O Espinhaço: Sempre Vivas

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Esta é uma reserva curiosa: é de longe a maior de todas no Estado de Minas, comparável mesmo ao PN da Chapada Diamantina na Bahia. Porém a população que a explora, coletando as flores e aproveitando os pastos, contesta a sua existência. É um espaço vazio, sem acesso, visitação, estrutura ou sinalização – porém com uma natureza grandiosa.

Não é por acaso que algumas flores do campo são chamadas de sempre vivas, pois uma vez secas seus arranjos duram por anos. Esta resistência contrasta com seu aspecto delicado, um botão no alto de uma haste cujo conjunto lembra um buquê saindo graciosamente do solo. Existem no Brasil 800 espécies, metade das quais no Espinhaço. Seus campos naturais são cobiçados, pois sua fácil colheita mostra-se lucrativa.

Existe um PN criado para protegê-las, junto com o cênico ecossistema à sua volta. Localizado no norte mineiro, entre alguns municípios no entorno de Diamantina, o PN das Sempre Vivas foi fundado com a impressionante área de 124.150 ha. Ela quase abarcaria todos os oito PEs mineiros próximos. Seu formato é quase retangular: talvez 130 km N-S por 95 km E-W (confira no mapa anexo). Acredito que a altitude média seja 1.200m.

Mapa do PN das Sempre Vivas

É estranho o estado de quase abandono em que se encontra. O bioma predominante é o cerrado, em diversas manifestações: campo limpo, carrasco, campo rupestre, vereda, matas seca e ciliar. A vegetação varia desde as árvores de porte às formações arbustivas – além de gramíneas, cactos e, é claro, as sempre vivas florescendo em todos os campos.

Por ser uma região pouco acessível e bem preservada, abriga diferentes felinos, veados, tatus e macacos. Lá você encontrará tamanduás bandeira e lobos guará, bem como uma grande população de antas e de aves, algumas das quais endêmicas. E o gado bovino, criado extensivamente por fazendeiros invasores.

PN Sempre Vivas, Diamantina, MG

Acho que existem duas considerações acerca do Parque. A primeira diz respeito à abundância dos mananciais, cerca de 600, dado que chove bastante e o solo é permeável. Sua espinha dorsal divide perfeitamente as bacias do Jequitinhonha e do São Francisco, uma de cada lado.

O mais importante curso é o Jequitaí, com sua trajetória noroeste de 350 km até o São Francisco. Assim como muitos outros, sofre com o assoreamento do seu leito e a secagem de suas nascentes. No ano em que o conheci, ele secou pela primeira vez na história. Os plantios de eucalipto para carvão têm tornado a região mais pobre e árida. Junto com o Rio Fundão, o Inhacica é deslumbrante, nascendo e sumindo dentro do Parque, com sua calha circundada de lagoas, moitas verdejantes, areias imaculadas e paredões rochosos.

Rio Inhacica Grande, PN Sempre Vivas, Inhaí, MG

A segunda observação se refere à topografia. O Parque está na borda norte do Planalto Diamantino, com relevos tanto ondulados e montanhosos como suaves e planos. O Espinhaço se abre nesta região em escarpas paralelas, que abrigam no seu interior a enorme chapada desta UC. É como uma lagoa formada dentro de um rio que corre antes e depois dela. É por esta razão que sua área resultou tão grande e seu formato, tão diferente dos parques estreitos do Espinhaço.

Sul do PN Sempre Vivas, Diamantina, MG

Se você olhar um mapa da região notará que o Parque lembra o Pantanal, sem estradas de penetração e com vilas apenas à sua volta – como que espreitando de longe o seu interior. De fato, no sentido horário a partir do norte, você encontrará vilarejos como Olhos d´Água, Inhaí, São João da Chapada, Macacos e Curimataí, quase sem indicação de conexões entre eles e muito menos deles com o Parque.

Pois este é o problema que tive em acessar o Sempre Vivas: apenas ao sul por São João e Macacos existia uma estrada em condições medianas para seu interior, com quase 50 km até a sede do Ibama. É também possível entrar no Parque a leste por Inhaí, com 40 km de terra. Ao norte e oeste apenas encontrei vias de contorno.

Parede Norte do PN Sempre Vivas, Olhos D´Água, MG

As travessias percorrem a borda sul do Parque, com uma logística menos complicada do que nas outras regiões, que são mais vazias. Variam de 35 a 60 km, quando você pode caminhar durante 3 a 4 dias, por ex. indo a SE de Curimataí a Rio Pardo, a W-S de Inhaí a Macacos ou atravessando rumo W o vale do Rio Preto.

Como indicado no mapa, o Parque possui alguns campos panorâmicos, emoldurados por serras distantes e decorados por sempre vivas. O Campo de São Domingos é acessado por Macacos e fica antes da Sede do Ibama na Fazenda Koolping. Ela é que eu saiba a única estrutura no seu interior.

Se você continuar ao norte pela estradinha, encontrará a Fazenda Arrenegado, e depois os Campos Triste, João Alves e Ferreira, na extremidade norte. Eles são um tanto áridos e pedregosos, apesar de recobertos por vegetação de campo e cerrado. A distância entre estes campos corresponde a toda a extensão de mais de 100 km do Parque.

A Serra do Galho, PN Sempre Vivas, Diamantina, MG

Entre os dois primeiros destes campos, estende-se a espinha dorsal, a Serra do Galho, que seria a manifestação por assim dizer do eixo do Espinhaço na região. Voltando à minha analogia, é como se fosse uma ilha comprida no meio da lagoa em que o rio se abriu. Ela é uma formação em quartzito fino com um interessante desenho sinuoso. O Galho contém os 1.525m do ponto culminante do Parque, numa corcova raramente escalada.

Serra do Landim, PN Sempre Vivas, Diamantina, MG

O Sempre Vivas é também conhecido por suas cachoeiras, que ficam nas bordas, aproveitando o desnível das escarpas. Não são formações muito altas, a exemplo das que você encontrará nos belos rios convergentes do Inhacica e do Fundão. Na Fazenda Gavião existem quatro quedas; as maiores do Parque seriam as cascatas do Jequitaí e as cachoeiras Santa Rita e Sobradão.

Cachoeira Santa Rita, PN Sempre Vivas, S João da Chapada, MG

Vale lembrar ainda os cânions do Rio Preto e de São João. Têm aquelas águas incrivelmente limpas e geladas e aquele aspecto de oásis circundados pelas rudes pedras que tão bem distinguem o Espinhaço.

Veja no capítulo seguinte como a cordilheira do Espinhaço irá se dividir em duas formações independentes, no seu incessante caminho para o norte.

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Sobre o autor

Nasci no Rio, vivo em São Paulo, mas meu lugar é em Minas. Fui casado algumas vezes e quase nunca fiquei solteiro. Meus três filhos vieram do primeiro casamento. Estudei engenharia e depois administração, e percebi que nenhuma delas seria o meu destino. Mas esta segunda carreira trouxe boa recompensa, então não a abandonei. Até que um dia, resultado do acaso e da curiosidade, encontrei na natureza a minha vocação. E, nela, de início principalmente as montanhas. Hoje, elas são acompanhadas por um grande interesse pelos ambientes naturais. Então, acho que me transformei naquela figura antiga e genérica do naturalista.

2 Comentários

  1. Marcelo Lins Lemos em

    Acabei de vir de parque das Sempres-Vivas. Já fui lá 3 vezes, mas suas cachoeiras só conheço mesmo a Santa Rita, as de Curimataí, e a do Brejão (que creio ser o mesmo Rio Preto da Santa Rita). Também já atravessei o parque de jeep partido de Inhaí (fazendo um desvio por Macacos devido a pontes quebradas), bem como andei de bicicleta por esta estrada. Tenho umas fotos recente de lá no meu instagran: marcelolinslemos. Aproveite e veja fotos também do Parque da Serra Nova, estive lá também na mesma viagem.
    Sou louco para conhecer a parte norte do Sempre-Vivas. Em breve, farei alguma expedição pelas bandas de lá.

  2. Luciano Freitas Costa em

    Esteve no Espinhaço este final de semana! Lugar incrível,levei uma equipe de bike para a travessia maluca do Bicudão! Parabéns Espinhaço E suas maravilhas.

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