Expedição Exploratória nos Andes

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De setembro a novembro de 2015 participei da mais longa expedição a montanhas andinas da minha vida, uma expedição de 2 meses onde fiz 12 cumes, 4 deles de acima de 6 mil metros e o resto montanhas de 5 mil, dentre elas várias virgens. Neste artigo farei um relatório destas ascensões com os dados colhidos até agora com vários montanhistas que conhecem bem a região.

O projeto

 A idéia de realizar uma expedição exploratória nos Andes partiu de Maximo Kausch. Maximo e Suzie Imber, uma pesquisadora inglesa e professora da Universidade de Leicester elaboraram um método para identificar quais são e onde ficam as montanhas acima de 6 mil metros nos Andes. Este método foi rodado num super computador da NASA e nele foi descoberto não somente quais eram as montanhas acima de 6 mil como também as acima de 5 mil metros da cordilheira.
 Cruzando estes dados com dos Institutos de cartografia dos países andinos, pudemos verificar que há centenas de montanhas nos Andes acima de 6 mil metros que permaneciam sem nome e também se ascensões. Como todas as 104 montanhas acima de 6 mil metros já haviam sido escaladas, Maximo elaborou o projeto para explorar e escalar as montanhas virgens mais altas dos Andes.
 Para financiar a expedição, submetemos o projeto ao Mount Everest Foundation (MEF), uma instituição inglesa fundada logo após a escalada o Everest em 1953 que patrocina projetos de montanhismo de cunha exploratório que colaborem com a geração de novos conhecimentos. Como iríamos explorar novas montanhas, fazer reconhecimento de novas áreas e corrigir erros nos mapas oficiais dos países andinos, achamos que teríamos chance.
 Suzie nos representou na seleção de projeto. Ela foi entrevistada por grandes montanhistas da British Mountaineering Foundation (BMC) e meses mais tarde fomos informados que dentre centenas de projetos o nosso foi escolhido e assim teríamos como tirar do papel o sonho de escalar novas e desconhecidas montanhas nos Andes.
 Apesar do patrocínio, a grana era curta e tivemos que nos virar. Um carro 4×4 para acessar locas remotos era essencial, por isso, meses antes, troquei meu pequeno Suzuki Jimny novo por uma Land Rover Discovery 2 usada e comecei a equipar o carro. Nesta etapa foi fundamental a participação de Jovani Blume, um mecânico gaucho que foi meu ex aluno do curso de escalada em rocha e é um jipeiro inveterado. Conway (uma homenagem ao explorador inglês William Martin Conway) recebeu calço de 3 polegadas, novos amortecedores e uma revisão completa.

Primeira montanha: Cerro Famatina

O começo e a primeira montanha, Nevado Famatina (6100m):

 Maximo estava na Rússia filmando um episódio para o Canal Off quando Suzie e eu deixamos Curitiba para trás a bordo do Conway. A razão de sairmos antes foi aclimatação, pois Maximo chegaria direto do cume do Elbrus e a gente estava no nível do mar. A ideia era escalar no lado argentino para fazer uma aclimatação e depois nos encontrarmos com Maximo no Chile, mas não foi isso o que aconteceu.
 O tempo estava muito ruim na Argentina e a fronteira com o Chile fechada. Por conta disso ao invés de aclimatarmos na fronteira, fomos escalar o Nevado Famatina (6100m), que pela previsão do tempo tinha melhores condições.
 Embora com melhores condições, o Famatina estava muito frio. Durante a ascensão minha barba congelou, enfrentamos muitas dificuldades, mas enfim fizemos cume. De acordo com o historiador do montanhismo brasileiro Rodrigo Granzotto Peron foi o primeiro cume brasileiro naquela montanha.
 No entanto o frio tão grande que ele congelou o anti congelante do carro, perdi liquido e com o motor seco queimou junta do cabeçote do Conway. Nessa, perdemos 3 semanas na cidade de Chilecito para arrumar o carro. Nestas três semanas pegamos 2 terremotos, comi uns 10 churrascos, escrevi um monte de coisas e nos encontramos com Maximo. Como estávamos com tempo, pudemos re planejar a expedição e quando o Conway ficou pronto partimos para a primeira montanha.

Segunda Montanha: Cerro La Brea

Segunda montanha: Cerro La Brea 5225m

 Chegamos nesta montanha após explorar a região do Cerro Bonete Chico (quarta montanha mais alta dos Andes). No entanto o acúmulo de neve e gelo no caminho não permitiu que fossemos muito longe. Por isso acabamos rumando ao Sul e entrando na Província de San Juan, numa região onde não há estradas e nem cidades.
 Lá aproximamos de uma montanha de 5225 metros, mas não conseguimos avançar muito devido ao excesso de gelo na estrada. Fizemos um acampamento improvisado e atacamos o cume desde ali. Chegamos no topo no dia do meu aniversário (27 de setembro). No cume achamos dois totens de pedra muito bem construídos que não deixou dúvida serem Apachetas Incas.
 Após pesquisa descobrimos do montanhista argentino Marcelo Scanu que a montanha já teve duas ascensões, sendo que a última foi na década de 1990. O relato, publicado no American Alpine Journal dá conta de uma montanha com altitude parecida e que também foi batizada de La Brea (nome de um rio que passa na região). Apesar da dúvida acreditamos que se trata da mesma montanha.

Terceira montanha: Lagunas Bravas

Terceira montanha: Vulcão Lagunas Bravas 5335m

 Após abertura da fronteira entramos no Chile. Perto da aduana chilena há um rio que esculpiu um canyon, por onde subimos até chegar em um planalto onde há inúmeros lagos salgados. Nesta região de lagos salgados, dos quais um dos maiores é a Laguna Jilgero ficam dezenas de vulcões pouco conhecidos.
 Após uma tensa aproximação subindo o canyon e atravessando campos de areia e pedras, chegamos na base do vulcão Lagunas Bravas, na frente de um lago salgado de mesmo nome. Ali encontramos dezenas de ruínas incas, inclusive acampamos ao lado de uma delas.
 Acabamos escalando o Vulcão Lagunas Bravas, que de acordo com o andinista chileno Alvaro Rojas deve ter sido a terceira ou quarta ascensão.

Quarta e quinta montanha: Cerro Chifú (5040m) e Lomas Coloradas (5300m)

 
 Quarta e quinta montanha: Cerro Chifú (5040m) e Lomas Coloradas (5300m)
Ao Sul do Vulcão Lagunas Bravas há uma montanha de pouco mais de 5 mil metros que neste momento não sabíamos o nome e que foi a próxima montanha a escalarmos. No caminho a esta montanha encontrei um acampamento moderno e pegadas humanas e no cume um totem de pedras mal feito, o que não deixou duvidas ser moderno.
 Mais tarde, descobrimos que esta montanha havia sido escalada uma única vez pelo montanhista chileno Cristian Peñas.
 No mesmo dia em que escalamos o Chifu, nome dado pelo Cristian, escalamos uma montanha de 5300 metros que naquele momento também não sabíamos o nome, mas de acordo com o chileno Alvaro Rojas chama-se Lomas Coloradas.
 Movemos acampamento até a base do Lomas, como chegamos cedo, decidimos arriscar e tentar cume no mesmo dia e assim fizemos. No cume do Lomas Coloradas encontramos uma linda e muito bem feita Apacheta incaica que pelo estilo não deixa dúvida ser pré-colombiana.

Impressionante Apacheta incaica no cume do Lomas Coloradas

De acordo com Alvaro Rojas, esta foi a primeira ascensão à montanha.

 Sexta montanha: El Morado 5225m

 Desde o acampamento que havíamos montado no dia anterior aproximamos em 4×4 do El Morado e de lá iniciamos o ataque ao cume que não teve grande dificuldade. No cume não encontramos nenhum indicio de presença humana e nem na base. Não há nenhum relato de que esta montanha foi escalada antes desta vez.
 Depois deste cume fomos obrigados a voltar à cidade, pois nosso combustível começou a se esgotar. Chegamos na cidade de El Salvador quase sem combustível. De lá fomos a Copiapó, onde nos encontramos com o fotógrafo e repórter free lancer Caio Vilela, nosso amigo que participou das montanhas que se seguiram.

Sexta montanha: El Morado 5225m

Sétima Montanha: Sierra de Aliste ou Cerro Olvidado (5150m)

Após Caio Vilela se juntar à expedição, tivemos mais outra companhia que nos ajudou muito. O Mecânico de carros Jovani Blume deixou Roca Sales no Rio Grande do Sul com seu Troller e se juntou à nossa expedição.
 Encontrar ele foi um rolo, pois a fronteira fechou novamente e tivemos vários problemas.
 No entanto com mais um carro 4×4 foi muito mais fácil percorrer o canyon do rio Juncal e chegar à região da Laguna Jilgero e a nosso primeiro destino, uma montanha de 5150 metros que na carta topográfica tinha o nome de “Sierra de Aliste”. Tudo isso ainda parando para conhecer novas ruínas incas no caminho.
 Fizemos um acampamento base usando os carros como barreira ao vento e após uma ótima noite fomos ao cume, que chegamos sem percalços.
 Na descida, no entanto, fomos surpreendidos por fortes rajadas que destruiu uma barraca por inteiro e quebrou a vareta de outra.
 A notícia ruim, no entanto, foi que o frio da madrugada também congelou o Troler do Jovani e para piorar o aditivo expandiu e rachou o radiador de óleo e a válvula termostática. Sem opção descemos a Copiapó guinchando o Troller.
 Mais tarde descobrimos que a Sierra de Aliste havia sido escalada uma única vez por Cristian Peña. Em seu site ele chama a montanha de “Cerro Olvidado”.

Chegando no cume do Sierra de Aliste

 Oitava montanha: Vulcão Copiapó 6050m

 Depois de consertar o carro do Jovani, voltamos à Puna, mas em um momento ruim. Houve uma grande tormenta e a paisagem foi pintada de branco. Tomamos uma decisão errada de tentar aproximar as montanhas com neve no chão e isso foi muito desgastante para os carros. Com o derretimento da neve, tudo virou um lamaçal. Tivemos que voltar a Copiapó.
 O tempo estava se esgotando para a Suzie e o Caio, então esboçamos uma saideira escalando o Vulcão Copiapó de 6050 metros.
 O Copiapó é um vulcão pouco conhecido, mas na região é até bem freqüentado. Além de ser muito bonito ele é relativamente bem acessível, mas neste ano de El Niño não. Literalmente tivemos que construir uma estrada para chegar nele e com isso perdemos muito tempo. Como havia muito gelo, também não conseguimos chegar muito próximo, então o jeito foi acampar provisoriamente e aproximar o resto a pé.

No cume do Vulcão Copiapó

 Após uma aproximação, chegamos na base da montanha e cedinho fizemos o ataque ao cume. O frio estava terrível, motivo pelo qual Jovani acabou desistindo. Eu, Max e Suzie continuamos até o final, passando por incríveis ruínas incas em forma de plataforma.
 Depois do cume descemos a Copiapó com tempo de comer, tomar banho e levar Caio ao aeroporto. No dia seguinte foi a vez da Suzie dizer tchau. Ficamos eu, Max e Jovani para tentar fazer o máximo de montanhas possíveis antes de voltar.

 Nona montanha: Vulcão Patos 6288m

Em menor número, mas em 2 carros fizemos uma difícil e arriscada aproximação ao Vulcão Patos, cruzando um passo não habilitado ilegalmente até a Argentina. Tivemos que andar num terreno desconhecido, sem estradas e sem pegadas, abrindo nosso próprio caminho desviando da neve, de pedras, rios, precipícios, areais etc.
 Apesar do caminho selvagem, encontramos várias ruínas de períodos diferentes. A mais impressionante foram muros de um grande acampamento onde achamos uma garrafa de vidro antiga da época colonial. Por conta disso achamos que ali era o caminho principal entre o Chile e a Argentina antes da existência da estrada e do caminho Zelada Ávila mais ao Sul (quando foi construído os refúgios de pedra perto da Laguna Brava por volta dos anos 1880). Nossa hipótese é que por este passo passou o exército de Diegro de Almagro na conquista do Chile nos anos 1530. O achamento de uma apacheta inca pelo caminho reforça esta hipótese, já que os espanhóis se aproveitaram de caminhos indígenas pré estabelecidos.
 Não conseguimos chegar com o Conway muito perto do Patos, mas se apertando no Troller do Jovani fomos até onde deu na base da montanha e começamos a ascensão. Escalar o Patos não foi tão difícil, apesar do frio e do vento terrível. Todos fizeram cume.
 Como é um 6 mil chileno, há um caderno de cume desde 2006. De lá pra cá apenas 4 assinaturas, o que mostra como é difícil chegar nele.

No cume do Nevado Patos

 Décima montanha: Sierra Nevada 6150m

 Entramos pela última vez no vale do Rio Juncalito com a intensão de nunca mais voltar. Como sempre tivemos problemas naquela região. A neve que caiu depois que escalamos a Sierra de Aliste não havia derretido e passamos muito aperto. Também deixei o Conway atolar na areia e tive muito medo de nunca mais conseguir tirar ele de lá.
 Com isso chegamos tarde no local onde começa a caminhada no Sierra Nevada, que é uma das montanhas de 6 mil metros menos conhecidas dos Andes.
 O Sierra Nevada é um vulcão muito grande, com muitos cumes. Até 2014 achava-se que o mais alto era um cume, mas no trabalho de levantamento topográfico do Maximo e da Suzie eles descobriram outro. Este cume mais alto foi escalado por Guillermo Almaraz em Dezembro de 2014.
 A rota que desenhamos era diferente de Almaraz, ao invés de ir pela Argentina fomos pelo Chile. No fim ela se provou ser muito bela. Fizemos um acampamento alto num local muito agradável e protegido do vento e chegamos no cume após um belo ataque com paisagens surpreendentes. Foi uma das montanhas mais lindas que já escalei.
 Mais tarde descobrimos que um chileno Eduardo Olivier Fredes havia feito a mesma rota que a gente e ainda escalou o cume mais alto antes que Guillermo Almaraz. De qualquer forma foi uma honra fazer um 6 mil andino pela terceira vez na história.

Jovani e Pedro no cume do Sierra Nevada

 Décima primeira montanha: Paso Cerrado 5079 metros

 Na descida do Sierra Nevada já estávamos esgotados depois de tanto tempo de montanha e mal víamos a hora de terminar o projeto. No entanto um problema nos assoalava: A fronteira fechada.
 Ligávamos diariamente para a aduana perguntando da abertura da estrada, mas nada dela abrir e a situação começou a ficar dramática.
 Para ganhar tempo enquanto esperávamos, decidimos escalar um pequeno vulcão na frente do Sierra Nevada, que apesar de ser pequeno, era um cume independente. Esta montanha não tinha nome e nenhum relato de escalada, então decidimos encará-la.
 Não foi difícil fazer cume. A vista do topo foi excepcional. Havia um totem, que não sei se era moderno. Como não há relatos e nunca descobrimos nada desta montanha, consideramos ela virgem e batizamos de “Paso Cerrado” em homenagem à fronteira com a Argentina.

Jovani e Maximo no cume do Paso Cerrado no Chile.

 Apesar do nome polêmico, a comunidade de montanhista da Argentina e Chile aprovou.

 Décima segunda montanha: Vulcão Parofes 5845 metros

 A cereja do bolo ficou para o final. O Vulcão Parofes era simplesmente a montanha virgem e sem nome mas alta dos Andes em 2015, fato confirmado por Jonson Reynoso, John Biggar e Guillermo Almaraz, que são autoridades no assunto.
 Apesar de pouco técnica foi muito difícil chegar nela. Enfrentamos mal tempo, muita neve no caminho, frio de -35 graus, muita incerteza e riscos enormes.
 O relato completo publiquei na revista Go Outside, além do relato em meu blog, de forma que não preciso repetir em palavras a dificuldade que foi escalar esta montanha, uma ascensão muito desafiadora que recebeu destaque na mídia internacional, com publicação na Desnível da Espanha e também em uma revista argentina.

 2015, um ano de muito montanhismo.

 Com esta expedição encerrei meu ano de 2015 nos Andes escalando 23 montanhas em três países. Foi um ano espetacular, onde pude ter o privilégio de trabalhar em 4 montanhas de 6 mil, levar dezenas de clientes ao cume e compartilhar de momentos extraordinários com eles. Passei o primeiro dia e o último dia de 2015 nos Andes.
 Em 2016 não será muito diferente. Restando apenas 10 montanhas para Maximo Kausch finalizar todos os 6 mil do Chile e da Argentina, já estamos preparando uma nova expedição que terá mais novidades com ascensões a montanhas pouco conhecidas e muito pouco visitadas.
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Sobre o autor

Pedro Hauck natural de Itatiba-SP, desde 2007 vive em Curitiba-PR onde se tornou um ilustre conhecido. É formado em Geografia pela Unesp Rio Claro, possui mestrado em Geografia Física pela UFPR. Atualmente é sócio da Loja AltaMontanha, uma das mais conhecidas lojas especializadas em montanhismo no Brasil. É sócio da Soul Outdoor, agência especializada em ascensão em montanhas, trekking e cursos na área de montanhismo. Ele também é guia de montanha profissional e instrutor de escalada pela AGUIPERJ, única associação de guias de escalada profissional do Brasil. Ao longo de mais de 25 anos dedicados ao montanhismo, já escalou mais 140 montanhas com mais de 4 mil metros, destas, mais da metade com 6 mil metros e um 8 mil do Himalaia. Siga ele no Instagram @pehauck

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