Claro que não é um caminho exigente, embora a altitude o torne às vezes traiçoeiro. É uma trilha única: até hoje me vejo cruzando por aquelas infinitas pontes pênseis, atravessando as áridas curvas dos vales imensos, admirando as comoventes montanhas nevadas, ouvindo o rugido noturno das avalanches, escalando sob altitude as morainas, encostas e cristas – e contemplando lá de cima o mais belo dos mundos.
Dia de Sol Rumo ao Gokyo Peak, Nepal
Há um momento neste longo percurso de 180km em que as rotas se bifurcam. Á direita fica a vila de Pheriche e a desgastante moraina da montanha. Pheriche é um lugar notável, para o qual seus moradores se mudam sempre que o clima permite; no inverno, se abrigam mais em baixo. Essa é portanto uma cidade provisória, regida pela presença daquela montanha inexorável.
A moraina do Everest é realmente impressionante, aliás como todas são. Para mim, morainas são o lixo das montanhas, detritos de rocha que o gelo tritura, desloca e expõe. Atravessá-las é sempre penoso: sua rampa é íngreme, seu piso é irregular e seu tempo é lento pela expectativa da chegada.
Gokyo Peak, Nepal
Mas, à esquerda, o ambiente é mais ameno, o caminho conduzindo a um vale isolado, com um lago de degelo abaixo, uma montanha ao lado e a infinita parede do Nuptze mais além. Esse lugar chama-se Gokyo, onde passei uma das mais gélidas noites, com 25° ou 30° negativos, cuja falta de vento tornou até razoável.
Subi de manhã ao Gokyo Peak (são quase 5.400m) e, na volta, encontrei o que me pareceram dois patos nadando no lago, suas petulantes cabeças emergindo em sincronismo. Achei que a altitude me pregava uma peça, que estava delirando.
No Alto do Kala Patar, Everest ao Fundo, Nepal
Imagine minha surpresa ao descobrir que os patos eram dois ingleses, treinando para a maratona que iriam disputar no dia seguinte contra dois nepaleses. Esta é uma prática anual do lugar – naquele ano, ganharam os locais, para grande orgulho dos sherpas. Os ingleses descobriram que nem sempre nadar ajuda a correr.