O montanhismo é uma atividade antiga, sendo praticada há muito mais tempo que, por exemplo, o popular futebol. Não sabemos ao certo quando o homem decidiu subir uma montanha, mas há registros arqueológicos de algumas tentativas que não deram certo em tempos pré-históricos.
Em tempo históricos, sabemos que os Incas subiam montanhas há mais de 500 anos atrás, numa época que a Europa vivia sob o dogma da Igreja e via nas montanhas a morada do Diabo. Aqui na América, ao contrário do velho continente, acreditava-se que as montanhas eram a morada dos Deuses e por isso os Incas sepultavam as crianças, filhos de nobres, nos cumes nevados. Montanhas como o Llullallaico, de mais de 6700 metros são os sítios arqueológicos mais altos do mundo por conta deste montanhismo religioso incaico.
No Himalaia, as montanhas também eram a morada dos deuses e não é por menos que o Everest, ou Sagarmatha no nepalês, significa em nossa língua “Deusa mãe do céu” ou Chomolangma, “Mãe do Universo”. Ali, ao contrário dos povos andinos, os sherpas não subiam as montanhas exatamente por ser a moradia dos Deuses…
A motivação de se subir uma montanha mudou com as transformações da maneira de se pensar. Foi em pleno século das luzes que surgiu o montanhismo como uma atividade desligada do pensamento religioso. Por mais que digam que a primeira escalada no Mont Blanc foi por acaso, o que aconteceu após a aventura de Jacques Balmat foi uma explosão de novas conquistas nas montanhas da Europa, até que os Alpes ficassem pequenos para os exploradores da época.
No século XIX, vivia-se um período de grande avanço científico e foi das aventuras de um geógrafo que o montanhismo começou a ser praticado fora da Europa. O príncipe alemão Alexander Von Humboldt, um dos mais célebres naturalistas viajantes e aventureiros, tentou escalar a montanha que na época pensava-se ser a mais alta do mundo, o Chimborazo no Equador.
Humboldt abriu as portas para outros grandes exploradores, como Martin Conway e Mathias von Zurbbrigen, que foi o primeiro europeu a escalar o Aconcágua. O montanhismo era uma das atividades mais fantásticas desenvolvidas pelos aventureiros das sociedades geográficas deste momento.
A experiência em se subir montanhas foi se acumulando e logo alguns picos que eram tidos como impossíveis de serem escalados começam a ser vencidos, como o Matterhorn em 1865.
Todas essas conquistas e a evolução de uma cultura de montanha influenciaram no mundo todo a reprodução deste pensamento. Não é por menos que em 1879 uma equipe de montanhistas se reuniu com uma única finalidade de se subir uma montanha no Brasil. Esta equipe foi lideradas por Joaquim Olimpo de Miranda e a montanha em questão recebeu o nome de Olimpo, que é a mais alta do Conjunto do Marumbi no Paraná.
A exploração se tornou o objetivo destes aventureiros que foram patrocinados pelos governos de seus países. O lema era levar a bandeira destas nações soberanas nos locais mais remotos do planeta e a mentalidade reinante era o Imperialismo e o país mais imperialista do momento era a Inglaterra.
Os ingleses já tinham explorado o interior da África, tinham perdido de uma maneira humilhante a conquista do Pólo Sul pelo norueguês Amundsen, mas apostavam na conquista da montanha mais alta do mundo para erguer a chama patriótica em mundo de extremos do entre-guerras. Foi neste clima que o sonhador George Mallory realizou três expedições fracassadas à montanha, sendo que na última, ele não retornou para casa. O Everest se tornou o terceiro pólo do planeta.
A década de 1940 foi marcada pela guerra na Europa. Ao término desta, a França, com a moral arrasada por ter tido sua capital tomada pelos alemães e ver seu orgulho ferido, enxerga no montanhismo uma forma de reerguer sua moral e o governo patrocina uma expedição para escalar uma montanha de 8 mil metros.
São escolhidos os melhores montanhistas do país, dentre ele, Lionel Terray, Maurice Herzog, Jean Couzy e Louis Lachenal. Esta equipe parte para o Nepal e sem saber qual montanha escalar se dirigem na região do Annapurna para fazer reconhecimentos. Eles ficam meses na região explorando as montanhas, sendo que a preferida era o Dhaulagiri, mas no final acabam por escalar o Annapurna. Maurice Herzog se torna o primeiro homem a pisar em um cume de 8 mil metros, mas à custa de muito sofrimento e amputações à frio. Apesar do erro de planejamento, a expedição se torna um sucesso e alcança seu objetivo, que é colocar a França no topo.
A expedição de Herzog abre a porteira para a exploração das montanhas mais altas do mundo e a Inglaterra retoma seu velho projeto de alcançar o cume do Everest, patrocinando a expedição de Edmund Hillary que em 1953 escalou o topo do mundo junto com Tenzing Norgay.
Logo, todos os 8 mil são conquistados até 1964, quando os chineses escalam o último deles, o Shishapangma que só não fora conquistado antes, pois os chineses não permitiam a entrada de ocidentais na região e guardaram para si esta conquista que é muito contestada.
Na década de 1970, o desafio começa a ser cada vez mais técnico e a motivação de se subir montanha passa para um nível pessoal, mas continua com grande patrocínios e interesses. Foi assim que Peter Habeler e Reinhold Messner conseguem escalar o Everest sem oxigênio pela primeira vez. Messner se torna mais tarde o primeiro homem a fazer todas as montanhas de 8 mil metros, em uma disputa acirrada com Jerzy Kukuczka. Ambos fazem todos os cumes sem oxigênio, mas Kukuczka morre na volta de sua última montanha.
Com o desenvolvimento e as competições pessoais, o montanhismo passa a ser tratado como esporte e marcas famosas começam a enxergar nestas expedições uma oportunidade de fazer marketing esportivo e assim o limite foi sendo puxado para desafios mais técnicos, mais difíceis.
A escalada esportiva se “separa” do montanhismo nesta década. Os objetivos já não eram subir montanhas, mas sim realizar em trechos pré determinados lances de dificuldade técnica inimagináveis para serem realizados em estilo de conquista. Não demora muito, aparecem as competições, na rocha ainda. Mais tarde, surgem os ginásios com agarras artificiais de resina, substituído agarras de madeiras que eram utilizadas durante os invernos para manter-se o treinamento daqueles que escalavam na rocha no verão.
Durante os anos 80, muita coisa muda, principalmente depois que um certo Dick Bass, um milionário texano, resolve escalar as montanhas mais altas de cada continente e lançar o desafio dos 7 cumes. Depois deste desafio que colocou um não montanhista no cume da montanha mais alta do mundo, a porteira ficou aberta para uma nova possibilidade dos montanhistas ganharem dinheiro, já que os patrocínios governamentais não mais existiam. Eles criaram as expedições comerciais…
As expedições comerciais botavam qualquer um no cume de uma montanha. Não haviam escrúpulos, pois o cliente nem sequer precisa ter experiência para ir à um Everest. Alguns se deram bem, outros se deram mal e esse negócio explodiu quando em 1996 houve a tragédia no Everest que mais tarde foi contada no livro “No Ar Rarefeito” de John Krakaeuer. Neste livro, entre várias coisas, o autor fala para o mundo da mudança de relação entre o montanhista e a montanha e o negócio que a montanha se transformou, pois da mesmo maneira que em 40 anos atrás, escalar o Everest continuava sendo um grande marketing, mas desta vez, um marketing pessoal e muitos pagavam caro por isso.
Se os anos 90 foram marcados pelo fim dos patrocínios e começo do turismo de montanha, os anos de 2000 ainda são difíceis de serem interpretados.
Nestes últimos anos houveram grandes avanços nas técnicas e está surgindo um conceito que mescla escalada tradicional com escalada esportiva, que é a liberação de vias artificiais em livre, ou seja, pessoas estão escalando rotas antes só escaladas em artificial, mas sem usar estribo etc, apenas usando os pés e as mãos com lance de dificuldade extrema.
Acho que a maior evolução na escalada são os projetos do Dean Potter, em que mistura vias de extrema dificuldade em paredes de montanhas altas, como a Face Norte do Eiger, sem usar cordas e sozinho, usando como segurança um paraquedas que é acionado em caso de queda.
De uma maneira geral vemos que muita coisa mudou desde a época em que o homem subia as montanhas para rezar. Colocando alguns fatos importantes numa linha de tempo, vemos que a motivação para subir montanhas esteve sempre relacionada com a maneira de se pensar de cada período histórico, mas como o presente ainda está acontecendo, é difícil de dizer o que motiva as pessoas hoje em dia a continuarem a escalar.
Este texto apenas retrata as questões técnicas do montanhismo, mas há muito o que se analisar. Pois se tratando de uma atividade desenvolvida na natureza, o homem viu muita mudança em sua maneira de enxergar o meio natural e talvez a crise ambiental em que vivemos possa ser um dos maiores desafios para a manutenção de nossa atividade no futuro.
A questão final que eu coloco é bem simples e este vasto texto serviu apenas para explicar esta questão: Qual é a motivação de hoje que levam as pessoas a subirem montanhas? Subimos por que simplesmente elas estão ali? Ou por que o marketing pessoal é um grande negócio? O que este mundo estranho de pós queda do muro de Berlim e capitalista ao extremo é capaz de fazer com o montanhismo, uma atividade tão antiga, mas que teve seu objetivo tão distorcido com o passar do tempo?
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