Tudo aconteceu quando eu descia a Canaleta (Cerro Aconcágua). Comecei a me sentir pior, não tinha mais chá no meu cantil, a dor de cabeça era insuportável, assim como o cansaço. Sabia que não deveria sentar e descansar, mas realmente não conseguia mais caminhar. Comecei a sonhar e a delirar. Não conseguia mais distinguir a realidade do sonho. Sei apenas que aquele médico japonês me carregou para baixo. Media minha pressão, falava o que eu não compreendia. Eu estava desacordado!”
Assim como o montanhista Édson Panek, que dessa forma relata os efeitos do mal da altitude, que quase lhe custou a vida no Aconcágua, muitos outros visitantes das montanhas sofrem com esse problema, ainda muito mal interpretado, o qual começa a surtir efeitos quando ultrapassa-se altitudes acima de 2.800 metros e é acentuado em altitudes maiores.
O mal da altitude nada mais é senão a dificuldade do organismo em absorver oxigênio para suprir as necessidades a que estamos impondo, o que acaba por causar uma série de efeitos, que podem até culminar com a morte do indivíduo.
Isso ocorre pelo fato de que a pressão do ar diminui conforme a maior variação de altitude, o que resulta em menor quantidade de oxigênio no ar. Repare que a composição do ar continua a mesma – 78,1% Nitrogênio, 20,9% Oxigênio e 1% outros gases – porém, como afirmamos, em menor quantidade. Com isso, temos que respirar mais para conseguir absorver a mesma quantidade de O2 de quando estamos ao nível do mar. Isso gera uma sensação de falta de ar, ou, como se não fosse possível aspirar.
Sob estas dificuldades nosso organismo tende a se aclimatar, e a principal mudança será a alteração da composição sangüínea, que terá um aumento considerável de glóbulos vermelhos, responsáveis pelo transporte do O2 absorvido nos alvéolos pulmonares às células. Porém esta reação do organismo não é imediata, leva algum tempo. Por isso o processo de aclimatação precisa ser realizado, e de forma lenta e gradual, evitando grandes esforços físicos quando chegamos em altitudes maiores.
É importante ressaltar que, sob este período de aclimatação, outros efeitos poderão ocorrer, na ânsia do organismo tentar se adaptar à dificuldade enfrentada. Um destes efeitos é o inchaço dos vasos sanguíneos, principalmente os localizados na região cerebral. Isso deve-se ao fato de que esta é a região mais sensível à falta do oxigênio, além de ser vital. O corpo, na tentativa de facilitar a troca gasosa, aumenta o “calibre” dos vasos sanguíneos, o que, em princípio gera uma dor de cabeça constante.
O organismo, que não consegue absorver a quantidade de oxigênio suficiente, aumenta o fluxo do sangue no pulmão, inchando seus alvéolos pulmonares. Ocorre que este abrupto fluxo sanguíneo e inchaço, da mesma forma que facilita a troca gasosa nos alvéolos pulmonares, também facilita a saída da linfa (o fluído menos espesso do sangue), gerando certo acúmulo de fluídos no pulmão, o que por sua vez, faz com que o corpo tenha uma reação afim de expulsar estes fluídos e causa uma tosse seca e constante. O efeito acaba por tornar-se cíclico, pois o organismo aumenta mais ainda o fluxo do sangue nos pulmões, gerando maior inchaço dos alvéolos e vasos sanguíneos, que liberam mais líquidos, que dificultam ainda mais a troca gasosa no pulmão.
A situação, neste caso pode piorar, dando início ao que chamamos de HAPE – ou Edema Pulmonar. Os principais sintomas de HAPE são a falta de ar, tosse seca e intermitente, considerável insônia e posteriormente apresenta escarro avermelhado. Pode ocorrer mudança de cor nas extremidades do corpo, tendendo para o azulado, principalmente na face (lábios), o que indica a pouca oxigenação do sangue. Pode gerar inconsciência e posteriormente a morte.
O mesmo se aplica ao vasos sanguíneos no cérebro, que devido ao inchaço, permitem a passagem de fluídos do sangue, gerando acúmulo na região cerebral, causando mais dor e inchaço. Neste caso, tem-se o princípio de HACE – Edema Cerebral. Os principais sintomas de HACE são, pela ordem, perda do apetite, forte dor de cabeça, vômitos, confusão mental, tontura e perda da coordenação motora, inconsciência, coma e finalmente a morte.
Como vimos, ambos podem levar a morte do alpinista, porém os efeitos do HACE (Edema Cerebral) são mais severos e rápidos, enquanto do HAPE (Edema Pulmonar) são mais fáceis de identificar e menos severos, possuindo cura rápida. Entretanto, em ambos os casos, se o paciente apresentar os sintomas, deve ser imediatamente levado a altitudes menores e tratado.
Texto: Hilton Benke