segurança a amarramos num barbante onde alguém puxava o conjunto (auxiliado por alguém na água) até a outra margem. Simples, não? Pois bem, e dessa forma demorada tivemos 4 lentas travessias de rio, com duas avulsas pra cruzar as botas e barracas. E mais uma pra passar a Lau (q não sabe nadar) travessia q foi até mais fácil q o previsto e a guria tirou de letra, sempre risonha.

Respiramos aliviados assim q fizemos a última travessia, as 16hrs, agradecendo a correnteza não nos pregar nenhuma surpresa. Mas o perrengue ainda não tinha terminado, pois havia ainda q subir a outra muralha vertical. Antes disso, descansamos e beliscamos alguma coisa nas margens daquele lindo rio, num remanso interno do cânion q certamente ninguém pisara antes. O Toninho, por sua vez, ainda se deu trabalho de nadar desfiladeiro adentro afim duns cliques exclusivos das quedas internas, com sua foderosa maquina fotográfica a prova d’água. Eu optei ficar com o resto do povo ali mesmo, poupando energias pro caso de não ter condições de ganhar o alto daquele muralhão de pedra. Se isto ocorresse, no mínimo seriamos obrigados a dar um jeito de pernoitar (bivake) ali, e no dia sgte cruzar novamente o rio e voltar tb de novo. Pensando melhor isso era meio q impensável, tendo em vista q uma pancada de chuva ali onde estávamos era pedir pra ser levado por tromba d’água cânion abaixo. Se não desse pra subir teríamos q voltar td ainda naquele dia! Novamente respirei fundo, fiz o sinal da cruz e seja o q o Homi quisesse.

Felizmente a subida transcorreu sem maiores dificuldades, embora a primeira vista assustasse pela alta declividade. O íngreme barranco de terra inicial transposto logo deu lugar a um segundo patamar, composto de pedra e mato, onde qq coisa servia de apoio. Dali já era possível ter um belo enquadramento da garganta rochosa q havíamos cruzado, assim como das inúmeras cachus despencando de vários lugares do paredão oposto. Ate q após escalar o trecho final de mato enfim ganhamos o alto, onde respiramos aliviados e continuamos rasgando vegetação ressequida e agreste, acompanhando um afluente do rio principal. A vegetação aqui era bem mais seca, lenhosa e árida, onde cactos enormes apontavam pro céu, corando a maioria dos rochedos.

Pois bem, àquela altura do campeonato estávamos bem desgastados pelo vara-mato e não víamos a hora de encostar num canto. A travessia do cânion nos atrasara consideravelmente e o horário já era bem avançado. Logo, não pernoitaríamos no local previsto e sim bem antes, pelos cálculos do Toninho. E dessa forma decidimos acampar no poção mais próximo, não mto distante, onde chegamos por volta das 18hrs, após acompanhar o rio ora pelas pedras ora pela mata arbustiva de sua margem. E q poção tentador enorme e bem-vindo aquele horário, cercado dos onipresentes buritis! Na verdade tava mais pruma gde lagoa, onde o rio supracitado se alargava por suaves margens mansas e arredondadas.

Ali naquele pequeno paraíso particular montamos confortavelmente nossas tendas, e na sequencia nos presenteamos com um merecido tchibum, q tanto revigorou nossa alma como removeu td sujeira da rasgação de mato. Na areia rente o rio, pegadas de td sorte de bichos – aves, roedores e até pequenos felinos – instigavam nossa imaginação a respeito dos nossos vizinhos próximos e q faz daquela lagoa seu oásis natureba. Mas o cansaço dos árduos 12kms daquele dia falou mais alto, e assim q tds comeram sua refeição nos enclausuramos em nossas respectivas barracas assim q escureceu. Foi a noite mais quente de tds, e se não fossem os mosquitos teria facilmente pernoitado ao relento. Após uma breve pancada de chuva de madruga, levantei apenas pra “regar a moita” e qual minha surpresa de avistar lapejos de luminescência silhuetando a serra, a oeste. Não, não eram flashes de relâmpagos e sim os fogos de Reveillon na pacata Lassance, vilarejo mais próximo e destino final do dia sgte.

O dia sgte irrompeu desprovido de td e qq interferência climática no firmamento. Ou seja, teríamos mais um dia de sol de rachar côco! Por conta disso e já calejados dos horários de pico de calor, decidimos caminhar bem mais cedo afim de otimizar a pernada com tempo mais ameno. Arrumamos as tralhas, tomamos nosso desjejum e clicamos a bela paisagem q o Astro-Rei iluminava naquele inicio de manhazinha. Antes porém mandei ver mais um tchibum naquele enorme e convidativo lago, e enqto me secava ganhei uma maledita picada de abelha q “paralizou” um dedo da minha mão! Maldição, eu q sempre me precavendo das maleditas, ainda mais nesta região mineira q tem o maior índice de ataques! Em tempo, tenho mais medo de abelhas q de cobra.
Começamos a pernada daquela manha pouco antes das 9hrs acompanhando o rio, ora próximo ora afastado. Sem trilha, naturalmente, mas com fácil transposição de mato no caminho, até q tropeçamos com um trilho de boi q resolvemos seguir. Meia hora depois alcançávamos um segundo enorme lago do trajeto – q em tese era nosso point original de pernoite o dia anterior – q teve q ser contornado pela sua margem esquerda através duma encosta de vegetação mais agreste.

Na sequência caímos num belo descampado de buritis onde o caminhar ficou bem mais suave, embora repleto de brejo, e não demorou pra finalmente encontrar um precário caminho, q não abandonamos até o final. Deixávamos enfim o vale daquele rio e por sorte o largo trilho ia na direção desejada, ou seja, noroeste. E assim fomos subindo suavemente a serra de modo a passar por outro lado. Logicamente q este processo foi feito a passo de tartaruga manca. O sol sob nossas cacholas e a ausência de sombra ou brisa deixavam nossa jornada mais lenta e qq correguinho (por menor q fosse) era motivo de breve parada, e molhar os chapéus e bonés era um gesto automático àquela altura do campeonato.

Após longa e morosa subida, bordejamos um improvável reflorestamento de pinnus e finalmente cruzamos o largo selado divisor de serras. Foi ai, as 11:30hrs, q tivemos o primeiro vislumbre de Lassance, pequenina ao longe, ladeando o sinuoso Rio das Velhas. E depois de andar um tempo em nível é q começamos a descer, inicialmente de forma suave mas depois de forma íngreme, em largos ziguezagues. O batido carreiro de terra ou areia dava lugar a um precário estradão de pedras roladas onde td cuidado era pouco, pq pra torcer o pé ou derrapar de bunda não precisava muito. Sem falar no calor ferrado do meio-dia. Devido a isto eu fiquei pra trás, pois a Lau sentia o peso da dobradinha descida/calor da mesma forma q no primeiro dia, e mtas paradas tiveram q ser feitas pra beber agua de modo a não sofrer de insolação. Resultado: carreguei a cargueira dela boa parte daquela íngreme piramba, mas depois a Lau seguiu firme e forte.

Devagar e quase parando, fomos perdendo lentamente uns 500m de altitude até q o terreno pareceu abrandar. Ali reencontramos o Leandro e o Toninho, onde desviamos do caminho principal pra mais uma parada refrescante as 13hrs, desta vez numa deliciosa cabeceira represada dum riacho despencando serra abaixo. Parada mais q bem vinda num enorme poço q nos revigorou de forma impar tendo em vista o forte calor daquele horário. Com direito até beliscadas dos lambarizinhos na gente, q ciscavam nosso corpo da mesma forma q nos mastigávamos nosso lanche. Havia ali tb enormes dutos, de onde deduzimos q dali devia ser captação pra cidade lá embaixo.

A descida prosseguiu de forma mais amena até q caímos num estradão, cruzamos um riacho e tocamos sempre noroeste, agora na horizontalidade daquele cafundó de planície norte mineira. Olhando pra trás e por sobre o ombro dávamos adeus á muralha imponente da Serra do Cabral. Bem, mas ainda tínhamos um bom chão até Lassance, e nossa esperança era a de conseguir alguma carona até lá, embora até ali não tivéssemos visto nenhuma vivalma. Meldels..e q caminhada interminável e desgastante!
Cozinhávamos vivos ali naquele início de tarde: não bastasse o sol fritando nossa cabeça sem brisa alguma, o calor maior parecia emanar do chão, de baixo pra cima. Esse trecho de pernada horizontalizada no meio do nada e lugar nenhum foi um dos mais desgastantes. A esperança de carona foi se diluindo a medida q passávamos por algumas casas aqui ou ali, tds sem sinal algum de vida!

E assim, as 15:30hrs finalmente chegamos as margens do largo, manso e barrento Rio das Velhas (afluente do São Francisco), onde não demorou pra tomar a “Balsa do Osagro” na cia dum par de veículos entupidos duma moçada atrás de cachus próximas. Bem q tentamos carona, sem sucesso, mas o cara-de-pau do Leandro conseguiu dos moleques dois latões de cerveja geladíssima q nunca desceu tão bem goela abaixo. A travessia do Rio das Velhas naquela precária e rústica embarcação  – q pode ser definida como “Titanic do Espinhaço” – transcorreu tranquilamente. Foi ai q o Leandro, professor de ensino médio, nos explicou a origem do nome do rio: na época da colonização, os índios zarpavam rapidamente qdo sabiam q os bandeirantes logo dariam as caras ali, e adivinhem quem ficava pra trás? Pois é, as velhas…

Uma vez na outra margem do rio, prosseguimos a pernada em direção a Lassance, distante ainda bons 8km. E tome mais chão, embora naquele horário o sol já tivesse dado uma trégua pois aos poucos um negrume tomava conta do céu. Bem, se chovesse aquela altura seria mais q uma benção tendo em vista o calor sufocante ate então. Foi ai q eu e a Lau conseguimos uma rara carona ate a cidade, enqto Toninho e Leandro decidiram matar o resto mesmo a pé, resolutos a terminar o trajeto td na sola! Cabra macho os dois..

Saltamos na pacata Lassance pontualmente as 17hrs, qdo uma breve pancada de chuva se debruçou sobre td aquela região q ajudou a refrescar o tempo. Lassance é uma típica cidadezinha típica do interior  -com pracinha central , coreto e igreja matriz –  q nasceu as margens da Estrada de Ferro Central do Brasil mas q se notabilizou mais por ser onde o genial Carlos Chagas descobriu a doença q leva seu nome. Ali, num boteco, esperamos os meninos enqto buscávamos nos informar tanto de hospedagem como de condução pra BH. Por ser primeiro dia do ano ali estava td fechado, e tivemos dificuldades em encontrar ate quem desse informações precisas.

Qdo os meninos chegaram foi q tomamos decisões do destino de cada um: Toninho e Leandro retornariam pra Beozonte ainda naquele dia, num buso à meia-noite; enqto eu e a Lau decidimos pernoitar ali (num muquifo q recebe caixeiro-viajante) de modo a fazer a viagem de volta apenas no dia sgte, descansados. Por estar td fechado, não nos restou opção senão ir no único posto de gasolina da cidade, a margem da BR-496. Lá conseguimos td q precisávamos, desde tomar um bom e merecido banho como tb nos servir dum delicioso PF. Antes, porem, bebemoramos a perrengosa empreitada com mta cerveja, refris e petiscos.

E assim terminou nossa aventurinha perrengosa pela pouco conhecida Serra do Cabral. Como já foi dito, o lugar é enorme e as possibilidades de caminhadas são inúmeras. Isso sem mencionar a região q abrange o Pque Estadual. Interessante é saber q ali viveram povos indígenas nômades até 400 anos atrás, o q caracteriza a importância geológica e histórica deste imponente pedaço desgarrado do Espinhaço. E se antes quem palmilhava aquelas veredas eram os “Cabralinos” (como eram conhecidos), está na hora de outro tipo de andarilho itinerante e consciente começar a pisar aquelas chapadas e campos rupestres. Afinal, é preciso conhecer pra preservar. Só assim pra manter a beleza natural da Serra do Cabral intocada, neste trecho de sertão mineiro q encantou até Guimarães Rosa.

 

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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