Turismo de Aventura

0

Destruir ou manter o Abrigo de Pedra no Pico Paraná? Retirar ou manter as placas no Ciririca? Derrubar a cruz no Marumbi? A quem isto interessa? A quem estes elementos atrapalham? Qual o verdadeiro problema das montanhas e dos montanhistas?

Há temas que são cíclicos e ressurgem a cada nova temporada como as estações do ano, mudam apenas de roupa. A FEPAM – Federação Paranaense de Montanhismo – pergunta aos associados e também aos demais interessados se o Abrigo de Pedra na encosta do Pico Paraná deve ser destruído e suas pedras usadas como calçamento para conter a erosão na trilha.

No ano passado assistimos a mesma conversa em relação às placas no Ciririca. É apenas uma variante que retrata o pensamento de uma geração que mesmo a contragosto acabou por abraçar o cerne da vida capitalista moderna, mas ainda carrega o ranço da ideologia ultrapassada nas coisas periféricas. É o sujeito que escala com cadeirinha e sapatilha Black Diamond, mas não consegue descartar o velho cantil de alumínio, só para não me extender em exemplos.

Num apogeu de influência derrubaram a cruz do Marumbi porque a consideravam um objeto estranho à sua montanha, mas isto era apenas a superfície. Aquela ideologia nunca aceitou contestação na terra ou no céu e a cruz é um símbolo da superioridade de Deus sobre todas as coisas. Da mesma forma tombou a capelinha no Anhangava que como o resto nunca incomodou ninguém.

O triste é que estas discussões estéreis desviam a atenção de questões realmente importantes para a montanha e os montanhistas. O tema que precisa ser debatido é sobre o turismo desenfreado que ameaça destruir estes santuários que resistiram até as portas do século XXI por serem ermos e de difícil acesso.

Hoje todos querem aventura, mas abominam o risco e os clubes de montanhismo seguem a mesma trilha negando sua própria natureza, se auto-condenando a insignificância e perdendo potenciais associados para as empresas de turismo “de aventura”. Pior, na sua ingenuidade, acabam pavimentando trilhas, plantando degraus, drenando brejos, eliminando riscos e facilitando o acesso a lugares que a natureza tão zelosamente protegeu daqueles que não se prepararam para usufruir e depois desperdiçam tempo reclamando do lixo, da erosão e da degradação do ambiente.

Caberia aos clubes de montanhismo e a federação zelar por seu maior patrimônio e única razão de existir – DEFENDER E ENALTECER O RISCO E A AVENTURA – reforçando as defesas e dificuldades naturais das montanhas e matas. Porque facilitar a vida das empresas de turismo construindo escadas onde se deveria escalar, abrindo clareiras para barracas alugadas onde só se deveria bivacar? Os turistas que visitem as Cataratas do Iguaçu, subam o Corcovado de trem ou o Pão de Açúcar pelo bondinho, os caminhantes que vão à Santiago de Compostela ou dêem duas voltas no Parque Barigui.

Aos clubes cabe iniciar e preparar aos que desejam aventura e risco nas montanhas, ensiná-los a respeitar os seus próprios limites e o ambiente a que escolheram para praticar o esporte. A federação cabe disciplinar, impor regras e representar este ponto de vista perante as autoridades evitando que no futuro nos seja imposta a proibição.

O Marumbi é um exemplo clássico, primeiro recebeu os aventureiros ávidos por risco, a seguir se disciplinou as trilhas e assim se concentrou todo o impacto em poucos lugares, depois se eliminou o risco com escadas e outras facilidades, então se abriu a porteira para a multidão despreparada e apareceu o lixo, a erosão, o abuso e a proibição. A aventura mudou de montanha e se deslocou para o Pico Paraná recomeçando todo o processo.

Para diminuir o impacto negativo, a sujeira e a erosão é muito fácil, basta diminuir a superpopulação despreparada que transita impunemente pelas trilhas. Fazer isto sem proibição é mais fácil ainda, basta retirar as facilidades, as escadas e as correntes. Devolvam a montanha aos montanhistas restabelecendo o risco e a aventura. Quem assim desejar que escale levando corda, cadeirinha e mosquetão.

Aos iniciantes que desejam aprender as técnicas e manusear os equipos para não quebrar o pescoço na aventura que se inicie num CLUBE DE MONTANHISMO digno do nome e com certeza aprenderá muito mais do que apenas isto. Façam um favor às montanhas e dêem um basta nas proibições e discussões inúteis, abandonem por completo as ideologias falidas do passado, cortem as fitas de marcação e permitam que a aventura se renove junto com a mata, depois de cada verão.

Leia Mais:

:: E se a aventura acabar?

Compartilhar

Sobre o autor

Julio Cesar Fiori é Arquiteto e Urbanista formado pela PUC-PR em 1982 e pratica montanhismo desde 1980. Autor do livro "Caminhos Coloniais da Serra do Mar", é grande conhecedor das histórias e das montanhas do Paraná.

Comments are closed.