Patrocínio de escaladores : mito ou verdade?

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O mau comportamento de alguns escaladores, sempre impune, colabora para a fuga dos patrocinadores.


Muito se discute hoje, como esporte em geral, a ausência total de patrocínios. A quantidade de teorias da conspiração aliadas ao que Nelson Rodrigues chama de complexo de Vira-latas é gigantesca. Mas falta um pouco a comunidade escaladora abrir os olhos para o que ela mesma anda, ou andou, fazendo nos últimos tempos em matéria de comportamento.

Embora muita gente faça como avestruzes, que escondem somente a cabeça e deixa o corpo de fora, outros tentam ter comportamento digno. Procuro sempre na minha vida olhar o ponto de vista dos dois lados. Eu como escalador já cansei de ficar criticando a postura de algumas empresas diante dos escaladores. Mas hoje em uma conversa reservada com um escalador pude ficar sabendo um pouco do outro lado da história.

Hoje para o mercado o escalador é conhecido pela ausência total de civilidade e educação, pela desunião e pela completa falta de postura ética e política diante de sua própria comunidade. Tal fato pode ser constatado pelas inúmeras reclamações e denúncias de comportamentos desrespeitosos diante dos locais de escalada.

Basta constatar isso ficando acompanhando os fóruns de escalada. As ocorrências são inúmeras: pessoas defecam em locais de escaladas ao pé da via, acampam onde não é permitido, consomem drogas ilícitas como se fosse comum, param seu carro onde bem entenderem, escutam som a toda altura, e por ai vai. Com todo o respeito a quem consegue fazer feitos de escalada notáveis, mas se eu fosse empresário não arriscaria a pagar uma pessoa com este comportamento a representar minha marca. Infelizmente.

Assim como na escola a gente deve estudar para merecer notas altas, treinar na escalada para evoluir no grau, ser carinhoso para manter a namorada, não desacatar autoridades para não ser preso, na escalada deve-se fazer por merecer. E isso não é o suficiente. Quanto mais grupinhos que se intitulam favelados, mas que na verdade nunca passou necessidade de verdade, e acham que o mundo não tem regras, menos teremos pessoas que escalam ganhando patrocínios.

No blog (http://pempem.blog.uol.com.br) que eu mantenho coloquei notícias de dois montanhistas e alpinistas famosos, e choveram críticas a eles. Mas ninguém parou para pensar que eles mereceram patrocínios porque representam uma atividade que as pessoas em geral têm um comportamento digno, e estas mesmas com todas as supostas limitações dentro da escalada, são pessoas de comportamento social exemplar. Ou seja, não saem por aí praguejando contra outros escaladores, sabe preservar o bom convívio com outros escaladores, e, sobretudo faz algo pelo esporte que praticam. Para merecer um patrocínio tem de ser alguém socialmente reconhecido, não somente tecnicamente apto.

Para quem acha que dinheiro cresce em árvore, digo que não cresce. Administrar um negócio é muito difícil, especialmente no Brasil, que tem a carga tributária muito grande. Ainda assim ter de produzir materiais para escaladores que não tem representatividade coesa e definida. O escalador hoje pensa somente em fazer algo local, mas não pensa a longo prazo. Quer apenas que tudo seja do jeito que ele quer, e não respeitar nada. Há escaladores que batem no peito que fazem e acontecem e reclamam de patrocínio. Mas estes mesmos não viajam a lugar que não seja o que eles querem, não participam do campeonato brasileiro porque tem um medo íntimo de perder e sair com a fama arranhada.

Tem muito escalador de destaque que fica com má vontade de aparecer em eventos de escalada porque não tem o “grau” que ele escala na região. Pois o ego é muito maior do que a vontade de se fazer aparecer para a comunidade. Não sabem eles que patrocínio é um emprego, e não mesada. Você tem de mostrar resultados como representatividade, divulgação positiva da marca e assim por diante, como numa empresa normal.

Chris Sharma tem mega patrocínos não tem? Pois então olhe quantos filmes de escalada, olhe para quantos eventos ele comparece, e veja quanto ele faz para a escalada. Não há noticias dele sendo bêbado, discutindo por mensagens e trocando acusações de problemas pequenos. Basta olhar o filme “King Lines” para perceber que antes de tudo ele é uma pessoa socialmente preparada para respeitar tudo e a todos.

Idem para escaladores como Lynn Hill, Adam Ondra(que sofreu punição do próprio país por querer escalar fora das regras de uma falésia na Europa), Dani Andrada. Até mesmo escaladores de destaque aqui no Brasil são exemplo de atitude e respeito a todos, olhe escaladores como Eliseu Frechou, Sérgio Tartari, André Berezosky , Janine Carsoso, César Grosso, Anderson Gouveia e muitos outros. Não se lê uma notícia, ou sabe-se de fato de mau comportamento destas pessoas em público. Seja criticando seja de comportamento inapropriado. Aposto que nunca irá existir, pois são pessoas que mostram ter o comportamento esperado para um patrocino, embora nem sempre consiga. E isso por culpa dos que causam desprazer nos patrocinadores de trabalhar com uma comunidade tão mesquinha e animalisca.

Não inocento os fabricantes também pela ausência. Sei que há escaladores merecedores de patrocínio a muito tempo, e algumas marcas se omitem disso. Há marcas que dão apenas apoio, e de maneira totalmente promíscua com associações de escalada que efetivamente só existem no papel (e tal fato acontece porque a comunidade escaladora só quer pensar no próprio umbigo). Se uma marca pode apoiar uma associação de papel, pode muito bem patrocinar um atleta (pagando metade da passagem por exemplo).

As marcas devem deixar claro também em seus websites, ou até mesmo com artigos em revistas o porquê de total ausência de apoio a campeonatos e etc. De preferência com todas as cores, ou seja, falar abertamente qual o problema. Pois assim como um relacionamento se não houver sinceridade de ambas as partes ele vai afundar. Conversar, ou comunicar qual deva ser o comportamento a ser seguido pela comunidade é o que mais tem de apropriado no momento.

Não existirá nenhuma grande empresa, com todo o dinheiro do mundo, que vai querer desperdiçar montantes em pessoas que são conhecidas por desrespeito total a todos. Se alguém quer ser patrocinado, pense na sua família. Você vai fazer parte de uma família ao ser patrocinado, e ninguém nunca quer alguém que fique sujando a sua marca. Para construir uma marca leva anos de investimento. Para destruí-la leva dias. Duvida? Olhe o que aconteceu com a Parmalat.

Como a falta de educação, e ausência de ética e etiqueta social impera nos famosos escaladores prodígios de cada região, o único patrocínio que vão conseguir será aquele que os próprios pais, às vezes cegamente, fornecem. Enquanto cada escalador não se conscientizar de que aquilo que você faz reflete na comunidade escaladora, vai ficar assim: as empresas com preguiça de patrocinar e muito escalador que merece de verdade um patrocino sem nada. E por culpa de todos que querem ver a escalada progredir, pois não sabem se portar como um indivíduo de sociedade.

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Sobre o autor

Marcelo Brotto é montanhista, ex presidente do Clube Paranaense de Montanhismo e engenheiro Florestal formado pela UFPR.

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