Por André Ferretti *
Mesmo que não existam dados oficiais divulgados após os dez dias de paralisação nas estradas brasileiras, a diminuição no volume de gases de efeito estufa liberados na atmosfera é notória. No País, caminhões e ônibus são alvos constantes do controle de emissões, pois são responsáveis por aproximadamente 90% da liberação de poluentes – mesmo representando menos de 5% da frota rodoviária brasileira -, os quais pioram a qualidade do ar e impactam na saúde das pessoas.
Atualmente, o Brasil possui uma frota de cerca de 2 milhões de caminhões de carga, e estimativas de algumas entidades do setor calculam que mais de 1 milhão aderiram à última greve. Se levarmos em conta os 102 milhões de toneladas de CO2e emitidas em 2016, somente por veículos de transporte de carga – de acordo com o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG) do Observatório do Clima -, é possível fazer uma rápida conta e verificar o quanto o meio ambiente “ganhou” nesses dias: cerca de 2,83 milhões de toneladas de CO2e deixaram de ser emitidos nos dez dias de paralisação.
Isso sem contar a diminuição da frota circulante de automóveis, em virtude da falta de combustíveis nos postos. É claro que as emissões oriundas da utilização de óleo diesel não são as únicas que preocupam. Mas, por conta dos últimos acontecimentos, é inevitável pensarmos em novas fontes de energia para melhorar a qualidade do ar e diminuir os efeitos do aquecimento global.
Um estudo realizado por cientistas da The Nature Conservancy (TNC) e de outras 15 instituições, divulgado em novembro de 2017, apontou que a restauração de florestas, a recuperação de solos e a proteção de mangues – que reduzem emissões de gases do efeito estufa por meio da conservação ambiental – podem ser tão impactantes para a diminuição dos efeitos das mudanças climáticas, quanto a eliminação completa da queima de combustíveis fósseis. O estudo reforça também a importância de governos, empresas e comunidades incluírem as soluções naturais como parte do esforço para conter o aquecimento do planeta, além da mudança para energias renováveis e o incentivo aos carros elétricos.
As ações de mitigação e adaptação à mudança do clima, chamadas Soluções Baseadas na Natureza (Adaptação baseadas em Ecossistemas à mudança do clima – AbE), são um dos principais chamarizes para inserirmos a conservação da natureza nas agendas políticas, nas estratégias empresariais e nas demandas da sociedade. No Brasil, o número de projetos com AbE ainda é pequeno, mas conta com um potencial enorme, ainda mais se somados a ações efetivas do Governo.
Com a greve tivemos, mais uma vez, um exemplo do quanto somos reféns do transporte rodoviário no Brasil e, consequentemente, do diesel – visto que a luta dos caminhoneiros iniciou justamente pela redução no valor desse combustível. E isso nos faz pensar que estamos cada vez mais longe de contribuir para o objetivo maior do Acordo de Paris, que é o de manter o aumento da temperatura média da Terra, até o final do século, bem abaixo dos 2°C, e continuar os esforços para limitá-lo a 1,5°C. Já passou da hora de inserirmos na nossa rotina e na nossa cultura ações de conservação bem como de redução de emissões de gases de efeito estufa. Precisamos entender que nossas atitudes hoje serão resultado do futuro das próximas gerações.
*André Ferretti é gerente na Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza e coordenador geral do Observatório do Clima.