O Espinhaço: Serra do Cabral

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Esta é a formação que corresponde ao lado oposto ao da Serra Negra, que você conheceu na última coluna: a Serra do Cabral. Sua origem e isolamento formaram um ambiente peculiar, que favoreceu a diversidade da natureza da UC lá criada.

A Serra do Cabral foi assim chamada devido ao nome de um de seus antigos moradores. É uma formação enorme, percorrendo em seus 80 km o centro-norte mineiro. Suas extremidades sul e norte correspondem às bacias dos Rios das Velhas e Jequitaí, dois cursos aproximadamente paralelos que deságuam no São Francisco.

Você já os conhece de meus relatos anteriores. O Rio das Velhas é o maior afluente do São Francisco. Nasce em Ouro Preto, exatamente na cachoeira que concentrou as primeiras lavras. Encontra depois a agitação de Belo Horizonte, onde se torna contaminado. Com seus 800 km, foi um importante meio de penetração do território mineiro no Ciclo do Ouro.

O Jequitaí começa mais próximo, no PN Sempre Vivas, percorrendo 350 km. No grande romance de Guimarães Rosa, ele era descrito como local de passagem ou travessia. Hoje suas águas estão ameaçadas pelo desmatamento.

Visual do PE Serra do Cabral, MG (Fonte: Divulgação)

É curioso perceber como o Cabral é um maciço isolado, paralelo à cadeia principal do Espinhaço, que nesta região naturalmente constitui o principal enrugamento. Ele é como um divisor entre a crista elevada do Espinhaço a leste e a depressão do São Francisco a oeste. Os geólogos acreditam que sua presença é um enigma, como se a cadeia do Espinhaço tivesse mergulhado e depois aflorado.

Diferentemente do Espinhaço, o Cabral apresenta encostas verdejantes e formações calcárias, associadas ao quartzito preponderante. Foi nestas formações que povos nômades executaram 1.600 anos atrás pinturas rupestres, abrigadas nas inúmeras lapas da região. Elas mostram um estilo próprio, chamado de cabralino, com representações de animais curiosamente naturalistas e movimentadas.

A atividade de extração mineral que existia antigamente impediu que a agricultura se expandisse no Cabral, ainda mais considerando o isolamento, o relevo e a pobreza do solo. Desta forma, a serra foi apenas sujeita às atividades de subsistência, com queimadas e plantios limitados.

Porém o recente avanço do eucalipto passou a ameaçar as chapadas do norte mineiro, aproximando-se do Cabral pelo sul. A criação do Parque veio proteger a natureza especial da Serra.

Ele foi fundado com 22.490 ha na sua parte norte, entre Buenópolis e Joaquim Felício, vilas que miram de baixo suas longas paredes. Como é comum no Espinhaço, o Parque tem um desenho alongado, com um comprimento de 40 km (verifique o mapa anexo). Com altitude média de 1.150m, não possui nenhuma estrutura ou sinalização. Sua sede ocupa o belo casarão de uma fazenda em Buenópolis.

Mapa do PE da Serra do Cabral, MG

Quando o visitei, apresentava boas estradas, que me permitiram percorrer 35 km no seu interior. Tive a sorte de conhecê-lo junto a um velho morador do local, que lá tem uma propriedade (naturalmente com animais). É impressionante perceber, logo à entrada, como a vegetação do Parque evolui da mata para o campo – e como o planalto lá embaixo é tão diferente da campina em cima.

De fato, cerca de metade da área é recoberta por cerrados e campos, com seu aspecto rude e áspero, embora o principal ambiente seja o de campos rupestres, com cactos, bromélias e arbustos recobrindo as rochas fraturadas.

Vereda Buriti dos Almeida, PE Serra do Cabral, Buenópolis, MG

Mas os cenários mais encantadores são as veredas, com os buritis emergindo dos brejos, vigiados pelas paredes rochosas distantes. Você encontrará a maior delas, o Buriti dos Almeida, logo que chegar ao platô elevado. Humboldt chamava esta palmeira de árvore da vida.

Existem também formações sombreadas, quando as matas ciliares acompanham os discretos cursos d´água, que acabam se avolumando ao descerem a serra e formarem belas cachoeiras. Visitei a do Riachão, com águas cristalinas fluindo docemente pelas rochas e compondo um delicioso poço. O ambiente chega a ser irreal, pois o visitei no auge da seca.

Cachoeira do Riachão, PE Serra do Cabral, Buenópolis, MG

Todo este visual é incrivelmente móvel. Na seca prolongada, que pode levar cinco meses, a natureza assume um aspecto lenhoso e uma coloração palha. No fim das chuvas, os brejos transbordam em lagos, que submergem as estradas. Entre estas estações, o verde se mostra intenso e as sempre vivas explodem em flor.

Acredita-se que, de todas as serras da região, o Cabral tenha a fauna mais abundante. A meu ver, sua vegetação mais úmida e fechada mostra-se propícia, por melhor alimentar e esconder os animais. Muitos dos seus mamíferos são considerados espécies ameaçadas.

Vista da Serra do Mole, PE Serra do Cabral, Buenópolis, MG

A espinha dorsal do Parque é formada pela Serra do Mole, tida como seu ponto culminante, com altitude de 1.385m. Apresenta um perfil recortado acima de um paredão rochoso, na clara coloração acinzentada típica dos penhascos da Serra. Sua ascensão é feita pela Fazenda Bimbarra a sul, através de trilha de 2 km, seguida naturalmente por uma escalaminhada áspera.

Panorama da Serra do Mole, PE Serra do Cabral, MG (Fonte: Divulgação)

A outra formação importante é a Serra do Palmito. Encontra-se logo à entrada do Parque. O acesso é feito por um caminho de 3 km e seu paredão abrupto alcança 1.235m de altitude, sendo difícil alcançá-lo. Ambas as serras se mostram fraturadas, com abismos e paredes junto a blocos, lajedos e cavidades.

Visitei dois sítios com inscrições rupestres: a Lapa da Pedra Escrita, logo à entrada e a Pedra Alta, na saída. É deprimente ver a degradação causada anteriormente ao Parque pelos mineradores. Os blocos fraturados e as paredes calcinadas danificaram muitas das pinturas de forma irrecuperável. É um triste contraste comparar as representações imemoriais da fauna com a destruição recente dos homens.

Gruta de Santana, PE Serra do Cabral, Buenópolis, MG

A partir do próximo capítulo, você conhecerá um novo aspecto do Espinhaço, até então com uma presença irregular e discreta: o calcário.

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Sobre o autor

Nasci no Rio, vivo em São Paulo, mas meu lugar é em Minas. Fui casado algumas vezes e quase nunca fiquei solteiro. Meus três filhos vieram do primeiro casamento. Estudei engenharia e depois administração, e percebi que nenhuma delas seria o meu destino. Mas esta segunda carreira trouxe boa recompensa, então não a abandonei. Até que um dia, resultado do acaso e da curiosidade, encontrei na natureza a minha vocação. E, nela, de início principalmente as montanhas. Hoje, elas são acompanhadas por um grande interesse pelos ambientes naturais. Então, acho que me transformei naquela figura antiga e genérica do naturalista.

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