When Hell was in Session VI 5.9 A5

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Em 2006 mais uma vez resolvi voltar pra Yosemite, paraíso dos “big walls” e lugar onde todo ano revejo toda a macacada, coisa linda… Cheguei a Yosemite em meados de março e o tempo não se mostrava aquela maravilha, pouca gente no vale.


Da galera escaladora, somente o meu camarada Aaron Jones do Kentuky estava por aqui desde Janeiro, quando mandou as vias Shortest Straw e Native Son em Abril, sendo a última com temperaturas e ventos patagônicos… Várias escaladas em livre e boulders quando o tempo dava uma brechinha, faltou pouco pra eu encadenar um 5.11+ (o que pra mim é de ficar orgulhoso, pois com todos estes anos dedicados ao estribo e daisy chains perdi um pouco a força da escalada em livre, mas tudo bem ), na base do El Cap.

Decidi deixar o vale e cair pra Sacramento na casa do meu camarada Dave Turner onde fiquei por quase uma semana de papo pro ar… Pegamos uma carona com o Nando Motta do Rio, que atualmente mora em San Francisco e arrepia aqui no Vale… Chegando por aqui o tempo ainda se mostrava ruim, então o jeito era continuar esperando e escalando coisas menores e planejando qual seria a próxima aventura…

Pensava no El Cap, mas o Dave me contara sobre uma tal Porcelain Wall (parede que se encontra à direita do Porcelain Wall, com 6 vias e, detalhe: nenhuma delas com segundas ascensões ), então vamos nessa, aceitei de cara. Mais uma via em solitário, escalando lada a lado com um camarada. E como desta vez o Aaron também vem junto, então fomos 3 na parede em solitário. A via que eu escolhi foi When Hell was in Session – VI 5.9 A5 – Erick Kohl e Pete Takeda como primeira ascensão em 95. A aproximação e fragilidade da rocha deixaram pessoas distantes da parede, ou melhor, desta rota por quase 11 anos…

O começo

Várias cargas até a base da parede, acho que foram 4 ou 5, a vantagem é que desta vez não precisei carregar a água (coletamos nossa água em um banco de neve que estava derretendo), equipos na base, água, comida, não faltava quase nada, alguns dias na base fixando cordas e curtindo com os amigos e pronto.

Fixei 4 cordadas e as paradas não se mostravam as mais confiáveis, mas bola pra frente. As 6 primeiras cordadas da via são numa rampa, deixando o artificial delicado e medonho, pois além da rampa, vários pequenos platôs no caminho.

“Já se passaram alguns dias desde que decidi deixar terra firme e partir por completo e voltar a viver o ‘vertical world’. Há tempos não tinha esta visão do vale, sentimento mais alpino, sem muito barulho de carros e pessoas circulando. Daqui de cima minha visão vai além, estou nas curvas do vale, El Cap, Yosemie Falls, Royal Arches, Washington Collunmn, North and Basket Dome, Mt. Watkins, High Sierras, várias cachoeiras, toda aquela natureza.”

“Já é quase pôr-do-sol, o dia foi lucrativo, hauliei 2 cordadas e limpei uma, pois esta parada natural (árvore) entre o slab e steep climbing, bem no meio da parede, não se mostrava muito confiável, a ponto de puxar toda a minha tralha.

A primeira e a segunda cordada foram de artificial misto com passadas em livre, (complicadas quando feitas em solitário), em fendas molhadas e cheias de musgos. Terceira cordada foi tranqüilíssima, com a maior parte em rivets e algumas passadas em hooks. A quarta foi numa fenda perfeita, que com um parceiro rolaria até de mandar em livre. Daqui, como já disse antes, desci pro chão e baixei pro vale pra buscar algumas coisas que faltavam.

Headwall

Deixando a positividade pra partir pra parte negativa da parede, cordadas de A4 e A5 (pelo menos é o que o croqui dizia). Por ser a segunda ascensão da via após 11 anos, eu me senti como se estivesse reconquistando a rota, pelos imensos blocos soltos e fendas quebradiças…

Erick Kohl é conhecido aqui no vale por suas conquistas quase sempre levando o artificial ao ponto mais extremo possível, CASCA GROSSA…

Segunda cordada do headwall graduada em A4 com início em hooks saindo da base, rurps e microcams até chegar numa fenda larga, mas com blocos afiados sobre minha cabeça. Enfim cheguei à base, onde encontrei mais uma vez somente os parabolts, sem as chapas. Ainda bem que trouxe 2 chapeletas no meu rack, porém esqueci de trazer comigo uma chave pra apertá-las. Então o jeito foi improvisar e apertá-las com a parte fina do meu martelo, colocar um esparadrapo na rosca em caso da porca resolver soltar com o peso dos haulbags e limpá-las do mesmo modo, pois sabia que encontraria a mesma situação “again and again” até minha chegada no cume da parede.

Cordada crux A5 e chegara a hora de enfrentar aquele número que desde que comecei a escalar, hoje estes graus pra mim são mais alguns números que as pessoas colocaram, sem dúvida o grau de periculosidade está ali, mas estava mais preocupado com diferentes “features” que iria encontrar. Enfim cordada completada com a base embaixo de um imenso teto com uma chapa e uma fenda horizontal perfeita para construir uma parada natural “super” confiável. Próxima cordada numa parede “super” negativa saindo do teto em rivets numa parede lisa e assim seguiu até o final da mesma.

Desta vez trouxe comigo 50 litros de água e comida pra muitos dias de parede contando sempre com tempestades e situações adversas. Eu me sinto mais seguro aqui de cima, sem ter que me preocupar com Park Rangers ou ser pego no OB camping…

A 3 e meia cordadas do cume, quase chegando no único grande platô natural da via, estava colocando um circle head e o bichinho não queria grudar de jeito algum. Acabei que martelei meu dedo do meio com toda forca, pois errei a mira, gritei, falei mal, fiquei parado ali curtindo a minha dor por alguns minutos e continuei minha escalada contando com ventos fortes até minha chegada no platô, onde pude pela primeira vez me libertar do meu bouldrier (cadeirinha) e reorganizar minha água e comida.

No dia seguinte, o tempo não se mostrava dos mais agradáveis mais uma vez, mas resolvi arriscar, contando com a negatividade da parede mesmo estando perto do cume… Vários hooks intercalados com rivets mais uma vez… Desci pro platô de baixo de chuva e por ali fiquei, enquanto a tempestade piorava cada vez mais. Então o jeito foi colocar meu portaledge fly pra fora e aguardar por dias melhores…

Dia seguinte com o tempo na mesma situação, guardei minhas coisas e sai pro abraço, limpei a cordada que deixei fixa no dia anterior e, quando estava reorganizando meus equipos e minhas cordas pra cordada final, fui abençoado com ventos fortes e alguns minutos de neve, pra deixar a escalada mais picante, não conseguia ver nada ao meu redor. Cume do Porcelain Wall às 13h00min em ponto, tempo ruim, mas com aquela alegria de mais uma parede e dificuldades alcançadas no mais puro estilo… Hora de enfrentar uma longa caminhada rumo ao valley floor, onde andei das 2 da tarde até às 10 da noite, quando cheguei no Campo 4 exausto por carregar um imenso haulbag nas costas por horas e horas… No final deu tudo certo. Tive que voltar mais uma vez no cume da parede pra resgatar o resto dos equipamentos…

Hubers na área e hora de dar um empenho e ajudar no filme, dindin no bolso e agora parto pra mais uma aventura, que conto logo mais no meu próximo relato. Abraço. Nick.

Agradeço a DEUS mais uma vez por toda a proteção nas horas de perrengue e periculosidade que me coloco todos os dias, vivendo a vida intensamente e compartilhando com amigos novas conquistas e sentimentos.

Toda a galera da www.territorioonline.com.br pelo patrocínio e a confiança depositada na minha pessoa. Respeito, e “tamo junto” sempre.

Pessoal da Snake Mountain Boots valeu pela força desses anos, Ed da Conquista (PRESENCA BROTHER), toda a galera da José Maria da Silva Paranhos e LDB em geral, carrego vocês no coração…

Todos aqueles que acreditam que tudo é possível…

Minha família, Mãe, Pai, Belle, Lu e Eli, valeu a preocupação de sempre e toda a força. Amo vocês todos.

Dedico esta matéria a minha grande amiga Roberta Nunes, companheira de cordada, muitas risadas e choros… Robertinha te carregaremos por todas as montanhas, céus azuis, campos verdejantes… Te amamos de mais. Paz na alma garota. Beijos Nicão

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