Expedição Pico da Neblina – 2

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27/01/2009 – 6º Dia
Acordamos com um super sol, tomamos café com bolacha salgada (aliás, todos os cafés da manhã foram café ou Nescau com bolacha salgada) e pé na trilha!

:: Leia a parte 1

A mudança da paisagem, de acordo com a altitude, foi linda. Até uns 1.200 metros, era a floresta que até então estávamos caminhando, mais aberta, com as árvores mais altas. A partir daí até uns 1.500 metros a mata se fechou um pouquinho e apareceram as primeiras raízes e pedras. Até uns 1.800 metros, a subida se tornou ainda mais íngreme, passamos por uma cachoeira pequena e a trilha se transformou em um córrego de água clara. A partir de 1.800 até uns 2.000 metros, surgiram bromélias gigantes (como no morro do Sete) e a subida ficou mais leve. Dos 2.000 metros até o acampamento base, o visual ficou diferente de tudo: muita lama, areias cor-de-rosa, quartzo, bromélias gigantes, plantas carnívoras. Adorei a parte da lama, mas acho que só eu me diverti nesse momento…hehe…

Pico da Neblina

Chegamos ao acampamento Base! Muito frio, uma chuvinha fina e persistente, roupas imundas e… não deu para parar nem para respirar! Corri armar a barraca antes que a chuva aumentasse! Mas não adiantou muito, já estava tudo molhado mesmo! Para aproveitar o corpo quente, cada um pegou um pedacinho do rio e correu tomar banho, pois era realmente necessário, Ah…O rio! Água fria e suja! Paisagem devastada novamente. Dessa vez, não pelo exército, mas pelo garimpo. Solo revirado, pedras empilhadas, água contaminada, e para não fugir da regra, a presença do lixo militar.

Os garimpeiros inclusive, que estão sempre por ali e têm ponto fixo, vieram cumprimentar o grupo, sendo muito receptivos e simpáticos. Tiraram fotos, contaram causos. Jantamos e fomos dormir.

29/01/2009 – 8º Dia
Finalmente chegou o dia! O objetivo era o cume do Pico da Neblina e seus quase 3.000 metros de altitude!

Neste ponto da caminhada, depois dos lugares em que se anda com lama até os joelhos, a subida se torna muito íngreme, praticamente sobre pedras, com trechos em que se apela para o auxílio de cordas (as cordas lá fixadas estão sempre expostas à chuva, calor, umidade e pelo que parece, foram trocadas a mais de 5 anos). A caminhada varia em aderências leves, trechos com cordas e pedras pequenas soltas (devido a ação da atividade garimpeira), sempre acompanhada da chuva, ou pelo menos de uma garoa.

Cume no Pico da Neblina.

Colocar os pés no cume do Pico da Neblina foi fantástico! O sorriso não conseguia sair de nenhum dos rostos, mesmo com o frio e com o vento que faz lá em cima. Era inacreditável estar lá! O tempo estava fechado, com muita neblina (hehehe), mas a sensação que tomou conta de mim, a acredito que dos demais também, foi uma grande mistura de sentimentos e lembranças. Foram uns 10 minutos fantásticos! Foram 10 minutos porque estava muito frio e corremos armar as barracas, antes que chovesse forte.

Barraca armada, roupa quentinha e saco de dormir. Na barraca estava eu e a Nasaré, que é meio maluquinha e começou a secar tudo com um paninho… foi bem engraçado, porque ela só sossegou quando limpou a barraca inteira por dentro. Enfim, chuva lá fora, eu estava embrulhada no saco de dormir, a Nasaré já tinha feito a faxina da barraca e foi para o seu saco dormir também e estávamos só com o nariz para fora, quando de repente o Izaias começou a gritar lá fora: “Abriu! Nooossa! Uhu! Olha isso!Venham ver! Uhu!”. É lógico que era sacanagem e ele queria que a gente saísse naquele frio para dar risada da nossa cara! Apenas respondemos “Ah! Tá bom…. tire umas fotos para a gente ver depois… uhauhauhau…”

Mas ele foi insistente, continuou gritando lá fora. Até que falei para a Nasaré: “Acho que vou dar uma espiadinha, vai que é verdade…”. Ela fez uma cara de quem não estava acreditando muito também. Abri um pouco o saco de dormir, e fiz menção de abrir a barraca, mas recuei, estava muito frio. Respirei fundo, e abri só um pouquinhodo zíper. Foi o suficiente para esquecer o frio, pular do saco de dormir, tirar as meias e sair correndo lá para fora!…………………..360° de visual!

Pôr do sol

Não sabia se pulava, gritava, dava risada, plantava bananeira, tirava foto… Estava tudo aberto!!! E que visual alucinante! Inacreditável! A gente não conseguia tirar foto de tanto que tremia, mas o frio mesmo pareceu que nem existia mais. Os pés descalços naquele chão frio e úmido foram apenas mais um detalhe insignificante. Olhar o Brasil, a Floresta Amazônica e todas aquelas montanhas lá de cima deixaram todos tão perplexos que nada mais importava naquele momento. Lembro inclusive do Branco dizendo algumas vezes “Vem comer galera!”, até o Izaias responder “Que comer p… nenhuma, eu como todo dia, eu quero é ver isso aqui!”.

Tivemos o privilégio de contemplar aquelas paisagens por mais ou menos uma hora, pois as nuvens foram se aproximando e o sol se pondo. Mesmo que tivessem sido apenas cinco minutos teriam valido a pena. Ou até mesmo se visse só neblina mesmo, faria tudo de volta um milhão de vezes.De volta para a barraca, os meninos descobriram que não cabiam os quatro na barraca deles. Então, por alguns pedaços de chocolate branco, cedemos um canto para o Izaias.

30/01/2009 – 9º Dia
Lá pelas seis da manhã, despertamos para ver se o tempo estava aberto e se poderíamos ver o nascer do sol lá de cima. Doce ilusão. Estava chovendo. Mais ou menos lá pelas 8 horas a chuva cessou, levantamos para o café e o momento mais difícil de toda a expedição: colocar a roupa molhada da caminhada naquele frio! Foi cruel!

Resolvemos ir até o Pico 31 de Março, uns 20 ou 30 metros menor que o Neblina. A Nasaré preferiu ficar descansando e secando a barraca de novo (figura!). A caminhada até o Pico 31 de Março é bem tranqüila, e a paisagem lá te faz pensar que está na pré-história. A densa neblina por entre as pedras empilhadas, que se assemelham à fisionomia de animais, torna o lugar bem inóspito. E até mais interessante que o próprio Neblina. E adivinhem o que tem lá no 31 de Março? Garimpo! O solo remexido e materiais descartados acusam essa atividade. Junto com os resíduos deixados pelo exército, é lógico!

Depois de quase 2 horas, retornamos ao Pico da Neblina e começamos a descer. Como a descida é muito íngreme, desci com bastante calma, a fim de não maltratar os joelhos, que trabalharam muito bem e não deram nenhum problema (ufa!). Atravessamos a lama de volta, pegamos chuva e chegamos ao acampamento base novamente! Eu e o Rodrigo chegamos um pouco antes ao Base, e assim que cheguei fui conversar com os xitas, contar sobre lá em cima, mostrar as fotos. Eles olharam as fotos da máquina e ficaram comentando em yanomami, deram risadas e eu não entendi nada. Esqueci de comentar: os yanomamis só vão até a base do pico, pois além de não suportarem o frio, também tem medo, devido aos seus mitos e costumes.

Estava tão feliz e tão empolgada que nessa noite não dormi direito. Foi possível armar as redes e eu me enrolei no meu sacode dormir.

Retorno ao acampamento base

31/01/2009 – 10º Dia
Quando amanheceu, olhei com mais atenção para o acampamento base: estão depositados lá cerca de uns 20 sacos de lixo grandes e cheios. Fora os pacotes de ração do exército jogados “no lugar que deu vontade”. Percebi que o Armindo estava certo, e que eu não poderia trazer o lixo jogado pela trilha e acampamentos (até poderia, com uma mochila maior e vazia).

Rio Bebedouro Novo.

Os garimpeiros vieram se despedir do pessoal e foram trabalhar. Tomamos café e pé na trilha: retornaríamos ao Bebedouro Novo. A caminhada foi em uma descida íngreme, em um ritmo moderado e muito carinhoso com os preciosos joelhos. Sob chuva, é lógico. Rapidamente atingimos o objetivo e tínhamos quase a tarde inteira para curtir o local. E adivinhem quem apareceu?! Sim. Ele. O pico da Neblina, agora mostrando sua outra face, tão maravilhosa quanto aquela que já havia contemplado. A Serra do Camelo também estava lá se mostrando e sendo admirada.

Direito a um banho de cachoeira de novo (por isso quisemos parar no Bebedouro Novo…justifica né?!), um alongamento mais demorado e o simples fato de pensar em estar indo embora já apertava o coração e as saudades do lugar, já começava a brotar (uau…isso foi romântico!). E fomos cumprir o ritual de bebê: tomar banho, comer e dormir.

Mas antes, escutamos as historinhas de ninar do Branco: a vida no garimpo, os causos, as lutas, as mulheres, as “visagens”. Além de algumas histórias dessas, outra coisa aterrorizou todos durante todas as noites, inclusive os xitas: o ronco do Branco e do Izaias, que desmaiados em suas redes não faziam questão que os demais dormissem. Nos últimos acampamentos, os xitas até armaram as redes deles mais afastadas, para poderem dormir melhor, ou simplesmente dormir mesmo!

Continua….

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Sobre o autor

Bárbara Elisa Pereira (Bábi), é formada em Pedagogia, com mestrado em Ciência Ambiental. Praticante de montanhismo e escalada, atualmente mora em Curitiba

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