Um Paraíso no Rio das Pedras

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Situada ao sopé da Serra do Mar na baixada santista de Cubatão, a Usina Henry Borden gera a energia necessária pras suas atividades graças a força dos rios q despencam do planalto rumo litoral. Paralelo à mesma, o Rio das Pedras igualmente despeja seu conteúdo cristalino serra abaixo na mesma proporção, desta vez oferecendo não energia e sim um espetáculo natural traduzido sob a forma de uma maravilhosa cachoeira, a Cachu do Paraíso, visível até da Rod. Anchieta. O q poucos sabem é q esta magnífica queda dágua é mais acessível do q se imagina, através de trilha q não dá nem uma hora de pernada moderada partindo do asfalto.

Já tinha estado “in loco” na Cachu Paraíso a séculos atrás, com colegas da faculdade, numa época em q eu ainda sequer havia adquirido vicio pelo mato, dependia de terceiros pra sair da chamada “zona de conforto” e usava tênis All Star amarelo (cano alto) pro q der e viesse. O tempo passou, passou e passou. Mas eis q fuxicando na net estes dias tropeço numa foto q não apenas trouxe a tona o peso da passagem dos anos como tb a lembrança duma trip “eco-universitária” relegada ao limbo do esquecimento. “Porra, eu conheço isso aí!”, exclamei. Imediatamente contatei seu autor, o André Pimentel  – q por coincidência já trilhara comigo no Morro Careca – q gentilmente me (re)passou as coordenadas de como aceder novamente a dita cuja e cá estou aqui outra vez, retornando a Cachu Paraiso, programa tradicional do povo de Cubatão mas incrivelmente desconhecido fora desse eixo.

A manhã estava nublada, porém bastante quente e abafada, qdo bordejávamos o sopé da Serra de Cubatão pela Rod. Anchienta (SP-150) à procura de um lugar pra deixar o veículo. Estávamos na cota 95, próximo do km 53 e já conseguíamos avistar os enormes dutos metálicos q antecedem a Usina Henry Borden. Destoando da montanha esmeralda tal qual um risco alvo deslizando crista abaixo, os enormes canos maculando a integridade serrana eram nossa referência visual mais óbvia dando sinal q já era hora de estacionar nalgum canto. Mas antes da ultima passarela conseguimos lugar na frente de uma igreja de alguma congregação cristã qq, onde pudemos deixar o veiculo com relativa segurança, embora levássemos conosco tds pertences de valor, por precaução.

Eram pouco antes das 9:30hrs qdo eu, Nando e Ronaldo respiramos fundo, ajeitamos as mochilas e amarramos os tênis, dando inicio à breve pernada exploratória daquele dia. Munidos apenas de infos verbais previamente estudadas, cruzamos a passarela e começamos a acompanhar a rodovia, á procura da entrada ae trilha à beira do asfalto. De cara encontramos uma picada q seguia paralela á rodovia e por ela optamos ir uma vez q pela rodovia seria perigoso; caminhões e ônibus passavam quase a arrancando tinta do acostamento – q sequer existia – indiferentes a se havia pedestres ou não nele. Percebemos logo q a “trilha” era nada mais q uma canaletinha de agua, mas ainda assim preferimos nos manter nela pois além de seguro ia no sentido desejado. E nesse mesmo ritmo uma hora ela cruzaria c/ a picada q visávamos.

Dito e feito, após subir e descer um morrote, a canaletinha interceptou uma picada bem marcada q adentrava na serra, subindo suavemente rumo noroeste. Este inicio é marcado pela presença de mto lixo. Papel de bala e bolachas, pets, copos plásticos e td sorte de macumbas repousando à beira da trilha, dividindo espaço com lírios-do-brejo, ipês e até voçorocas de urtigas, q em vários trechos parecem invadir a vereda. Surgem algumas bifurcações mas o sentido é obvio, sempre pra noroeste. E reparando bem, percebe-se q a trilha já fora uma antiga e precária estrada, dados alguns trechos menos erodidos onde sua superfície está coberta de pequenas pedras bem dispostas.

A medida q nos afastamos cada vez mais do asfalto – deixando pra trás os ruídos de trafego e nos embrenhamos cada vez mais no interior da mata – a combinação vegetação densa e esforço de vencer a encosta, fazem o suor escorrer em bicas pela ponta do nariz. O calor abafado é palpável e não há abano q dê conta. A sorte é q água parece não faltar por aqui pois o murmúrio do precioso liquido é onipresente, e não tarda a interceptá-lo ao cruzar um pequeno vale no caminho, q nos convida a uma breve parada pra refrescar o rosto e molhar a goela.

A pernada prossegue no mesmo compasso e sem gdes intercedencias, ora em nível ora subindo suavemente, sempre no mesmo sentido. Mata tombada no caminho é facilmente contornada, e até um gde aqueduto de pedra descendo a montanha nos obriga a sair da trilha, saltar no seu interior pedregoso pra depois subir outra vez a encosta de modo a cair na trilha novamente. E dessa forma ganhamos o alto de um ombro serrano, onde através das frestas da vegetação temos um breve vislumbre tanto das dependências da Usina Henry Borden, ao leste, como o primeiro contato visual com a Cachu do Paraíso, ao norte, pequenino e distante véu dágua em meio a verdejantes montanhas.

A partir daqui começa uma descida forte pro outro lado do morrote rumo o Vale do Rio das Pedras. As pirambas q se seguem ininterruptamente são vencidas mediante facil desescalaminhada, com o auxilio principalmente do caule e raízes do arvoredo ao redor, q funcionam tanto como degraus qto corrimãos. Após topar com um gde bananal no caminho, as 10hrs e pouco desembocamos, enfim, no leito pedregoso do Rio das Pedras, onde o Ronaldo e Nando não resistem ao tentador piscinão q nos recebe, dando inicio ao tradicional tchibum antes da hora. Mas daqui o véu dágua da Cachu Paraíso ta mais próximo do q se imagina e dispenso esse tchibum antecipado pra deixá-lo reservado ao prato principal do dia, ou seja, ao enorme poção da própria Cachu Paraíso.

Enqto meus amigos se deleitam nas águas refrescantes e cristalinas do Rio das Areias, prossigo a pernada avançando rio acima saltando de pedra em pedra, e passando por ruínas do q pareceu ser alguma antiga represa. Uma enorme pedra se interpõe no caminho e nos obriga a contorná-la pela encosta, onde a trilha ressurge apenas pra dar um patamar mais acima do rio, repleto de lírios-do-brejo. Nos deparamos com dois braços do rio separados por uma pequena encosta forrada de mato, sendo q o braço da esquerda nos brinda com um belíssimo poção esverdeado ao sopé de uma pequena cachu. Mas nossa intuição nos impele a saltar pedras e ganhar a supracitada encosta de mato, nos segurando nas raízes a disposição, até ganhar mais um nível acima do rio, desta vez o ultimo.

Depois do último lance de pedras vencido com facilidade, alcançamos uma enorme praia de pedras onde temos a visão q recompensa td o esforço: um majestoso véu dágua escorrendo de um paredão, a quase 80m de altura, pra finalmente repousar numa enorme e esverdeada piscina natural. O cenário imediatamente remete á Cachu do Tabuleiro (MG) pelas gdes semelhanças com a cachu mineira, guardadas as devidas proporções, claro. Dono do pedaço, me dou o luxo de um longo e merecido tchibum, e não são nem 10:30hrs daquela quente manhã de quinta-feira. Vale salientar q o local deve ficar extremamente perigoso em dia de chuva, sob risco de tromba dágua; e q vale a pena visita-lo, se possível, durante a semana pois deve lotar horrores aos domingos, pela proximidade e curta distancia. Algum vestígio de lixo aqui e ali corrobora isso.

Qdo meus amigos chegam ao local, esticamos nossa permanência naquele bucólico lugar por mais e mais tempo. Uma bem-vinda cachaça de cambuci q o Nando trouxe de Paranapiacaba (do Bar da Zilda, pra ser mais exato) me faz companhia enqto meu amigos se refrescam no enorme piscinão, relaxando meus músculos ate bem alem da conta. Depois de mais um tempo de lanche – onde a larica alcoólica me obriga a devorar 3 sandubas e um salgado numa mastigada só – e revigorados pelo agradabilíssimo banho, retomamos a volta pelo mesmo caminho, exatamente ao meio-dia. O GPS do Nando posteriormente não contabilizou nem 4km percorridos desde o carro até a cachu, com desnível irrisório de quase 20m!

Se o piscinão havia nos refrescado, bastou subir o mesmo morrote anterior pra nos ensopar o corpo novamente. O calor infernal daquele horário era mesmo insuportável, irradiando ate mesmo do chão. E não há brisa alguma q dê conta do recado, nos obrigando a uma parada no riacho a meio-caminho pra molhar goela e rostos suados. E dessa forma terminamos caindo, atraves da trilha oficial, no asfalto da Anchieta um pouco antes das 13hrs. Dali pro carro foi um piscar de olhos. Eu cheguei quase me arrastando com ligeira dificuldade, cambaleando devido ao poderoso efeito relaxante da pinga bebericada na cachu. O Ronaldo saiu ate no lucro pois achou um óculos Ray-Ban no caminho..

Com tempo de sobra, ainda esticamos pruma praia em São Vicente, Itaquitanduva, q fiz questão de declinar. E enqto meus amigos iam se torrar naquele calor infernal de inicio de tarde na dita praia, eu permaneci simplesmente estacionado num boteco entornando todas as brejas geladas imagináveis (e mais algumas tb), já q a temperatura simplesmente pedia isso. E cá entre nos, o objetivo daquele dia havia sido concluído. A prainha era apenas um plus.

A Cachu do Paraiso é apenas uma das surpresas acessíveis a qq mero mortal a partir da Rod. Anchienta. Mas o Rio das Pedras tem muitas outras a quem tiver fôlego e disposição de andar um pouco mais através de seu sinuoso, pedregoso e encachoeirado leito. Na cota dos 300m existe outra super queda, a Cachu Lago Azul, q pelo q ouvi dizer deve ser fabulosa, e por conta disso já estamos planejando uma travessia completa do Rio das Pedras. Uma árdua pernada saindo do litoral e culminando no planalto, as margens da centenária “Estrada Caminhos do Mar”. É pura questão de tempo.

Resumindo , esta breve exploração da cachu foi apenas sondagem q mal arranhou a plenitude das possibilidades da Serra do Cubatão, região repleta de rios despencando montanha abaixo. Dessa forma e com tantas variantes q nossa Serra do Mar oferece, existirão sempre muitos “paraísos” a descortinar em vindouras futuras trips. Sejam elas de um dia ou de dois, perrengueiros ou sussas.

Texto e Fotos  de Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
http://jorgebeer.multiply.com/photos

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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