O Alto do Sabiá

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Além de se localizar na divisa com o município de São Roque, o pacato bairro de Amador Bueno figura também como ponto final da linha 8 da CPTM. Situado a oeste de Itapevi (SP) e envolto por bela paisagem verde, o bucólico lugar ainda passa por desenvolvimento apesar do seu núcleo principal ter nascido as margens da E.F. Sorocabana, inicio do século passado. E tal qual o famoso bandeirante que emprestou o nome ao bairro, resolvi xeretar a simpática morraria localizada na direção noroeste do vale do Córrego do Sabiá. Emendando estrada de chão, trilha e até mesmo os trilhos desativados da antiga ferrovia taí um circuito sussa de meio período que palmilha, em pouco mais de 10kms, os altos e baixos deste rincão rural pertinho de Sampa.

Já havia tempo que desejava conhecer os limites da linha Diamante da CPTM no seu quadrante noroeste, razão que surgiu de forma imprevista num domingo qualquer por algum motivo. Assim sendo, desembarquei cerca das 9:30hr na última estação da linha 8, ou seja, a Amador Bueno. Chamou-me a atenção a bilheteria fechada na hora que de garantir minha passagem de volta. “Ela foi desativada faz tempo devido aos constantes assaltos!”, me diz um tiozinho ao me ver meio deslocado ali. “Você pega o trem pra Itapevi ´de graça´ e lá garante seu bilhete novamente pra retornar a Sampa!”, emenda. Então tá…
Dali me dirigi inicialmente numa padaria afim de mastigar um salgado, onde pude ter uma noção do minúsculo que é o lugar, um quase vilarejo de faroeste a margem da ferrovia. Amador Bueno se resume a uma pequena praça e duas ruas principais onde orbita o comércio local, tudo isso envolto em muito verde. Na verdade o lugar nasceu a margem da ferrovia, mas não se desenvolveu a ponto de crescer além disso, razão que os munícipes buscam atrair investidores prali. Quiçá por isso me senti num lugar meio largado nos limites da periferia paulistana.
Pois bem, dali simplesmente me pirulitei pela continuidade da linha férrea na direção oeste, sem nenhum problema. Há uma evidente vereda que acompanha os trilhos a todo momento, embora estes as vezes sumam por completo, soterrados por terra, pedras ou até mesmo mato. O primeiro quilômetro é bem urbanoide, eufemisticamente falando, pois a paisagem é bem largada e até meio decepcionante. Apesar da presença de mata abundante, a proximidade com a civilização não deixa de entrever neste trecho não apenas bastante lixo ou descarte irregular, mas principalmente ruinas de residências tombadas de barrancos. Aqui o clima de degradação impera, mas não por muito tempo.
Esta primeira impressão logo se esvai qdo se passa pelo lado duma placa “Vende-se galinha caipira”, o que nos convida literalmente a entrar na roça. Os horizontes se expandem permitindo avistar as verdejantes serrinhas ao norte, onde nalgum lugar bem atrás está o morro que é meu destino daquela manhã. A vereda some e ressurge inúmeras vezes ao lado dos trilhos, e enormes voçorocas de mamonas reforçam o clima interiorano da pernada. Trechos abertos intercalam outros mais frescos, proporcionados pela frondosa vegetação durante a aproximação das encostas da morraria sgte. A trilha sonora é o silencio absoluto, embora vez ou outra impere algum ruído oriundo da via que interliga Itapevi a São Roque, ao sul.
Abandono os trilhos no primeiro cruzamento após coisa de 3km iniciada pernada, marcado por uma íngreme e larga vereda nascendo pela direita. A vontade de prosseguir por este belo trecho da E.F. Sorocabana até Mairinque é deveras tentadora, mas fica pruma outra ocasião. Mas tomando o caminho mencionado ganho altura num piscar de olhos, fazendo escorrer suor pela ponta do nariz. Cruzo um par de residências e me mando pro outro lado, onde desemboco numa precária via de chão que leva o nome de “Estrada do Paiol”. A vista é generosa e contempla um vale adjacente ao do Sabiá, alternando bela morraria cortada por linhas de alta tensão. Olhando bem um daqueles morros é o meu destino, por sinal, o maior.
Uma vez na estrada toco pela esquerda e sigo em frente, sempre no sentido norte, serpenteando esta via de chão que remete a qualquer lugarejo do interior. E assim foram quase 3kms de chão onde não cruzei com ninguém, mesmo passando pela entrada de algumas fazendas. Mas após ladear um sitio de nome “Shangrila” é preciso atentar a morraria que se aproxima a nordeste. Olhando bem na mata há uma picada que ganha a encosta e toca pra cima, sendo por ela que me mantenho mas não por muito tempo. Sua brevidade me diz que é apenas atalho dos locais pra estrada principal de manutenção das torres. Que seja, porque a sombra fresca da mata cai como luva naquela manhã quente e ensolarada.
Conforme previsto desemboco na precária e íngreme estrada supracitada, e nela me mantenho ate o final. Precária, íngreme  e bem erodida, esta via demanda veículo tracionado pra ser vencida, embora uma magrela também seja uma boa alternativa. Mas no meu caso foi a pé mesmo, e lá vou eu tomando chão com declividade acentuada e sol martelando o côco. O interessante é reparar que a subida pela picada foi feita pela face sul do morro, tremendamente florestada, enqto aquela encosta noroeste era totalmente isenta de vegetação. Bem, se além da estrada aquele contraforte era repleto de pasto e capim, isso pelo menos possibilitava vislumbrar a paisagem conforme subia, ao mesmo tempo que me regozijava com a brisa do leste soprando o rosto.
Sendo o desnível baixo, coisa de menos de 250m, percebo que já to no alto qdo o caminho começa a descer forte, pro outro lado. Menos de mil metros de altitude, sim é baixo, mas é a maior elevação deste lugarejo afastado de Amador Bueno. Horas? Pouco depois do meio-dia. O topo é largo e além da estrada tem um descampado largo e repleto de pasto. Me presenteio com um descanso sentado á relva apreciando a paisagem que se abre por todo quadrante leste, uma vez que no setor oposto é recoberto por mata mais alta que impede visu qualquer. De qualquer forma a paisagem se assemelha muito aos vastos “mares de morros” dos Altos da Bocaina – guardadas as devidas proporções, claro – pontilhada por uma ou outra fazenda enfiada no fundo dos vales.
Na sequencia dei continuidade a pernada, agora descendo pela estradinha que descia sinuosamente a encosta florestada do outro lado do morro. No caminho, agora sentido sudeste e bem sombreado, passei pela torre que rasga o morro pela cumieira além de levar um belo escorregão num trecho bem íngreme e repleto de pedras soltas. Portanto cuidado. Outra coisa a mencionar foi que neste trecho trombei com um jovem que, em direção contrária a minha, ao me ver desandou a chorar compulsivamente. Meio sem jeito, perguntei se estava tudo bem tentando entender o motivo do chororô. “É que Deus mandou que eu subisse o morro e que encontraria alguém pra passar Sua mensagem. Mas me emocionou o fato Dele ainda falar comigo!”, disse ele, ainda meio comovido. Claro que me despedi e vazei rapidinho pois não tava afim de ouvir pregação de qualquer tipo no meu ouvido. Nem dele ou Dele.
Após este pitoresco incidente prossegui minha descida, quando logo a paisagem novamente se abriu numa íngreme e descampada encosta, revelando sim agora o vale do Córrego do Sabiá. Era um morro atrás do outro que não acabava mais, repleto dum verde que se alternava em pastos e capões de mata no meio das dobras serranas. Meia hora depois cai numa estrada de terra maior que depois vi que se chamava “Estrada do Tijoleiro”, pois além de pequenos sítios e chácaras estava repleta de olarias bem rústicas. Uma placa avisa estar deixando o município de São Roque, confirmando minha dúvida da exata localização do Alto do Sabiá.
Sempre em frente e na direção sudeste, a descida terminou num minúsculo bairro pra então tocar na direção sul, agora pela “Estrada do Sabiá”. Minha intenção era retornar a ferrovia e evitar a “Estrada da Servidão” (e a Rod. Castello Branco), estas a leste. Sempre fui me guiando pela bussola nas bifurcações, mas é possível ter informação com os locais, que neste dia estavam todos se dirigindo pros pesqueiros das redondezas. Dito e feito, desemboquei novamente na ferrovia cerca das 14hr e bem próximo de Amador Bueno. Uma vez lá ainda fui num boteco molhar a goela antes de tomar o trem de volta, assim como apreciar o vai-vem daquele lugar tão diferente mas tão próximo da maior Metrópole do país.
A título de curiosidade, Amador Bueno da Ribeira foi um importante bandeirante paulista do século XVII que já foi considerado um dos homens mais ricos de São Paulo, em 1638. Influente, poderoso e até rebelde, foi aclamado rei na cidade e, 200 anos depois, pela sua lealdade á Coroa foi aclamado Imperador por ninguém menos que D. Pedro I. Provavelmente o ilustre aventureiro sequer imaginou que seu nome serviria pra nomear um bairro rural de Itapevi, mas decerto ficaria orgulhoso pela honraria e de ver que pouca coisa mudou pela região. E eu? Pretendo retornar pra essas bandas? Sem dúvida, mas provavelmente pra concluir os 30kms de caminhada pelos trilhos da E.F. Sorocabana até São Roque ou, se sobrar fôlego, até Mairinque. Fica a dica.
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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

1 comentário

  1. Se isso que te surpreendeu você está no e perdido ainda , a muita coisa pra descobrir além das linhas de trem , no alto do sabia , a histórias também a provas de verdades , correntes de escravos e muito mais.

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