Domingão meio borocoxô mas nem por isso motivo de permanecer em casa, o dia enfim dava a deixa pra conhecer um núcleo do PE Cantareira que nunca tinha pisado, embora sua criação fosse recente. Como já tinha as infos necessárias (principalmente como chegar) de antemão graças a sempre gentil e prestativa Elizângela, com quem trocara um par de emails ([email protected]) pela a semana, só permaneceria em casa se assim quisesse. Além do mais, era a deixa pra colocar as pernocas pra andar em meio ao mato aqui pelas redondezas, uma vez que a Serra da Cantareira ta apenas meia hora do caos da cidade grande. Uma praticidade só!
Assim, eu e a Lau saltamos na estação Tucuruvi do Metrô pouco depois das 9hrs da manhã, naquele dia preguiçoso de nebulosidade clara, e nos dirigimos ao ponto dos ônibus intermunicipais, situados logo ao lado. Não tardou em embarcar no azulzinho “337 Guarulhos – Jd Acácio”, que num piscar de olhos rasgou além dos limites da paulicéia desvairada. Uma vez ao rodar pela Estrada do Cabuçu, cujos trocentos outros nomes podem confundir o forasteiro desavisado, é impossível não reparar na janela do busão emoldurando, a direita, estruturas curvadas aparentando conter as encostas daquele lado. Contudo, as mesmas nada mais são que tubulações remanescentes da época em que a Represa do Rio Cabuçu abastecia São Paulo c/ o precioso liquido; enqto do outro lado observamos o que restou do atual Ribeirão Cabuçu de Cima, serpenteando seu curso poluído pra desaguar no Rio Tietê, alguns bons kms adiante.
Desembarcamos do latão lá pelas 10hrs no ponto, em frente a Escola Estadual Maria Helena da Cunha, onde bastou passar pela pracinha logo adiante e nos vimos diante do portal que nos dá as boas-vindas ao “PE Cantareira – Núcleo Cabuçu”, pagamos a modesta taxa de R$9 (estudante paga meia) e nos pirulitamos pela “Alameda Anu-Preto” naquela bela área verde preservada. Bem estruturado, o parque apresenta impecável estrutura pra receber seus visitantes, como estacionamento, área de piquenique, playground, sanitários, etc. Só não tem lanchonete, o que faz necessário levar seu próprio lanche.
Mas vamos ao que interessa aqui, ou seja, as trilhas, todos bem e devidamente sinalizadas.Ao todo são quatro, cada uma de nível, distância e dificuldade variadas: a do Tapiti (250m), Jaguatirica (1km), Sagüi (730m) e da Cachoeira(5,2km). Como a ideia era percorrer todos sem pressa, viabilizamos um circuito que emendasse as veredas quase que sequencialmente. Pra isso desviamos da via principal e tocamos pela “Alameda Pavó”, onde primeiro fomos dar uma xeretada no “Centro de Visitantes”, onde funciona um simpático Museu que mostra tanto a historia do lugar como exibe ossadas (e alguns espécimes embalsamados) da bicharada que circula por ali.
Do Museu cruzamos a “Praça da Preguiça” e fomos direto pras trilhas do Tapiti e Jaguatirica, já que uma é sequência da outra. A primeira é bem curtinha (coisa de 250m) e, sem desnível algum, apresenta ao longo do percurso a presença de araucárias e outras espécies do bioma Mata Atlântica. No final, é preciso subir uma espécie de aqueduto concretado que dá acesso a entrada da Trilha da Jaguatirica, que em seu enxuto e sinuoso trajeto de1km apresenta a transição de espécies exóticas introduzidas, como pinheiros e bambus, além de vegetação nativa. Começa subindo um pouco pra depois bordejar a encosta direita da serra, e assim tocar na direção norte como que acompanhando a distância o espelho d'água da Represa do Cabuçu, visível por algumas frestas na mata. Guatambu-amarelo, mandioqueiro e embaúba são algumas das espécies identificadas com placas nesta agradável vereda.
A trilha desemboca na “Alameda Martim-Pescador”, a espinha dorsal do parque que basicamente bordeja a represa. Dali é preciso tocar pra esquerda e acompanhar a via, sempre devidamente sinalizada, não tem erro. Tocando sempre em frente cruzamos a simpática “Praça Manacá-da-Serra” pra adentrar na Trilha do Sagui, uma vereda que promove uma rota circular ao largo dos seus 730m. Com pouco desnível e basicamente ladeando um pequeno e úmido vale transversal, o maior atrativo do caminho é um antigo forno para produção de carvão vegetal cavado na encosta. Com pequenos cursos d'água, uma bica, e exemplares de pau-jacaré, samabaia-açu, figueira branca, bananeiras, bambuzais, outro destaque é a presença da árvore que empresta o nome ao parque, o tal Cabuçu (Miconia cabussu).
A trilha termina novamente na via principal, pouco antes da “Praça Manacá-da-Serra”, onde esta a entrada da “Trilha da Cachoeira”, considerada a mais pesada e longa de todo parque, tendo em vista que a placa indica quase 5kms de extensão (ida e volta). Pela “dificuldade”, o aviso reitera a restrição da entrada a gestantes, crianças, deficientes, etc.. além da permissão de acesso somente até as 14hrs. Há ali também um guardinha que contabiliza o número de pessoas que adentra na picada, mantendo assim um certo controle. Pouco antes da entrada há um belo remanso chamado de “Recanto do Bugio”, onde uma bica despeja água que vem do vale da trilha anterior (a do Sagüi, lembra?), que por sua vez forma um poço raso antes de seguir rumo a represa propriamente dita.
Pois bem, voltado a vereda da cachu, a mesma começa subindo em meio a um bambuzal, pra depois seguir por terreno abaulado um bom tempo. Nalguns trechos mais largos é perfeitamente visível que a vereda fora uma estrada outrora, agora cercada de espessa e exuberante mata. Exemplares de cerejeira, jerivá, palmito-juçara e cabuçu surgem devidamente identificados a margem do caminho, assim como outros menos ilustres mas não pouco vistosos, como coloridos fungos e elegantes orelhas-de-pau. Chama a atenção trechos com “túneis” formados por uma planta retorcida, espécie de cipó chamado “mata-pau”, que nada mais é uma epífita cujas raízes crescem em direção ao solo, onde se ramificam e se espalham em todas as direções, muitas vezes ao redor de arvores ou em emaranhados delas mesmas.
O sobe e desce é constante e suave, assim como a travessia de diversos córregos ao largo de todo caminho.No entanto, a vereda é obvia e bem batida, não tem erro quanto orientação. A meio caminho há uma simpática clareira cercada de bananeiras ao lado dum plácido curso d'água, onde quem tiver já sentindo o tranco pode sentar num rústico banquinho de madeira. Conforme se avança, a pernada prossegue agora bordejando constante mente a encosta, ao mesmo tempo em que o terreno se torna cada vez mais acidentada. E após cruzar mais um córrego o a vereda passa a adentrar num pequeno vale transversal, acompanhando seu mirrado curso d'água, onde se ganha certa altitude.
Não tarda a surgir uma placa indicando a proximidade da queda d'água, embora o rugido da mesma já seja audível antes disso. Inicia-se um breve e íngreme zigue-zague na encosta e, por volta do meio dia e meia, desembocamos a margem duma modesta cachu de pouco maior de 4m de altura. A fria água é despejada através de lajotas lisas ate cair num poço raso cercado de areia, pra depois seguir seu sinuoso rumo vale abaixo. É possível escalaminhar ao alto da queda pelo barranco ao lado, de onde se tem uma vista privilegiada do conjunto da cachu, assim como do estreito e espesso vale. Ali, na cia doutro quarteto de jovens presentes, fizemos um breve e merecido pit-stop, alem duma boquinha com os lanchinhos levados na mochila. Devido a época de estiagem a cachu tava com pouca água, mas acredito que no verão o lugar deva bombar de turistas, o que não era o caso naquela ocasião.
Revigorados e de bucho cheio, retomamos o caminho de volta, refazendo todo trajeto ate ali sem pressa alguma. Novamente na Alameda Martim Pescador , bastou acompanha-la desta vez no sentido contrario, onde tivemos nova paradinha num belo mirante a margem do enorme espelho d'água da Represa do Cabuçu, cercada da onipresente mata exuberante. Uma placa indica a proibição de nadar, o que é reforçado inclusive pela presença dum guardinha pra evitar um tchibum mais ousado. Precaução mais que devida tendo em vista que as bombas da barragem podem “sugar” banhistas menos desavisados.
Dando continuidade ao retorno pela bela supracitada alameda, agora cercada de pinnus e eucaliptos perfilados, não demora pra cair na barragem propriamente dita, um enorme muro alvo concretado que contém as águas calmas da represa. A Barragem do Cabuçu é considerada a primeira gde obra de concreto armado do Brasil, cujo cimento veio diretamente da Inglaterra, de navio. Assim como outras glebas que hoje formam o parque, boa parte da Bacia do Cabuçu foi desapropriada para compor a área a ser protegida pelos mananciais de abastecimento. Em 1908 foi construída a barragem, ficando conhecida como Represa do Cabuçu, onde funcionou por mais de 60 anos, sendo desativada quando entrou em operação o atual sistema Cantareira. O parque foi criado posteriormente pra garantir tanto a preservação dos atributos naturais da região como pra garantir o abastecimento de água da cidade.
Da barragem tomamos a Alameda das Palmeiras pra então cair no playground, a estação de tratamento de água, estacionamento e finalmente a entrada do parque. Fim de passeio e não eram nem 14hrs da tarde daquele domingão preguiçoso. Dando adeus aquela bela unidade de conservação, perto dali há um ponto de ônibus onde é possível retornar a qq estação de Metrô. Não tem segredo. E assim tivemos nosso quinhão merecido de mato a apenas meia hora do caótico centro da “selva de pedra” paulistana.
O Parque está aberto à visitação pública sábados, domingos e feriados das 8 às 17hrs, com funcionamento da bilheteria até às 16hrs. Às segundas-feiras o Parque fica fechado para manutenção, e de terça a sexta-feira recebe apenas grupos previamente agendados para participar de roteiros de Educação Ambiental. Em dias de chuva as atividades são suspensas visando a garantia de segurança do visitante, uma vez que a área se torna de risco e sujeita a alagamentos. Qualquer coisa ou info avulsa basta ligar no (11) 2401-6217/ 2406-8429. O P. E. Cantareira – Núcleo Cabuçu fica na Av. Pedro de Souza Lopes, 7.903, CEP 07075-170, Guarulhos (SP). Em tempo, é vetada a entrada de animais domésticos! Logo, a pulguenta Chiara, companheira de muitas aventuras na mata, deve esperar sua próxima reencarnação pra poder desfrutar desta grata surpresa natureba em Sampa.
Jorge Soto
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